Certo, Marine Le Pen foi derrotada e Macron é o novo Presidente. Certo, a extrema-direita não chegou aos alarmantes 40%, longe disso. Mas na verdade a abstenção foi um partido muito votado, com o maior número dos últimos 40 anos, e os votos em Le Pen chegaram aos onze milhões, mais do que a população portuguesa residente aqui no rectângulo. Pode não ser por amor, mas é seguramente por interesse.

Estes factos não me tranquilizam. Podem ter o efeito de uma aspirina sobre a dor de cabeça, mas verificar que Marine Le Pen conseguiu, em quinze anos, duplicar o apoio à Frente Nacional – isto é, atrair para o seu discurso populista, xenófobo e próximo do fascismo, o dobro dos eleitores que o seu pai obteve, com espanto generalizado, em 2002 -, não apenas me deixa desassossegado como, de alguma forma, derrotado. Traduz um basismo de análise sobre o que está em causa, um egoísmo inaceitável num mundo teoricamente moderno, globalizado, e inclusivo; e acima de tudo, uma ignorância de facto sobre o que a Europa viveu nos últimos séculos.

Posso perceber que os extremismos de direita e de esquerda, sedentos de uma notoriedade que décadas de paz, no continente europeu, asfixiaram, se agarrem ao medo e às ameaças externas, para tentar captar apoios que, de outra forma, nem sequer estariam em cima da mesa – já percebo menos que, numa espécie de IURD política, haja quem acredite que a cura para todas as crises passe por “milagres” conseguidos à custa de novos muros, nacionalismos exacerbados, e uma forma de, discretamente, classificar as raças em escalões que dependem da origem, da cultura, da religião, e lá está: do interesse. Nem que seja económico.

Ao longo da semana, a expressão que mais ouvi, sobre as eleições francesas, foi “respirar de alívio”. Se “respirar” se aplica ao resultado, já a ideia de “alívio” me parece manifestamente exagerada. Não há alívio quando um tão grande numero de cidadãos concorda com o projecto nacionalista de Le Pen. Pior: não está sozinha em quase todos os países da Europa. Vivemos um momento de cisão e dúvida, de esboroamento do desenho politico-partidário clássico, sem que seja claro um (essencial e urgente) novo desenho. A não ser este extremismo cada vez mais sólido.

Não é difícil perceber a reacção intuitiva dos eleitores a um regime que, em geral, criou novas injustiças, abriu-se à corrupção, cultivou os novos ricos e os amiguismos - e quando a crise estalou, fez recair sobre os cidadãos comuns a factura de governações laxistas, negligentes, indigentes, e quase sempre impunes. Mas também não tranquiliza ninguém o potencial que têm estes movimentos radicais, subitamente alcandorados aos lugares cimeiros das eleições. Por momentos, podemos sentir que respiramos de alívio – mas as ameaças que mordem cada vez mais as canelas do ideal europeu não deixam aliviado um só democrata lúcido.

Adormecer à sombra desta falsa bananeira é o pior que os defensores de uma União, tão democrática quanto justa e abrangente, podem fazer. A tentação é grande, e a sombra parece apetecível. Mas a ameaça segue dentro de momentos.

Ainda a França...

Condenados à morte física dos seus formatos em papel, nem por isso deixam de resistir ao anuncio nem desistem de usar a imaginação para continuarem a marcar a actualidade. Os jornais franceses – com destaque para o eternamente criativo Libération – criaram belíssimas primeiras páginas à volta destas eleições. Eis uma escolha de algumas delas.

Apesar da diferença de idades não ser muito distante da que separa Donald Trump da vamp Melania, o facto de neste caso ser inversa a distância, com Brigitte Macron, a mulher do novo presidente frencês, mais velha do que o Presidente, tem dado para todo o tipo de comentários, mais machistas, menos machistas, psicológicos, analíticos, idiotas. Aqui, neste vídeo-perfil, assinado pelos editores da revista Time virados jornalistas digitais, na recente plataforma Motto, pode saber-se o essencial sobre Brigitte sem os preconceitos do costume.

Com meios reduzidos, mas com imaginação e um sentido jornalístico apurado, o jornal Libération tem, online, nos seus Libé-Zap, vídeos de dois, no máximo três minutos, que enquadram e explicam os factos, os protagonistas, os vencedores e os vencidos. Deixo o link para os 3 minutos que mostram a evolução política de Macron, mas no site do jornal também está o perfil de Marine Le Pen e outros mini-vídeos que demonstram que nem sempre é o dinheiro quem mais ordena quando se trata de mudar a face da informação.