Um pico de tensão, a electricidade foi-se, logo a bomba de calor e, como consequência, adeus à água quente e aos 22 graus de temperatura, garante do ar condicionado velhinho, velhinho. Estamos pouco ou nada habituados às coisas miúdas do mundo. Não pensamos como temos electricidade ou por que carga de água a máquina de lavar roupa funciona assim ou assado. Temos água, temos luz, seguimos na vida. De repente, água quente é mentira. O ar condicionado que se dane, o verão nem mostra uma cara convincente, não é uma tragédia, é abrir as janelas e garantir a passagem de ar, dar boas-vindas a uma corrente de ar que atravessa a casa. A água é outra conversa. E, atenção, estas lamúrias todas são por causa de água quente, não são por causa da inexistência da água na sua totalidade. Estamos, mais uma vez, habituados a virar a torneira e a ter água.

Somos uns privilegiados, somos uns mimados, somos ocidentais vagamente alerta para a escassez de certos bens, mesmo que oiçamos notícias sobre secas, sobre barragens que não encheram como deveriam e, claro, sobre a desertificação cada vez maior. Ouvimos? Sim, ouvimos, mas não escutamos nada, porque na verdade é um problema para mais tarde, para outros, é uma chatice. Se a torneira da água estiver a escorrer enquanto lavo os dentes - mesmo que por dois minutos bem contados e utilizando uma escova eléctrica, para garantir uma melhor limpeza - pois gasto seis litros de água. Seis livros em dois minutos. Há muito que se fecham torneiras cá em casa. Para os dentes, para os duches, enfim, com a consciência de que a água é um bem essencial e ter torneiras não significa obrigatoriamente ter água.

Sabia que para se produzir um quilo de carne são consumidos cerca de 15000 litros de água, enquanto são necessários apenas 1300 litros para se produzir a mesma quantidade de grãos? Se fosse fazer uma lista deste tipo de perguntas ficaria espantado ou encolheria os ombros? Talvez seja melhor não responder a isto.

Em 2007, há onze anos, a ONU avisava: a água irá faltar para 60% da população mundial. A Agência das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação deixou avisos claros e com informação que nos deveria fazer rever comportamentos. O consumo da água tinha duplicado no último século. Mais de mil milhões de pessoas não tinham, há onze anos, acesso a água limpa. E dois mil milhões e meio de pessoas não possuíam saneamento básico. O relatório das Nações Unidas sobre Desenvolvimento de Recursos Hídricos, lançado em março de 2019, tem como mote: “não deixar ninguém para trás”. A água e o saneamento é um direito humano que foi reconhecido como tal em dezembro de 2015. Quantas vezes pensa nesta realidade assustadora? Diariamente? Pontualmente? Eu estive sem água quente menos de 24 horas e deu-me para repensar a forma como utilizamos os recursos hídricos cá em casa. Talvez possa fazer o mesmo. A água é um direito, mas é sobretudo crucial à vida.

P.S.: Dia 29 de Julho foi considerado, pela Global Footprint Network, organização que calcula a pegada ecológica que a Humanidade inflige no planeta, o dia da sobrecarga da Terra. Significa isto que os recursos que deveríamos gastar durante o ano todo já estão gastos, estamos em sobrecarga. Agora multipliquem a questão da água por umas dezenas de outras questões que implicam com a nossa sobrevivência e vejam lá se não seria de pensar um pouco nisto e agir, porque nem só de pensamento vive o Homem.