Fui dormir cansado, apreensivo, desgostoso. Afinal de contas, quase meio milhão de pessoas votou na extrema-direita. Não quer dizer que sejam todas fascistas, e é logo aqui que temos de parar.

Não nos iludamos, há mesmo muita gente fascista e racista que quer de volta uma autocracia que privilegie uma muito pequena elite que esmaga todo o povo. E os posts assustados e de genuíno medo de pessoas não brancas ou com sexualidades e géneros minoritários perante este cenário são profundamente desoladores. 

Mas acredito que também há muito boa gente que votou nele por se sentir abandonada pelos partidos democráticos, sem terem exactamente consciência do que seria viver num país sem SNS, ensino público ou tantas outras estruturas fundamentais à vida, e de que usufruem quase todos os portugueses. É preciso chegar até estes, e combater os aqueles.

Não há só uma resposta certa para combater a extrema-direita, e o cuspir culpas entre não fascistas é contraproducente. Há muito que se pode fazer. Os partidos de esquerda têm de apresentar alternativas, aprimorar a retórica, chegar onde não estão a chegar. Os de direita têm — ou convinha que o fizessem — de ser fiéis aos seus valores democráticos, não escancarando as portas ao fascismo. Os artistas têm de se envolver mais, usar o seu privilégio e o palco que têm, para tentar desconstruir e instruir em tantas formas quantas forem possíveis. A comunicação social tem de investigar, como muita felizmente já faz, e não o levar ao colo, como por exemplo, ao noticiar a noite de ontem, dizer que “Marcelo ganhou, mas a estrela foi Ventura”. Ajuda também que os apresentadores não branqueiem a sua ideologia, fazendo-os parecer fofinhos a afagar coelhos. E os cidadãos têm de se importar, com os que já se importam a ter de chamar para a conversa os que estão a dormir. Se disto depende a sua vida, como hão de não se importar?

O fascismo é um veneno que muitos tomam crendo que é remédio. Alguém lhes disse que cicuta salva, como quem lhe diz que o trabalho as libertará. Que horrível engodo. Mas tudo isto pode ser travado.

E por isso acordei com força. Acordei a pensar que 80 e tal por cento votou em democratas. Todas estas pessoas querem resolver os – tantos – problemas do país em democracia. Todas estas pessoas preferem o amor ao ódio, todas estas pessoas preferem a liberdade à autocracia, a inclusão à exclusão. Podemos estar em desacordo em muita coisa, e estamos, mas que estejamos em democracia e com a liberdade para, precisamente, discordar.

Não podemos, de maneira alguma, ignorar a quantidade de pessoas que votou na extrema-direita – sendo fascistas ou não. Não podemos não reflectir, ou não querer combate-lo todos os dias, da melhor maneira que cada um puder e souber.

Mas haja ânimo e esperança, que sem isso não há luta que se vença. Somos muitos mais pelo amor, e se isto não nos dá alento, nada nos dará.

Sugestões mais ou menos culturais que, no caso de não valerem a pena, vos permitem vir insultar-me e cobrar-me uma jola:

- Zeca Afonso no Coliseu: para ver no YouTube.

- Sérgio Godinho e Jorge Palma no Super Bock Super Rock: idem.

- Zé Mário Branco – Resistir é Vencer: idem

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