Ora, as preocupações dos indecisos, ao que indicam todas as sondagens, são económicas e sociais, não ideológicas. 

As económicas têm a ver com o básico: inflação, poder de compra, nível de vida. As sociais referem-se à possibilidade de abortar e à influência dos imigrantes no mercado de trabalho. 

Os eleitores não estão preocupados com aquilo que mais atormenta o resto do mundo: a influência dos Estados Unidos no xadrez internacional e as posições que têm de tomar na Guerra da Ucrânia (ou seja, na defesa da Europa e da NATO), na Guerra Israel/Hamas e na hegemonia da China.

É neste contexto que tem de ser observada a campanha eleitoral para as presidenciais de Novembro, e, especificamente, o debate de quinta feira. Um debate entre candidatos é sobretudo um espectáculo onde a postura - a qualidade da actuação - é mais importante do que a pertinência das propostas. Isto é válido para todos os debates, em todos os países, mas é mais válido ainda para a América, o país do “showbizz” onde a aparência conta mais do que a essência, e para este momento da política norte-americana, em que os eleitores têm de escolher entre dois candidatos politicamente inaptos para o cargo de “homem mais poderoso do mundo”. 

Todos os observadores concordam que Biden está velho demais e que Trump é imprevisível demais - em última análise, tirando os partidarismos e as ideologias de quem comenta, estes são os seus pontos fracos. Era o que estava em jogo no debate; será que Biden tem cabeça para governar mais quatro anos, ou será que Trump consegue pôr os interesses nacionais acima do seu narcisismo mórbido?

Isto porque, mesmo os que defendem que a vitória de Biden é essencial para que o país não caia numa autocracia isolacionista, sabem que o presidente está física e mentalmente enfraquecido e estará cada vez pior de ano para ano. E os que defendem a volta de Trump para avançarem com as suas agendas conservadoras, estão cientes de que o homem é vingativo, desconexo e um potencial ditador.

O debate, extraordinariamente cedo para o tempo normal duma campanha eleitoral, destinava-se a esclarecer, de uma vez por todas (se bem que não definitivamente, muita água pode correr até Novembro), se Biden afinal ainda tem a energia indispensável para o cargo, e se Trump está mais atinado quanto aos objectivos da governação.

E, se alguma coisa se esclareceu, foi precisamente o pior. 

Biden, com a voz rouca, a gaguejar, com lapsos de memória e de fala, nem sequer aproveitou as oportunidades que os disparates de Trump lhe proporcionaram. Não conseguiu transmitir os benefícios da sua política económica, que diminui o desemprego e baixou a inflação. Mostrou-se mole, pouco incisivo, suave - uma postura péssima num universo eleitoral em que a audácia é essencial. 

Trump, mais enérgico, insistiu nas mentiras e distorções que fazem dele uma pessoa perigosa para o complexo sistema democrático norte-americano. Repetiu aquelas afirmações delirantes de que “os países estão a esvaziar as prisões e os manicómios para nos enviar criminosos, violadores e doidos”. Não foi capaz de denunciar Putin e não respondeu à acusação de ter incentivado o motim de 6 de Janeiro. Contradisse-se quanto à questão do aborto e repetiu que quer uma guerra de tarifas com a China, apesar de estar provado que custará milhões aos consumidores. Insistiu que o sistema judicial está nas mãos dos democratas, ao mesmo tempo que se vangloriou por ter nomeado três juízes ultra-conservadores para o Supremo. Negou ter dito coisas que estão gravadas, como o seu desprezo pelos militares mortos em combate, “parvos e perdedores”. 

Fizeram-se incontáveis sondagens durante e depois do debate, grandes e pequenas. Jornalistas juntaram-se em grupos, em bares, e assembleias com eleitores de todas as cores e reportaram o que ouviram.

As opiniões, muito diversas em nível e intensidade, podem resumir-se: os democratas estão aterrorizados com a prestação titubeante de Biden e alguns até falam em substituí-lo a tempo para as eleições; o problema é que não têm outro candidato na manga. E os republicanos estão dispostos a apoiar uma presidência brutal em nome daquilo que podemos chamar de um estado “cristão” anti-moderno.

Já aqui dissemos que os Estados Unidos estão perante dois cenários: ou uma autocracia (se Trump ganhar), ou uma guerra civil de baixa intensidade, dispersa e brutal (se Trump perder). O debate de ontem não mudou a nossa expectativa.

Nem as dos americanos.