Em Portugal, a liberdade de expressão tem uma vida sexual nitidamente monótona: está demasiadas vezes por baixo do direito à honra. Ainda por cima, o direito à honra é péssimo na cama, uma vez que tem de ter muito cuidado com as palavras que usa na dirty talk. O caso mais recente é o de Francisco Seixas da Costa, recentemente condenado por difamação agravada por ofensas a Sérgio Conceição, devido a um tweet de 2019 em que classificou o técnico portista de "javardo".

A condenação não parece adequada para uma bojarda ao Sérgio Conceição em 2019, mas para uma bojarda à Imaculada Conceição em 1519. É que, a comparar com outras entradas no glossário de ofensas utilizadas em sede de rivalidade futebolística, "javardo" talvez seja o mais inofensivo dos vitupérios. Mas estamos a falar da justiça portuguesa, viciada em pregar ralhetes no que toca aos limites da liberdade de expressão, entendimento condenado mais de duas dezenas de vezes pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.

Falamos do país em que, como recorda Francisco Teixeira da Mota no ensaio "A Liberdade de Expressão em Tribunal", chamar "cromos" a soldados da GNR foi considerado um acto criminoso, porque a expressão "embora não possa ser considerada uma injúria mais gravosa, não deixa de ser uma injúria". A defesa chegou a apresentar um sólido contra-argumento no recurso: "1 - A expressão "vocês são uns cromos" não é injuriosa (...) 5 - O cromo é, por exemplo, no programa Morangos com Açúcar, manancial de neologismos, o bom estudante, aplicado, inteligente, esperto, o que tinha boas notas". Infelizmente, não colheu aprovação junto do tribunal.

Quanto ao caso de Seixas da Costa, a juíza não deve ter ficado convencida de que há quem ache que o insulto faz parte da discussão tribal clubística. A defesa de Seixas da Costa podia ter acareado um conhecido treinador que, no mesmo ano em que o embaixador jubilado lhe chamou "javardo", afirmou que gosta de "sentir esse fervor das bancadas, o próprio insulto que me chega de forma fácil das bancadas. Faz parte, é o futebol". Ou que, ainda nesse ano, disse que "agora, nas redes sociais, vão insultar-me. Deixem-me que vos diga: estou-me a cagar para isso!".

Mais do que relevar o facto de Conceição não ser, efectivamente, imaculado no que toca à linguagem desinibida do futebol, importa referir que esta decisão parte do Tribunal do Bolhão. Ninguém diria que um tribunal no Bolhão seria tão sensível quanto a ofensas. Dá-me ideia de ser um local onde "javardo" é elogio. Com esta jurisprudência, a partir de agora, sempre que os sensíveis magistrados do MP passarem pelo mercado, no intervalo das audiências, trarão de lá - não robalos - mas matéria de facto para deduzir acusação.

Por exemplo, foi precisamente no mercado do Bolhão que Anthony Bourdain viu a sua honra e bom nome postos em causa, quando uma peixeira insinuou que, dado o seu 1,93m de altura, seria dotado de diminuto pénis. Não consta que o falecido chef americano tenha recorrido ao tribunal local para repor a dignidade do seu falo. Primeiro, porque Bourdain era tudo menos um servo do respeitinho; depois, porque o contexto importa e, tal como no âmbito da discussão futebolística, aquilo que se diz em contexto de venda de bivalves no mercado do Bolhão não é de todo para ser levado a peito.