Este texto faz parte da rubrica Regresso a um Mundo Novo, em parceria com a plataforma 100 Oportunidades, em que vários jovens nos ajudam a pensar o mundo pós-pandemia.


Qualquer previsão que se faça do pós-pandemia enquanto esta decorre, estará provavelmente errada. Contudo, passados quase seis meses desde que o SARS-CoV-2 foi pela primeira vez identificado e na sequência do levantamento gradual das restrições impostas tanto na Ásia como em alguns países Europeus, é possível vislumbrarem-se alguns indicadores de como reagirão as economias mundiais no pós-Covid.

Parafraseando Warren Buffet na última Assembleia Geral da Berkshire Hathaway, esta crise não é como as outras. Ao contrário de 1929 ou 2008, em que o comboio económico descarrilou, em 2020 este deslizava de maneira robusta até ao momento em que os Governos de todo o Mundo decidiriam pegar nas suas carruagens e pô-las ao lado dos carris. E a economia mundial parou.

Portugal também travou de forma abrupta a sua economia, mas por mérito ou por sorte nas circunstâncias, poderá ser, de entre os países Europeus afectados, um daqueles onde o impacto económico será mais reduzido.

Comecemos pelos dados que todos conhecemos. Portugal é um país pobre no contexto comunitário, o nosso PIB per capita é o segundo mais baixo da Zona Euro, temos fraca competitividade, importamos mais do que exportamos, as nossas empresas estão mal capitalizadas, temos um mercado de trabalho pouco dinâmico e com leis laborais rígidas, temos uma dívida pública de cerca de 120% do nosso PIB, estamos cada vez mais dependentes do turismo…

Contudo - e apesar de todos os dados acima referidos serem verdadeiros - existem três vantagens escondidas que são de aplicação única num momento como este.

Comecemos pelo mercado de trabalho. Há cerca de 2 semanas, a Comissão Europeia (CE) emitiu no boletim de Primavera as suas previsões para os países da EU27, Reino Unido, China, EUA e Mundo como um todo. Nesse documento, a CE previa para Portugal uma recessão em 2020 de 6.8%, melhor que a da Zona Euro (7.7%), a da UE27 (7.4%) ou até a do Reino Unido (8.3%).

De todas as previsões feitas, o número que mais surpreendia era a queda projectada para a economia irlandesa, maior que a média da UE27 e da Zona Euro, com uma recessão de 7.9%. À primeira vista, esta poderia parecer um estimativa insólita, dado tratar-se de um país com um forte sector de telecomunicações, um robusto sector farmacêutico, com um grande peso de empresas tecnológicas e com fraca dependência do turismo.

Contudo, a Irlanda tem um dos mercados de trabalho mais flexíveis do Mundo. Esta característica, que tem sido ao longo dos anos uma enorme vantagem para atrair investimento estrangeiro – da qual sublinho ser adepto por regra – tem aqui, a meu ver, a sua excepção.

É que a facilidade com que as empresas irlandesas terminam contratos de trabalho foi uma das causas para o aumento repentino da taxa de desemprego de 4.8% em Fevereiro para 28.2% em Abril, de acordo com o Departamento Central de Estatísticas Irlandês. No outro lado do espectro, Portugal, lento e arcaico, não reagiu com a mesma velocidade.

E prova disso são os dados divulgados pelo INE esta semana, que mostram que o desemprego subiu de forma “mais controlada” em Abril para 7.6%, valores semelhantes aos de 2006 e 2018.

Isto não significa que o desemprego não vá aumentar mais em Portugal, porque essa será, muito provavelmente, a realidade, nomeadamente com o fim dos regimes de lay-off e com a insolvência das empresas que não terão robustez para suportar o embate.

Mas o desemprego não acontecerá todo ao mesmo tempo e isso permitirá que, de forma mais suave que nos países de índole anglo-saxónica, o mercado vá gradualmente permitindo que, à medida que estes acontecem, aqueles que procuram trabalho o vão encontrando junto daqueles que o oferecem, evitando um disparo abrupto deste indicador, como registado na Irlanda ou nos Estados Unidos.

Outras das vantagens escondidas poderá ser a recuperação mais acentuada do sector do turismo. Apesar do enorme crescimento que este tem tido no contexto Europeu, Portugal está longe de ser um dos principais destinos, aparecendo em 8º lugar na tabela da UE28, muito atrás do top 4 composto por Espanha, Itália, França e Reino Unido.

Acresce que a atracção de turistas é um jogo de soma zero, na qual os países competem entre si para atrair consumidores de todo o Mundo e quando um turista elege um destino para passar as suas férias, rejeita automaticamente todos os outros.

A vantagem poderá emergir do cotejo da prestação de Portugal durante esta crise versus a dos seus concorrentes do Sul da Europa. Esta poderá permitir que, no médio prazo, Portugal “roube” mais turistas aos seus grandes competidores, fruto da mensagem de paz social, disciplina e organização que transmitiu a todo o Mundo durante o pico da pandemia.

É preciso não esquecer que o sector turístico é altamente resiliente, tanto a crises sanitárias como a crises financeiras. Dados da IATA comprovam que o número de chegadas aos aeroportos de Hong Kong recuperou completamente após 7 meses do início da epidemia da SARS e que durante a crise financeira mundial, apenas 2009 foi um ano de crescimento negativo para o turismo global, tendo todos os anos subsequentes registado forte crescimento tanto em número de turistas como em termos de receita. Não é credível achar que os novos meios de comunicação digital com que muitos de nós se familiarizaram nos últimos meses substituam as viagens de lazer.

Por fim, podemos esperar um aumento do investimento público e a expansão de sectores que se encontram há muito adormecidos, como o da construção e o das infra-estruturas. Portugal adia há muitos investimentos fundamentais para a sua economia, nomeadamente no sector portuário e aeroportuário, facto que tem prejudicado a sua competitividade no contexto internacional. Este adiamento, consequência da disciplina orçamental imposta tanto pelas Instituições Europeias como pelos mercados, terá agora uma janela de oportunidade para ser concretizado, beneficiando ainda de custos de financiamento impensáveis para um país com o nosso nível de endividamento ou de crescimento económico.

Por isso, este texto, que nunca escreveria há apenas seis meses, hoje – em que muito do que era verdade deixou de o ser – passou para o papel.

Porque a verdade é que nunca se viveu nada assim.

*Duarte Gouveia escreve segundo o antigo acordo ortográfico