Santiago já imagina o que se vai passar. Já está habituado a estas cenas de violência que tanto ocorrem em bairros da elite económica. A princípio chocava-o, mas o ser humano tem uma inusitada capacidade de se conformar com toda uma variedade de comportamentos abusivos.

“Vou chamar os meus amigos do CDUL”, diz Nonô. Envia uma mensagem de voz para o grupo “Filhos dos Que Mandam Nesta Merda Toda” no Whatsapp e passado vinte minutos, treze jovens praticantes de rugby, de 15 anos com corpo de 24, alinham-se à frente do exclusivo externato. A tensão sente-se no ar. Intimidada, Loti liga aos seus amigos da Orquestra Metropolitana, que, não sendo tão corpulentos, podem ainda assim defendê-la através do arremesso de oboés e harpas. Passa um quarto de hora e 30 jovens, divididos entre gangues betos rivais, encaram-se de forma ameaçadora. Teme-se o pior.

“Nem sabes o que te fazia se não me doesse o adutor por causa do crossfit!”, diz um indivíduo do rugby. “Espera até o meu irmão saber disto, isto é, quando voltar do mochilão de um ano e meio que está a fazer à conta dos nossos pais”, alerta um choninhas da orquestra. De repente, encostam as cabeças e “empurram-se à menina”, citando o contínuo Alfredo, que este cronista não perpetua estereótipos de género. Nisto, aparece uma viatura da PSP. Uma ramona? Um carro da Escola Segura? Não, não. Uma carrinha da Polícia Municipal. Como se sabe, costumam estar armados até aos dentes com papel e caneta.

“Companheiros, os companheiros estão a ocupar a via”, anuncia o agente Santos, nascido e criado na Venteira, que sente sempre alguma falta de à vontade em lidar com os filhos da classe privilegiada. “Desculpe? Sabe que foi a empresa do meu pai que alcatroou esta rua?”, questiona Diogo, homem de uns 3000 seguidores no Instagram. “Sr. Polícia, isso é um atentado à liberdade de expressão. Você já leu Voltaire?”, indaga Miguel, gajo para ter tido 18 no último teste de português, mas a quem sempre faltará empatia. “Oh bófia, tu sabes que podes perder a licença com esse abuso de poder?”, ameaça Sebastião, com aquela cara de quem tem dois pais magistrados que juram a pés juntos que nunca mexeriam cordelinhos para afastar o filho de problemas com a Justiça, mas que claramente o fariam caso ele fosse acusado de homicídio simples por causa de uma altercação com um amigo em torno do extravio de um daqueles auriculares da Apple que foram manufaturados com o intuito de serem, lá está, extraviados.

“Vocês não são bem educados. Vão-se embora daqui, por favor”, sugere timidamente o agente Santos, enquanto que finge que escreve algo no bloco de notas. Paulatinamente, os dois grupos vão dispersando. Estão desolados: não houve mocada porque apareceu a polícia. Voltariam em breve para dentro do recreio, provavelmente para ouvir na rádio da escola músicas de rap. Aquelas que retratam precisamente a violência policial que, também eles, experienciam numa base diária.

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