Desde que assumiu o comando técnico do FC Porto, Sérgio Conceição, não obstante os sucessos que tem vindo a atingir, teve de enfrentar uma crítica mais ou menos explícita — da parte de comentadores e adeptos — quanto ao facto de não aproveitar devidamente as pérolas da formação portista.

Esta aparente desvalorização do talento formado no clube era tanto mais incompreensível dado o facto de, em 2018/19, os Dragões terem vencido a UEFA Youth League, o equivalente à Liga dos Campeões dos escalões de formação, antecipando um futuro brilhante para os responsáveis pela conquista.

Como foi apontado por algumas análises, Sérgio Conceição tem vindo a dar minutos nos jovens azuis e brancos, mas não a um ritmo que se esperaria nem com a consistência desejável. Desde que aceitou o cargo em 2017, o técnico lançou na equipa principal 15 jogadores “made in Olival”, mas poucos vinham a fixar-se na equipa principal e com estatuto de titulares. As exceções foram:

  • Diogo Leite — Subiu à primeira equipa na época 2019/20, sendo maioritariamente usado nas Taças. No ano seguinte, fez vários jogos a titular mas acusou inconsistência e acabou por deixar de contar para o treinador. No início desta temporada, foi emprestado ao Sporting de Braga, com opção de compra — o que significa que, para a direção portista, este pode ter sido um adeus ou um longo "até já";
  • Romário Baró — Foi lançado no meio-campo na temporada 2019/20 e vinha a somar minutos, mas uma lesão arredou-o durante mais de dois meses, perdeu ritmo e a confiança do treinador, passando ao estatuto de suplente. Na época seguinte raramente foi titular e desceu à equipa B, sendo que no início deste campeonato foi emprestado ao Estoril. Ainda assim, é com "v de volta", tendo renovado contrato antes da saída, podendo significar que o clube continua a contar com ele;
  • André Pereira — Começou a época 2017/18 a titular, mas o ponta de lança produziu pouco e foi perdendo espaço. Acabou por ser emprestado ao Vitória de Guimarães no final da temporada e andou de cedência em cedência até sair a custo zero para o Rio Ave em 2020;
  • Fábio Silva: Estreou-se pela equipa principal na temporada 2019/20 com apenas 17 anos, tendo-se tornado o jogador mais jovem de sempre a marcar pelo FC Porto em jogos oficiais. Todavia, apesar de ser considerado um dos ponta de lança mais promissores, foi poucas vezes titular e somou apenas três golos. É muito provável que viesse a crescer com a equipa, mas foi vendido ao Wolves por 40 milhões de euros.

Outros casos, como o de Galeno — vendido ao Braga por 3,5 milhões de euros com apenas quatro jogos na equipa sénior, tendo sido recomprado por 9 milhões neste mercado de inverno — ou de Tomás Tavares — que apesar de ser encarado como uma jóia da formação, nunca contou para o treinador — vinham provocando interrogações. Além disso, o que contribuiu particularmente para a desilusão de alguns adeptos foi a sequência de contratações de cariz, no mínimo duvidoso, no máximo imprevisível. Yordan Osorio, Majeed Waris, Saidy Janko, Ewerton, Jorge, Riechedly Bazoer, Renzo Saravia, Malang Sarr, Carraça e Nanú são apenas alguns dos nomes que, contratados ou vindos por empréstimo, deixaram poucas saudades no Dragão e ajudaram a tapar a ascensão de atletas da formação.

Diga-se que Conceição nunca escondeu que a sua postura para com os jovens do clube é mais de exigência do que à procura de boa imprensa. “A forma como olho para os jogadores, tenham 17 ou 37, é pela qualidade. Não faço favores a ninguém no sentido de ser mais bonito ou melhor para a imagem do treinador. Se estão lá, é porque têm qualidade para estar lá", afirmou, numa entrevista ao Canal 11, em 2019. No início da atual temporada, o treinador conimbricense voltou a sublinhar a sua estratégia: “Fico muito agradado com muitos bons jogadores jovens que temos da formação. São dez. E não estão aqui por pressão pública, por moda, mas por qualidade”, disse, antes do jogo inaugural com a Belenenses SAD.

Seriam, contudo, as palavras que proferiu no final de um jogo com o Marítimo, em 2020, as que teriam uma ressonância quase profética. “Estes jogadores, num futuro muito próximo, podem ser uma mais-valia e eu estou esperançado em, nos próximos tempos, ver a base da equipa ser praticamente toda da formação. Não por alguma dificuldade financeira, mas pela qualidade que eles têm”.

O tempo veio a dar-lhe uma certa razão. O comentador Luís Cristóvão escreveu, aquando da vitória do campeonato do FC Porto em 2019/20, que uma das razões do sucesso portista foi o início da aposta reiterada “nos miúdos”. “Nas últimas semanas, o momento em que os miúdos entram em campo é o espaço onde o futebol azul e branco floresce”, apontou, no final dessa campanha vitoriosa.

Se Conceição deitou à terra as sementes há dois anos, agora veio colher os frutos. Da talentosa fornada da equipa que conquistou a Youth League, há quatro nomes que se fixaram no 11 do Porto nesta época, com resultados extraordinariamente positivos: Diogo Costa, João Mário, Fábio Vieira e Vitinha — todos eles devidamente blindados com contratos até 2024, 2025 e 2026. A sua irreverência e rara segurança para a idade, aliada à experiência competitiva dos colegas, transformou a equipa e fê-los tomar o lugar de algumas "vacas sagradas". Uma palavra ainda para Francisco Conceição, que, apesar dos importantes momentos que protagonizou na temporada passada, perdeu espaço nesta época.

Diogo Costa
créditos: AFP or licensors

Diogo Costa

O guarda-redes nascido na Suíça, mas radicado em Santo Tirso a partir dos 7 anos, cedo veio a revelar-se como um daqueles talentos precoces que “não engana”. Parte da geração da seleção nacional que venceu o Campeonato da Europa de sub-17 em 2016 e de sub-19 em 2018, podia ter juntado ao currículo o título dos sub-21 em 2021, não tivesse Portugal perdido a final com a Alemanha. No entanto, foi selecionado entre os melhores do torneio.

No que toca ao seu percurso na formação do FC Porto, para a qual entrou com 12 anos, foi despontando até ser coroado com a vitória da Youth League, com apenas seis golos sofridos. As prestações na equipa B dos Dragões chamaram a atenção de Sérgio Conceição, que o chamou a jogo nas duas últimas temporadas, ainda que intermitentemente e sobretudo em partidas a contar para as taças.

A sua oportunidade de ouro surgiria esta temporada. Costuma dizer-se que a sorte de uns é o azar de outros. À espera na sombra de Agustín Marchesín, ganhou a titularidade quando o guardião argentino de 34 anos se lesionou no início da época. Diogo Costa agarrou a oportunidade com luvas e dentes e mostrou uma segurança rara para um jovem de 22 anos, sendo capaz de defesas vistosas, mas também de pôr a equipa em sentido — inclusive em jogos de alta dificuldade, como na Liga dos Campeões e nos “clássicos”.

O nível que demonstrou não só lhe valeu convocatórias para a Seleção A de Portugal, como foi o escolhido para os tensos jogos de playoff contra a Turquia e a Macedónia do Norte, sendo altamente provável que num futuro próximo se torne no dono da posição. O Qatar aguarda-o.

João Mário
créditos: EPA/FERNANDO VELUDO

João Mário

É, porventura, o menos vistoso dos quatro talentos da formação a ocupar um lugar no 11 titular do FC Porto — e tem o azar de partilhar o nome com um jogador campeão europeu por Portugal. Contudo, ao contrário do seu homónimo a jogar no Benfica, este João Mário tem bem mais razões para sorrir este ano.

Começando a jogar no Sanjoanense, mudou-se para o Porto com nove anos e foi crescendo no Olival. Formado enquanto extremo-direito, era essa posição que ocupava quando venceu a Youth League de 2018/19. No entanto, Sérgio Conceição tinha outros planos para si — mesmo que a ideia não lhe agradasse por aí além.

Ao contrário dos colegas, João Mário teve de reformular a sua forma de jogar para poder ingressar no 11 portista. À falta de laterais direitos — quer por desconfiança do treinador, quer por não oferecerem garantias, quer por lesão —, o extremo recuou no terreno e foi nesta posição que cimentou o seu lugar. Depois de ganhar tarimba na equipa B, o agora defesa foi lançado em dois jogos — contra Sporting e Sporting de Braga — nos minutos finais em 2019/20. A temporada seguinte, porém, revelar-se-ia mais profícua.

Revezando-se com Wilson Manafá na posição, João Mário teve os seus primeiros momentos na Liga dos Campeões e somou algumas ações importantes — foi dos seus pés que partiu a assistência no empate a uma bola contra o Benfica, no Dragão. Esta época, todavia, foi quando definitivamente ganhou a posição, fazendo 36 jogos, a grande maioria a titular e totalista, mesmo tendo sofrido uma lesão que o afastou por um mês. Sem medo de atacar, foi ele que fez as duas assistências na reviravolta contra a Lázio, e se a defender ainda tem de limar arestas, dadas as suas origens mais ofensivas, aos 22 anos está a tornar-se um lateral com muito para crescer.

Vitinha
créditos: LUSA

Vitinha

Uma das histórias que perdurará desta época é como é que o FC Porto ousou sequer prescindir de Vitinha. Voltando a junho de 2021, o médio de 22 anos foi dado como quase certo em Inglaterra. A acreditar pelas notícias veiculadas, foi o Wolves — onde se encontrava emprestado há um ano — que não quis pagar 20 milhões de euros de euros pelo seu passe. Foi o melhor falhanço que podia ter acontecido aos Dragões.

Outro miúdo vindo de Santo Tirso, Vítor Ferreira fez um percurso similar ao dos seus colegas, progredindo na formação e participando no triunfo da Youth League — se bem que atuando quase sempre como o 12.º jogador, saído do banco. E tal como Diogo Costa, também participou na escalada dos sub-21 que terminou em derrota, mas valeu-lhe um lugar nos melhores do torneio.

Apesar de ser médio de corpo e alma, a capacidade goleadora que evidenciou pela equipa B em 2019/2020 (nove golos, três assistências) despertou a atenção de Conceição, que o chamou a participar em 12 jogos. No entanto, na época seguinte, porque precisava de ganhar minutos competitivos e porque o FC Porto precisava de aliviar o jugo do Fair Play financeiro, foi emprestado ao Wolves. Além da segunda língua do clube ser o português, a oportunidade de jogar ao lado de ex-atletas portistas como Rúben Neves, Diogo Jota e João Moutinho, deixou marca, em particular o último.

Visto como um possível sucessor de Moutinho, Vitinha tem a mesma capacidade de jogar numa posição mais recuada de criador de jogo, como de subir o ritmo e juntar-se ao ataque. Os seus números esta época são altamente enganadores: nas 45 partidas que rubricou, marcou três golos e fez quatro assistências, mas a estatística é por vezes cega. A verdade é que Vítor Ferreira, sempre que está em campo, torna-se no cérebro e no jogador mais influente da equipa. É sem surpresa que tem vindo a acumular prémios de melhor médio e melhor jogador do mês. O seu talento trá-lo-á inúmeras recompensas, mas a primeira chegou há pouco tempo, quando foi chamado por Fernando Santos à seleção.

Fábio Vieira
créditos: ESTELA SILVA/LUSA

Fábio Vieira

Para poupar caracteres ao texto e repetições ao leior, Fábio Vieira tem essencialmente o mesmo currículo de Vitinha, com uma exceção: além de estar entre os 23 escolhidos do Euro sub-21 do ano passado, o médio de 21 anos foi mesmo considerado o melhor jogador do torneio. E é fácil perceber porquê, mas já lá vamos.

Natural de Santa Maria da Feira, Fábio Vieira saltou etapas e começou logo o seu percurso na formação do FC Porto. Na sua subida pelos escalões, causou miséria no campeonato nacional de juniores de 2018/19 — que, aliás, venceu — e mostrou a mesma capacidade de marcar e assistir na equipa B. A precocidade levou-o, com meros 19 anos, a ser chamado por oito vezes por Sérgio Conceição, deixando como cartão de visita dois golos e uma assistência.

De todos os jovens talentos aqui mencionados, Fábio Vieira foi o que mais rapidamente começou a acumular minutos na primeira equipa dos Dragões. Na época passada, fez 29 jogos, mas a experiência foi de choque. Saindo maioritariamente do banco, teve pouco impacto, o que poderia fazer temer um futuro semelhante ao de vários jovens que o precederam. Nada disso.

As dores de crescimento dissiparam-se nesta temporada. Correspondendo ao seu potencial, Fábio Vieira soma seis golos e 13 assistências até à data — é o segundo jogador mais generoso da I Liga, atrás apenas de Rafa Silva, do Benfica, e partilhando a posição com o colega Mehdi Taremi. Mais impressionante ainda, uma análise do Zerozero datada de 22 de março demonstrou que, à época, era um dos jogadores do campeonato com mais participações em golos, apesar de contar com muito menos minutos. Esses, foi conquistando-os com prestações notáveis, em particular porque os seis golos foram maioritariamente conseguidos em jogos duros de desbloquear. Se o seu companheiro Vitinha planeia, Fábio Vieira executa — esta é uma dupla que deverá fazer temer os adversários nos anos vindouros.

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