Lisboa sob investigação, ou porque é que Medina continua a somar casos?
O que aconteceu?
Esta quarta-feira, a Câmara Municipal de Lisboa confirmou que o seu departamento de Urbanismo foi alvo de buscas por parte da Polícia Judiciária.
A nota oficial da autarquia surgiu depois da TVI/CNN Portugal ter noticiado hoje à noite que as autoridades realizaram buscas “suspeitas de corrupção, participação económica em negócio e falsificação”, numa nomeação para “prestação de serviços que foi assinada em 2015”.
Hoje de manhã, em declarações aos jornalistas à margem da inauguração do novo escritório de uma empresa em Lisboa, o atual presidente do município da capital, o social-democrata Carlos Moedas, disse que as buscas realizadas na terça-feira “se referem a mandatos anteriores”, assegurando que a autarquia “vai colaborar obviamente com a justiça”.
Porque é que estamos a falar disso hoje?
Porque em 2015, quem presidia a autarquia era Fernando Medina, agora ministro das Finanças, e foi esta quinta-feira que as implicações do caso começaram a conhecer-se.
Mas o que está em causa?
Segundo o que avançou a TVI, o que motivou a investigação foi a possível “viciação das regras para a contratação de um histórico do PS de Castelo Branco com vista à gestão das obras públicas na capital”.
“O Ministério Público acredita que o objetivo do esquema visou a angariação de dinheiro em obras públicas, com subornos de empreiteiros, para o financiamento ilícito do PS, através dos chamados sacos azuis”, refere a TVI.
“Os alvos, por suspeitas de corrupção, são Joaquim Morão, histórico socialista e ex-autarca de Castelo Branco e de Idanha a Nova, e o seu amigo António Realinho, empresário da mesma zona do país, que até já cumpriu pena de prisão por burla”, adiantou a estação.
Já o jornal Público recordou na edição de hoje que está em causa, conforme noticiou em 2018, a contratação, entre 2015 e 2016, dos serviços de consultadoria de Joaquim Morão, ex-presidente dos municípios de Idanha-a-Nova e Castelo Branco, para apoio técnico na gestão de projetos e obras municipais. O primeiro contrato, de seis meses, foi de 22.550 euros mais IVA, enquanto o segundo, de 17 meses, implicou o pagamento de 73.788 euros mais IVA.
O que diz o Ministério Público?
Que o caso, para já, "não tem arguidos constituídos". A Procuradoria-Geral da República confirmou à agência Lusa “a realização de buscas no âmbito de um inquérito que corre termos no DIAP [Departamento de Investigação e Ação Penal] de Lisboa e que se encontra sujeito a segredo de justiça”.
E os envolvidos, o que dizem?
A primeira reação oficial partiu do próprio Partido Socialista, que rejeitou "categoricamente" ter recebido apoios financeiros ou materiais por parte das empresas em causa, ou seja, “as alegações de financiamentos fora do estrito quadro legal”.
E Fernando Medina, já falou?
Sim, numa conferência de imprensa tensa convocada para a tarde, Medina disse não conhecer o caso e que nunca foi “ouvido nem chamado a prestar qualquer esclarecimento em nenhum processo de natureza judicial dos vários que têm vindo a público".
Além disso, pediu para ser ouvido no processo, considerando-se “o principal interessado em fazê-lo”. No entanto, nas questões materiais do caso, disse que tudo ocorreu de forma legal e que a escolha de Joaquim Morão recaiu no seu profissionalismo.
"A decisão da contratação de Joaquim Morão para a liderança da equipa [de coordenação de várias obras municipais em Lisboa] foi uma decisão minha" sublinhou Medina, dizendo não estar arrependido, considerando que Joaquim Morão "desempenhou um bom trabalho na cidade de Lisboa, na coordenação daquela equipa" e que "só uma equipa muito profissional [como aquele] foi capaz de assegurar que as obras se realizassem com o menor transtorno possível".
Mas porque é que isto é tão importante?
Porque ainda não se passou um ano desde que Fernando Medina é ministro das Finanças e já foi envolvido em vários casos comprometedores, como a potencial contratação de Sérgio Figueiredo para uma posição de assessoria que não existia até então — plano entretanto revertido —, ou a nomeação de Alexandra Reis para Secretária de Estado do Tesouro perante o caso da sua indemnização pela saída da TAP.
Este, porém, ameaça ser mais sério para Medina, pois envolve matéria criminal. Além disso, não é a primeira vez que o departamento de Urbanismo da CML está na mira das autoridades. Abrangendo também o período de governação socialista de Lisboa, em 2021 a PJ avançou com a Operação Olissipus, visando em particular o ex-vereador do Urbanismo Manuel Salgado.
Medina, porém, recusa-se liminarmente a colocar o lugar à disposição nesta fase.
"Tenho as condições da minha consciência, é de quem tem mais de duas décadas de serviço público e tomou dezenas milhares de decisões sempre com plena consciência da defesa do interesse público, da sua correção, legalidade e integridade que coloquei" no exercício político, frisou.
Mais alguma reação?
Sim, Joaquim Morão negou qualquer ilícito e, tal como Medina, disponibilizou-se para colaborar com a investigação. “Aguardo com toda a tranquilidade o normal desenvolvimento de toda a investigação, ciente de que resultará demonstrada a minha total honestidade em todas as funções e atividades a que me tenho dedicado ao longo da vida”, disse.
Além disso, tanto Chega como PSD colocaram em causa a continuidade de Medina à frente das Finanças.
- André Ventura considera que "começa a ser uma constante" o ministro das Finanças estar "no epicentro de investigações criminais", deixando-o numa situação "bastante difícil".
- O líder parlamentar do PSD, Joaquim Miranda Sarmento, adiantou que Medina “não tem autoridade política para ser ministro das Finanças” e para “gerir dinheiros públicos”, argumentando que “nunca sabe de nada”.
Em reação às declarações de Miranda Sarmento, Eurico Brilhante Dias, o líder parlamentar do PS, veio em defesa de Medina, acusando o PSD de “populismo rasteiro” e de alimentar a extrema-direita.
E António Costa?
Do primeiro-ministro, nem uma palavra. O mesmo não se pode dizer de Marcelo Rebelo de Sousa.
O que disse o Presidente da República?
Muito — teve duas intervenções distintas quanto ao caso, mas ambas serviram para dar alguma segurança a Medina.
De manhã, Marcelo sublinhou que de uma investigação até às suas conclusões e consequências "vai uma distância". “O facto de haver qualquer tipo de investigação ou de procedimento ou de indagação sobre alguém é isso apenas, ponto. Deve haver imensas pessoas com responsabilidades públicas aos vários níveis que estão objeto dessa investigação. Daí retirar como consequência de que a investigação chega a uma conclusão e que essa conclusão é de molde a provocar um determinado tipo de atitude vai uma distância”, declarou.
Ao fim do dia, já depois do ministro ter falado, Marcelo elogiou a atitude de se dispor a prestar declarações ao MP. "Eu não gosto de comentar casos concretos, mas direi que em si mesmo a ideia e o gesto de tomar a iniciativa de esclarecer, de se disponibilizar, quem realmente entende que deve ser esclarecida uma matéria de que não tinha conhecimento, mas que suscita o escrutínio público, eu penso que é um bom exemplo", afirmou o chefe de Estado.
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