O dia em que a Ordem dos Médicos respondeu a D. José Ornelas
Não é todos os dias que a Ordem dos Médicos entra em discussões com a Igreja Católica. No entanto, o caso da gémeas brasileiras tratadas no Hospital de Santa Maria, que envolve o Presidente da República, parece ter aberto a discussão entre as duas instituições.
A história começou ontem quando o bispo de Leiria-Fátima, José Ornelas, presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, apresentou a sua mensagem de Natal e comentou o caso em discussão há várias semanas.
“Sou totalmente contra as cunhas, mas cunhas que salvam crianças, não fazem mal a ninguém. Não é por aí que enferma o SNS [Serviço Nacional de Saúde], não é por aí que enferma a corrupção. Antes fosse”, disse o bispo, esta terça-feira.
Afirmou também que gostaria de ver “neste Natal contada a história bonita” do salvamento das duas crianças.
“Da parte dos comentários que tenho ouvido, são poucos os comentadores que têm falado das duas meninas. No Natal, é uma história bonita para contar”, apontou ainda e prosseguiu: “Eu gostava de contá-la assim: havia duas meninas que estavam a ponto de morrer, não tinham salvação. Então, ouviram dizer que havia médicos e havia um tratamento que podia salvá-las. E o que é que eles fizeram? Foram a tudo. No Serviço Nacional de Saúde, marcavam-lhes consulta para daqui a um ano. Mas houve gente que se apressou. Fosse quem fosse, não interessa. Se isso é ser corrupto, aqueles que ajudaram, então eu também quero ser corrupto”.
Sublinhou, também, que “estas meninas desapareceram das notícias para ficar tudo aquilo que foi à volta, como se isso fosse o mais importante”.
Já esta quarta-feira, questionado sobre as afirmações do bispo, o bastonário da Ordem dos Médicos, Carlos Cortes, defendeu que o Serviço Nacional de Saúde tem regras que devem ser respeitadas.
“O nosso Estado de direito felizmente está preparado para atender a todas as situações, para atender situações de vida e de morte, para atender ao bem-estar em termos de saúde da população. (…) O SNS tem regras. Há regras de boas práticas médicas, há regras de conduta ética e deontológica, há regras dos próprios hospitais (…), do meu ponto de vista, têm de ser sempre respeitadas”, assinalou.
Recorde-se que o caso das duas gémeas residentes no Brasil que, entretanto, adquiriram nacionalidade portuguesa e vieram a Portugal receber, em 2020, o medicamento Zolgensma para a atrofia muscular espinhal, com um custo total de quatro milhões de euros, foi divulgado pela TVI, em novembro.
O assunto está a ser investigado pela Procuradoria-Geral da República (PGR), pela Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) e é objeto de uma auditoria interna no Hospital de Santa Maria.
O presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que já entregou documentação à PGR sobre o assunto e confirmou que o seu filho, Nuno Rebelo de Sousa, o contactou sobre a necessidade de tratamento das crianças, negou ter tido qualquer intervenção no processo após o encaminhamento do caso para São Bento.
Neste mesmo tema, também no dia de hoje, soube-se que o PS chumbou a audição no parlamento a Nuno Rebelo de Sousa, Marta Temido e Lacerda Sales, pedidas pela Iniciativa Liberal, bem como a audição dos pais das gémeas, pedida pelo Chega.
Apesar destes chumbos, vão ser ouvidos o atual ministro da Saúde, a pedido do PSD, e o presidente do Infarmed, a pedido do Chega.
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