Em 1765 havia um organista talentoso na capela de Bath. Era um alemão de 27 anos apaixonado pela música e pela matemática. Num dia jamais especificado desse mesmo ano da graça, foi-lhe oferecido um telescópio. Assim que os imprevisíveis céus ingleses lhe concederam uma noite descoberta, juntou a óptica ao conjunto dos seus interesses, pois a quantidade de estrelas que viu e a variedade de cores que o pasmou, encaminharam-no para um achado espantoso.

Já se voltará a este senhor e ao solavanco que causou. O mundo cresceu, e sempre com os sete planetas que se vêem daqui, ora pela alba, ora pelo ocaso. Sete, pois, que a Terra não estava no céu, sete porque Sol e Lua entravam nestas contas desde há milénios, e sete também sempre foi um número místico.

Jamais postos em causa os planetas, poucas vezes posta em causa a sua influência sobre as pessoas, pois que até Kepler, Brahe e Galileu dispuseram o seu saber sob as doutrinas da astrologia. Copérnico, o eclesiástico Copérnico, sempre duvidou dos poderes sobrenaturais dos planetas e dos signos e é óbvio que a história lhe deu razão. Estabeleceu o sistema heliocêntrico, mas enfrentou ferozes críticas da Igreja e dos outros cientistas.

Copérnico e uma nova forma de olhar para as estrelas

Este cónego polaco propôs que algumas irregularidades observadas nos movimentos dos planetas através das constelações se deviam ao facto de a própria Terra se estar a deslocar, e uma vez que as estrelas não mostravam tais caprichos, Copérnico explicou que em vez de estarem um pouco além dos planetas, conforme os astrónomos supunham, estavam tão impressionantemente distantes que o movimento da Terra pouco significava em relação a elas. Vistas da Terra, aparecem como pontos de certos tamanhos ou magnitudes, e a única forma de estarem às distâncias propostas por Copérnico era serem maiores que o Sol. Os outros astrónomos ficaram abesbílicos com a ousadia do padre.

Ao clero agradou a questão de detractar a astrologia: a Igreja nunca apreciou o livre arbítrio, mas reservou aos céus católicos o ascendente único sobre a vida do comum dos mortais. Em contrapartida, não agradou a questão do Sol no lugar da Terra. Tudo se veio a compor um pouco mais tarde.

Mas uma coisa eram as estrelas, outra eram os corpos mais próximos, e estes sete eram absolutamente canónicos. Adiantemo-nos a agora Copérnico e Kepler e regressemos à segunda metade do século XVIII que vivemos no primeiro parágrafo, em Bath.

Independência dos EUA, Revolução Francesa, primórdios da Revolução Industrial, Pedro o Grande na Rússia, Pequena Idade do Gelo que punha neve em Lisboa um par de dias por ano e gelava o Sena e o Tamisa de modo a se poder patinar e fazer feiras, o balão dos Montgolfier, mais uma anexação russa da Crimeia e demais dias da história, dias em que viveram os pais e os avós dos avós dos nossos bisavós. E o tal organista chamado William Herschel.

Recorde-se ainda um pormenor não despiciendo no que se vai revelar: a fotografia ainda tardou até à década de vinte do século XIX, mas Herschel decidiu tirar chapas a partes específicas do céu e compará-las para ver se alguma coisa se mexia. Acrescente-se ainda que foi Herschel quem descobriu a radiação infravermelha, sendo portanto dois pormenores e não um, e que muitos mais se poderiam adicionar à vida espantosa deste homem. Para o fim que temos em vista, vale a pena, e por último, relatar que ao pequeno óculo de 1765 foi juntando uma plêiade de instrumentos. Em 1774 construiu um telescópio com um espelho de um metro e meio de diâmetro e vasculhou os céus sistematicamente.

Um grão de areia no ventre do cosmos

No começo de 1781, reparou numa «estrela» azulada de magnitude 6, que corresponde às estrelas mais ténues que se podem ver numa noite longe da poluição luminosa e sem Lua a atrapalhar. Trata-se efectivamente de um grão de areia no ventre do cosmos. Era um pontinho que se movia devagar e que estava então em Gémeos. Mudando as oculares ao telescópio, que a óptica ensina que com o aumento da ampliação se perde poder de resolução, pois menos luz é recolhida, sendo mais fácil procurar o que quer que seja num aparelho que nos mostre um grande campo. Com sucessivas ampliações, percebeu um contorno no ponto, ausente nas estrelas. Herschel jurou que era um cometa, pois que milénios de sete planetas tornaram inconcebível a descoberta de mais um.

O dia ficou registado na história da ciência como 13 de Março de 1781, mas ainda não era o totalmente novo que veio a ser. A um artigo que publicou a propósito na Royal Society no dia 26 de Abril, Herschel chamou Account of a Comet. Para ele e para todos, era disso que se tratava.

O nome deste músico astrónomo repetiu-se pela Europa, com o «sch» alemão transformado nas grafias dos outros idiomas. Quem era afinal este compositor que ouvia música também dos céus? Tentou-se seguir a órbita acentuadamente elíptica daquele novo cometa, mas não obedecia a nenhum pressuposto. Os meses passaram e a suspeita de se tratar de um novo planeta não foi suscitada muitas vezes. Saturno era o guarda dos limites do Sistema Solar há demasiado tempo, e se marcar novas topografias terrestres era empreitada frequente na altura, nos céus não fazia qualquer sentido.

Mas era um planeta e as confirmações foram chegando, e subitamente o Sistema Solar deu um salto de quase 1500 milhões de quilómetros. A distância de Saturno a Úrano, quando estão os dois alinhados com o Sol e «do mesmo lado», é cerca de 10 vezes maior que a distância da Terra ao Sol. Talvez chegue para comparação.

Da «estrela de Jorge» a Úrano

A questão seguinte teve apenas a ver com o baptismo do planeta. Na comunidade científica quis-se dar-lhe o nome do astrónomo, mas William Herschel nunca achou bem, tendo contraproposto Georgium Sidus, a «estrela de Jorge», homenageando deste modo o rei que lhe patrocinou os trabalhos. Houve ingleses que lhe quiseram chamar Neptuno, engendrando um significado celeste para o grande império de tanta terra e tanto mar, mas surgiu a ideia de Úrano, pai de Saturno e avô de Júpiter, sendo sucessiva a ordenação cronológica familiar.

Já passaram muitos anos desde 1781. Quando a humanidade se julga no apogeu da maioridade, um novo pressuposto abala tudo e exige que se repense o que se pensa. Os grandes teóricos da ciência já nos ensinaram o caminho, e Kuhn e Popper serão sempre incontornáveis, e Descartes, na Parte Sexta do Discurso do Método afirma vigorosamente: «Pela minha parte, se tenho até ao presente encontrado algumas verdades nas ciências (e espero que o conteúdo deste volume possa constituir uma prova), posso afirmar que não são mais que os resultados e as consequências de cinco ou seis dificuldade principais que ultrapassei, e às quais conto por igual número de batalhas em que tive a sorte a meu favor». As contingências farão sempre parte do concreto.

Descartes morreu 88 anos antes de Herschel nascer. Galileu foi contemporâneo de Descartes, mas viveu muito mais que o francês. Nem um nem outro sonharam com Úranos ou Neptunos, e ainda menos com outras galáxias para lá da nossa e que apenas apareceram em 1923 pelo olho de Edwin Hubble, e também a ideia de um Big Bang antes de tudo.

Chegou-se mais depressa a Andrómeda que a Plutão, o que pode ser de pasmar, mas que deixa de o ser quando se estudam ambas as descobertas. No ano passado, a compreensão da galáxia vizinha fez 100 anos, a descoberta de Plutão apenas cumprirá o seu centenário em 2030, mostrando portanto que mesmo com as artes das câmaras fotográficas, encontrar um planeta no céu profundo é muito magna tarefa.

Os dias não se detêm. Costumamos dizer que a tempestade ruge, mas o que corre mais rapidamente que qualquer ciclone é a rotação da Terra. Usamos tempo para a atmosfera e para a cronologia, tal como os outros latinos, provavelmente num uso da antiguidade que fazia corresponder ao tempo, o tempo que fazia numa parte do ano e está explicado pelos filólogos. Em bom português costumamos dizer «Depressa vai o tempo que depressa vem».

No fim de contas, o tempo, que toma conta das conversas, é o que nos mede, e bem sabemos que precisamos de esquadria.