A Internet está um caos e Ev Williams é o homem que a vai salvar? Laurie Segall, jornalista da CNN, começou assim a conversa que encerrou a edição de 2018 da Web Summit na Altice Arena, perante uma sala não tão cheia quanto no ano passado com Al Gore, mas não menos interessada. O tema não era para menos: podemos salvar a indústria dos media de si própria?

Para começar, para quem acompanha menos os temas de tecnologia e media, quem é Ev Williams? É um americano, de 46 anos, programador de profissão, e co-criador de três projetos que mudaram a face da Internet. A saber, Blogger, Twitter e Medium, o seu atual projeto. Foi sobretudo do Medium que se falou, uma plataforma lançada em 2012 que junta histórias de pessoas de diferentes origens e que privilegia a qualidade do conteúdo e a diversidade dos temas propostos. Entre outras coisas, como já iremos falar. Uma plataforma que, ainda que também reunindo conteúdos de jornalistas e meios de comunicação social, pode ser vista como uma alternativa ao jornalismo como o conhecemos durante mais de 100 anos. O mesmo jornalismo a que muitos hoje vaticinam a extinção.

Mas não contem com Ev Williams para fazer parte desse coro. Ele acredita que há futuro para os media e para o jornalismo e que nada do que hoje assistimos, nomeadamente em função da tecnologia, é definitivo. Tal como não acredita que a tecnologia não consiga produzir soluções para os problemas que criou ou ajudou a criar. Ainda assim, começou a sua intervenção por responder à provocação de Laurie Segall dizendo que não, não era ele que iria salvar a Internet.

Mas, se acredita que nada é definitivo, mas que o jornalismo enfrenta sérios problemas, afinal o que é preciso para salvar os media? “Criámos um mundo em que a atenção é recompensada e não a qualidade nem a forma como as pessoas se sentem por consumir um determinado conteúdo”, afirmou. Para o fundador do Medium, um dos principais problemas está precisamente nas métricas que suportam o atual modelo de negócio do jornalismo. “Não medimos como as pessoas se sentem, se estão a entender conteúdo, se faz o mundo melhor. Perguntamos quantos likes, porque o sistema remunera dessa forma a atenção”.

Mas não é um fim de linha, apenas uma etapa, defende. “Há 15 anos, quando olhávamos para a televisão, os reality shows eram uma pandemia e muita gente dizia 'é o que temos e as pessoas gostam’”, recorda. Hoje, afirma, há mais qualidade em televisão “porque mudou o modelo de negócio”. Só que esse movimento ainda não chegou aos conteúdos digitais, palco principal da maior parte dos meios de comunicação social numa era onde estamos ligados quase permanentemente. “Estamos na fase de reality tv na Internet”.

Mas, tal como na televisão, não acaba aqui. Ev Williams acredita no modelo de subscrição - que o Medium iniciou em maio de 2016 - e em paywalls, conteúdo a que só acedemos mediante pagamento de uma assinatura ou, dependendo dos casos, à peça. Algo que em televisão se traduz em modelos como o Netflix ou na música com o Spotify. “É o que faz sentido para termos melhores experiências com o conteúdo. Premium information versus junk information [informação de qualidade versos lixo]”.

Mas não chega para mudar as regras do jogo. É preciso olhar para o modelo de negócio e isso passa por envolver as empresas de media, os anunciantes, as tecnológicas que distribuem conteúdo. “Temos métricas superficiais, como pageviews e CTR [percentagem de cliques num conteúdo por mil impressões de página de internet]. É preciso olhar mais, por exemplo, ao tempo que as pessoas passam num determinado conteúdo. O que temos são métricas baseadas no consumo e não na qualidade”. O que, na opinião de Ev Williams, passa também por envolver os consumidores de media na discussão do modelo de negócio, nomeadamente na opção por subscrição face ao modelo suportado por publicidade: “Se o modelo é publicidade, quem lê não tem de se sentir bem com o que consome, mas se paga tem”.

A crítica ao modelo existente, que premeia número de seguidores ou de “likes” mas não avalia a qualidade do conteúdo, foi a deixa perfeita para a jornalista da CNN introduzir um tema difícil - o papel de Ev Williams enquanto um dos fundadores do Twitter, uma das redes que mais tem estado em foco na discussão sobre o papel - ou a ausência dele - dos media. Twitter, recorde-se, tem sido o canal privilegiado por alguns políticos - Donald Trump será o caso mais evidente - para prescindir de jornalistas e dos media para falar com o “seu” público, ficando livre de ter de comprovar factos e sendo suportado nas convicções individuais de quem escreve e no número de pessoas que seguem esse autor.

E o que Segall perguntou a Williams foi o que considerava ter sido o seu maior erro no Twitter, enquanto criador de uma tecnologia que permitiu esta mudança na forma de consumo e distribuição de informação. Williams não se escusou à resposta, mesmo que alertando que era “co-criador” e que não teria todos os créditos do que correu mal. O que não o impede de considerar que a criação do conceito de “seguidores” no Twitter - um conceito diferente dos “amigos” no Facebook, olhados numa primeira etapa como família e amigos reais - foi um erro “porque tornou claro que a popularidade era o objetivo”.

Mas, usando a expressão de  Stephanie McMahon na conversa que teve no mesmo palco na terça-feira e também sobre avaliações à posteriori de determinadas decisões, isto é, usando uma imagem muito americana, ser “quarterback de segunda-feira”. O que está feito está feito - e agora trata-se de olhar em frente. E olhando para o futuro, Ev Williams não deixa de estar otimista: “os problemas que a tecnologia trouxe continuam a poder ser resolvidos pela tecnologia”. Nomeadamente aquele que considera ser o maior problema da atualidade, o facto de a tecnologia ter tornado os ricos mais ricos.