Nesta era tecnológica, há uma extraordinária corrida pelas criptomoedas, que continuam a atrair um número crescente de novos investidores, “encantados” com a possibilidade de lucros rápidos e elevados.

Segundo o relatório “Deloitte’s 2021 Global Blockchain Survey”, o sistema financeiro está a ser fortemente abalado devido à evolução dos ativos digitais em blockchain – o protocolo tecnológico fundamental para tornar as transações com criptoativos uma realidade. Cerca de 75 % dos executivos da indústria financeira acreditam que estes ativos serão uma forte alternativa (ou levarão mesmo à substituição de moedas fiduciárias), como o euro ou o dólar, nos próximos 5 a 10 anos.

Tudo isto começou com a Bitcoin, uma moeda digital livre do controlo de qualquer governo e que dispensa a intervenção de bancos, já que as transações são geridas por uma rede descentralizada de utilizadores. Por trás do desenvolvimento da criptomoeda mais famosa do mercado está Satoshi Nakamoto, cuja identidade é até hoje desconhecida.

“A coisa que me entusiasmou muito na Bitcoin é que representava liberdade”, afirmou, no palco central da Web Summit, Tim Draper, investidor e fundador da Draper Associates, numa conversa sobre moedas digitais, e como estas se vão tornar uma “normalidade”, num painel que contou com Kathleen Breitman, cofundadora da Tezos, e Pascal Gauthier, CEO da Ledger, e moderado por Simon Robinson, editor global da Reuters.

Tim Draper afirma que viu desde o primeiro momento o potencial da Bitcoin: “A ideia de que se pode usar esta moeda em qualquer parte do mundo, que é descentralizada, que nenhum sistema de controlo centralizado a imprimirá em demasia ou mexerá com ela e com a forma como opera... E haver um terceiro partido de confiança completamente em software, que não precisávamos de pagar aos bancos ou ao governo que apoia ou regulamenta os bancos”, enunciou. No entanto, alerta que “muitos políticos estão nervosos que o seu ‘poder’ esteja a ser diminuído pela liberdade criada por todas estas moedas”.

Por isso, apesar de ser totalmente digital, a disponibilidade da moeda é finita, ou seja, há uma quantidade máxima que pode ser gerada (ou minada). O limite são 21 milhões de Bitcoins, um valor definido de base no código da criptomoeda pelo seu criador (ou criadores). Assim, pode considerar-se um ativo à prova da inflação, já que não podem ser emitidas mais Bitcoins, evitando a sua desvalorização. Desta forma, a última Bitcoin será minerada em 2100.

As Bitcoins são criadas automaticamente quando os computadores dos utilizadores da sua blockchain executam a sua mineração. A esta moeda sucederam-se outras moedas digitais, algumas com disponibilidade infinita, como é o caso da Ethereum (ETHBTC).

O multimilionário vai mais longe e afirma que, para si, a criptomoeda “é uma epifania” e que não se trata apenas de uma nova moeda, que não é só uma moeda global, mas sim “um salto antropológico" e justifica-o dizendo: “vamos ter uma moeda que pode ser usada em qualquer parte do mundo e que vai tornar as fronteiras geográficas cada vez menos importantes”.

Kathleen Breitman, cofundadora da Tezos, também sugere que a criptomoeda vai dominar o futuro.

A Tezos é uma rede de blockchain descentralizada e de código aberto, cuja criptomoeda nativa é o tez (XTZ). Esta criptomoeda destaca-se por ter sido pensada para evoluir, ser atualizável e para durar ao longo do tempo – é a primeira criptomoeda a mostrar a evolução dos tokens e a sua plataforma foi construída para ter uma governança e participação da comunidade, que têm o poder de propor e aprovar emendas à moeda.

“A Tezos é uma plataforma semelhante à Bitcoin e Ethereum em muitos aspetos, mas com uma grande diferença que é: a Tezos pode atualizar-se sem problemas com base no voto dos 'stakeholders’. A ideia por trás disso é fazer com que seja ‘à prova de futuro’, o que leva a uma atualização técnica constante e a nossa crença é que o dinheiro prospera com a evolução da rede. Por isso, quanto mais pessoas utilizarem a criptomoeda, mais provável será que se venha a tornar uma cripto dominante”.

As criptomoedas são protegidas por um sistema de criptografia com duas "chaves": uma chave pública – um endereço pessoal exclusivo, que todos os participantes da rede podem visualizar – e outra privada – algo semelhante ao código PIN do seu cartão bancário, que apenas o próprio deve saber e guardar em local seguro. No entanto, a segurança dos sistemas é um tema que tem levantado algumas preocupações. Fala-se na blockchain como sendo uma tecnologia muito segura, porém já houve ataques.

“Começou-se por dizer que a blockchain é segura e isso dá ao utilizador uma falsa sensação de segurança, uma vez que entrar e sair da blockchain não é seguro por natureza. É aqui que tem de assinar com a sua chave privada e provar que é o proprietário de uma moeda e é aqui que o ataque pode a acontecer”, explica Pascal Gauthier, CEO da Ledger, empresa que desenvolveu um hardware de carteiras de criptomoeda, uma solução segura para guardar os seus criptoativos.

“Antes das criptomoedas, confiava ao seu banco, um terceiro interveniente, o seu dinheiro e a segurança desse valor era problema deles e das seguradoras. Assim que passamos para a criptomoeda, a segurança torna-se um problema do dono do dinheiro, que tem de esquecer tudo o que aprendeu sobre segurança e aprender de novo mas aplicada à criptomoeda”, acrescenta.

Por isso, a Ledger tem centros de formação para ensinar aos utilizadores sobre as particularidades destas moedas e da sua segurança.

Pascal relembra que há duas coisas a acontecer: o valor da criptomoeda tende a aumentar e, ao mesmo tempo, há questões de cibersegurança que também estão a aumentar, independentemente da moeda. No entanto, salienta que é quando “estes dois fenómenos se cruzam que algo terrível pode acontecer, porque se mudarmos o valor do mundo para uma blockchain e não lidarmos com a segurança, para os hackers será um regozijo”.

Criptomoedas e o “braço de ferro” com a China

Os problemas da criptomoeda não ficam por aqui. A China, por exemplo, passou a considerar ilegal a transação de criptomoedas, algo que a Kathleen Breitman, cofundadora da Tezos, considerou como “um grande apoio à Bitcoin na sua missão”, por estar a chamar a atenção dos governos globais que estão a tentar bani-la. Na sua opinião, significa que, "provavelmente, estão a fazer algo correto”, no sentido de “dar poder às pessoas. Se um ator vê isso como uma ameaça, é uma tremenda validação”. Acrescenta ainda que este é “um bom teste, já que é suposto a Bitcoin ser resistente à censura”.

Pascal Gauthier também desvalorizou esta ilegalização, dizendo que não se deve “olhar demasiado para a China”, por considerar que não é propriamente “um farol para o mundo livre”. "Devemos concentrar-nos no que fazemos para que as economias livres em crescimento tenham livre acesso ao mercado de que falamos — e a China é exatamente aquilo que não devemos fazer”, acrescenta.

Já Draper não foi tão comedido nas palavras ao comentar esta proibição e disse que tal era “simplesmente estúpido”, justificando que se trata de uma tentativa de controlar tudo e todos, equivalente a “em 1999 um governo ter proibido a internet”. O investidor salienta também que este “autoengrandecimento” sacrifica milhares de milhões de potenciais investidores “que agora veem as suas asas cortadas”.

Criptomoeda é um investimento?

Quando pensamos em criptomoeda puramente como investimento e olhamos para o enorme crescimento registado em 2021, percebemos já não se tratar de algo exclusivo do "mundo da “internet”.

Segundo Nicolas Cary, fundador da blockchain.com, que participou num outro painel, "The next era of cryptocurrency", hoje em dia, “colocar dinheiro em contas poupança, é perder poder de compra de dia para dia”, e a solução pode passar por "investir em algumas criptomoedas”. Segundo o investidor, já existem vários pontos estáveis, sem necessidade de se expor tanto a algo mais "volátil" e que há vários produtos que podem valer a pena explorar.

Cary sugere ainda que, para quem começa a investir e não quer correr tantos riscos com a volatilidade das criptomoedas, há investimentos sofisticados e acesso a criptomoedas com uma maior gestão de risco no portfolio, em que as margens são geridas por forma a minimizar os riscos, como as stablecoins, também conhecidas como moedas estáveis. Estas são criptomoedas vinculadas a um ativo estável e podem ser associadas a uma moeda fiduciária ou a metais preciosos, por exemplo.

O empresário avisou, no entanto, possíveis investidores para não “investirem [em criptoativos], só porque os amigos o estão a fazer”, alertando para a necessidade de compreender a relevância da criptomoeda e de analisar aquelas que verdadeiramente merecem o investimento.

Assim, antes de investir, o fundamental é pesquisar, porque existe uma razão pela qual alguns destes ativos são tão valiosos e existem há mais tempo. Segundo Cary, isto acontece porque “têm uma grande quantidade de developers, membros da comunidade e empresas que estão a desenvolver ferramentas com o objetivo de torná-los mais relevantes e úteis” – e dá o exemplo da Bitcoin e da Ethereum, que têm grandes comunidades que apoiam os projetos dos ‘mineiros’.

Mas há muitos desafios no futuro das criptomoedas e um deles, aponta Cary, será a confusão do consumidor, com muitas pessoas a questionarem-se sobre a credibilidade de algumas ‘moedas’ e projetos, já que, atualmente, “há tantos projetos em desenvolvimento que pode ser difícil perceber inicialmente se os tokens são viáveis ou não”.

Cary deixa ainda a previsão de que, provavelmente, “até 2030, cerca de três mil milhões de pessoas estarão a usar criptomoedas todos os dias nas suas vidas. Mais surpreendente: até ao final deste ano metade dos bilionários do mundo serão bilionários graças às criptomoedas e vão usar esse dinheiro para construir coisas, vão investir em projetos e vão financiar novas iniciativas. Por tudo isto, estou entusiasmado com o futuro”.

Pagar coisas com Bitcoin de forma generalizada? Um "evento cataclísmico"

Tim Draper conta que, um dia, entrou num barbeiro e perguntou se aceitavam o pagamento em Bitcoin, e a resposta foi “afirmativa”. No entanto, este não se quis desfazer do seu investimento para assegurar o pagamento.

“O momento que vai ser um verdadeiro ‘evento cataclísmico’, é o momento em que for possível comprar comida, roupas e pagar a habitação, tudo em Bitcoin. Aí não há razão para eu voltar a usar a moeda fiduciária, porque está à mercê de todas estas forças políticas e sistemas governamentais e normalmente inflaciona para que o seu valor diminua. Na Bitcoin existem apenas 21 milhões e isso é tudo o que alguma vez existirá”, remata o investidor.

Pode dizer-se que a moeda estará amadurecida quando for utilizada de forma global. Em El Salvador, por exemplo, a criptomoeda foi totalmente adotada e é este futuro que se espera: “uma moeda descentralizada, mas acessível e utilizada por todos”.

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