É ambicioso, e Miles Jacobson, diretor da Sports Interactive, assume-o: “pelo que eu sei, esta é a primeira vez que um computador tenta prever o futuro de um país”.
A nova edição do jogo de simulação de futebol, Football Manager 2017, sai dia 4 de novembro e choca diretamente com o tema que ‘faz tremer’ toda a política europeia: o Brexit.
Enquanto o resto do mundo especula sobre como será o futuro do Reino Unido depois de Theresa May ativar o Artigo 50 do Tratado de Lisboa, Jacobson e a sua equipa construíram uma realidade que simula os efeitos que a saída da União Europeia pode ter no futebol britânico. E tudo o que pode acontecer no jogo é possível.
O mundo fora do futebol não costuma interferir com a realidade virtual do Football Manager - já o contrário não se pode dizer, uma vez que o simulador de futebol tornou-se a base de scouting de muitos clubes -, mas isto “era algo que tínhamos de refletir no jogo”, contou Jacobson ao The Telegraph. “Criámos um grupo de pesquisa e começámos a discutir as várias formas que tínhamos de colocar tudo isto no jogo”.
Falou-se com gente do futebol e com gente da política, o objetivo era que o cenário fosse realmente possível e mutável. Com recurso a ferramentas como a inteligência artificial, e baseado em algoritmos, o mundo dentro de cada save - jogo em modo carreira - do Football Manager, está em constante mudança. Tudo dependerá de como, na realidade virtual, as negociações decorrerem.
“Nós sabemos que o Artigo 50 vai ser invocado antes do final do mês de março, mas não sabemos quanto tempo as negociações irão durar. Podem durar até dois anos. Há previsões de que se não for alcançado um acordo, as negociações podem ser adiadas ou cair por terra, e assim, acontecerem eleições durante esse tempo”, diz o homem à frente da produtora do jogo.
A ideia original era criar um só cenário, mas Jacobson voltou atrás. “Não podemos tirar uma conclusão até as negociações estarem completas”, pelo que, “como resultado disso, decidimos ir por outro caminho”.
Três cenários
Assim, nasceram três cenários. Inicialmente, no jogo, os jogadores são informados de que o processo de negociação será iniciado. Depois, mais tarde, sairá uma notícia que dará conta do resultado final, em detalhe.
O primeiro cenário é o “Soft Brexit”, em que tudo se mantém, uma vez que a livre transição de pessoas não é afetada.
Num segundo cenário, intermédio, é garantido um regime especial de exceção, que é atualmente dado a alguns entertainers no Reino Unido, e que permite obter um visto de trabalho de uma forma mais simples. Esta realidade não terá, também, um grande impacto no jogo.
O terceiro e último cenário altera o jogo por completo. Apelidado de “Hard Brexit”, esta realidade resulta na aplicação de regras aos jogadores não britânicos idênticas às que hoje se aplicam aos que não provém da União Europeia.
“O visto de trabalho para jogadores não britânicos poderá ser o mesmo que é hoje usado para jogadores não europeus”, afirma Jacobson. Este visto pode ser obtido com mais facilidades através de vários fatores como o facto de o jogador estar entre os 25 mais bem pagos do clube ou da liga, do valor da transferência e ou se joga ou não pela sua seleção nacional.
Fazendo já um salto para o futuro, Jacobson dá o exemplo: “se nós já tivéssemos estas regras atualmente, jogadores como N’Golo Kante e Dimitri Payet não conseguiriam obter visto de trabalho que lhes permitisse jogar na Premier League.”
Para além disso, há outra possibilidade que pode vir a surgir: adotar um sistema idêntico ao italiano, que abre alguns lugares no plantel especificamente para jogadores fora da UE - no caso inglês, para jogadores não britânicos -, mas, ainda assim, esse número pode vir a ser de apenas 4 jogadores.
Tal possibilidade teria consequências que mudariam por completo o futebol daquela que é considerada a melhor liga do mundo.
“Se tu só puderes ter quatro jogadores não britânicos por equipa, o jogo torna-se muito mais difícil. De um momento para o outro, os melhor jogadores do Championship (segundo escalão inglês) iriam para a Premier League para preencher as ‘fileiras nacionais’. A qualidade média de uma equipa pode descer e isso pode levar a que o dinheiro proveniente dos direitos televisivos caia drasticamente”, analisa Jacobson.
Mas isto não fica por aqui. Os valores das transferências também serão afetados. “Os jogadores estrangeiros vão valer mais para os clubes britânicos, para preencher as quatro vagas, e os melhores jogadores britânicos vão subir muito de valor para os clubes estrangeiros”.
O Football Manager 2017 promete, assim, entrelaçar-se cada vez mais no mundo real. A possibilidade de ocorrer um referendo para independência da Escócia e da Irlanda do Norte é um cenário possível, e fará com que os jogadores destes países necessitem de um visto para se transferirem para clubes do Reino Unido, como se fossem de qualquer outro país.
Desde que foi criado, o jogo tornou-se uma realidade paralela não só para os que o jogam, mas também para clubes de futebol, treinadores e jogadores. Contudo, o nível de detalhe desta edição leva o jogo para outro nível, cruzando-o com uma das maiores preocupações da realidade europeia e mundial.
O Brexit vai cruzar-se com o futebol. É inevitável, assim como é inevitável que se fale sobre isso. Jacobson antecipa-se, e confessa ser um fã da Premier League tal como ela é, resumindo tudo de uma forma simples: “do ponto de vista britânico, tal futuro pode ser positivo. Do ponto de vista da seleção inglesa pode ser positivo. Mas de um ponto de vista global não é algo bom que possa acontecer ao futebol neste país”, concluiu.
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