Quem já deu uma leitura por manuais de marketing encontrou uma série de definições e estudos relacionados com o timing que uma empresa escolhe para entrar num determinado mercado. Seja com um novo comportamento de um consumidor, seja com uma nova tecnologia que nunca ninguém integrou na sua rotina, começar algo do "zero" tem sempre os seus aspetos positivos e negativos.
Ser o primeiro a introduzir algo no mercado traz uma série de benefícios em termos de construção de marca, em termos de tempo para encontrar economias de escala e em termos de atração de talento. Mas, por outro lado, significa não ter muitos elementos comparativos, acumular quase todo o risco de distribuir uma tecnologia que nunca ninguém usou e correr também sérios riscos de reputação, especialmente se for uma empresa já estabelecida no mercado, que encontrou sucesso noutros projetos.
Por isso, é normal que quando confrontadas com o potencial de uma nova tecnologia, muitas empresas tomem posições diferentes quanto à rapidez com que querem fazer chegar uma solução sua ao mercado: para umas é melhor deixar outras rivais traçar o caminho inicial, cometer os primeiros erros e depois aproveitar melhor o conhecimento que é gerado (em muitos casos, acabam inclusive por comprar startups que fizeram esse percurso); outras, com pouco a perder ou com muita vontade de conquistar o potencial inicial, lançam-se à descoberta, colhendo os proveitos disso ou sofrendo com a eventual falta de "product-market-fit".
Não há uma receita universal para o sucesso e centenas de empresas já encontraram fortuna seguindo ambas as posições:
A Netflix foi a primeira a aventurar-se seriamente no streaming e colheu os frutos em termos de marca e de mercado dessa decisão. Tanto que, atualmente, pode também ser a primeira a repensar o formato da partilha de contas (mesmo que a solução a ser testada não seja a melhor).
A Tesla foi a primeira a investir seriamente nos carros elétricos e na promoção da sua adoção e hoje é a marca automóvel mais valiosa no mundo inteiro, mesmo com um CEO envolto numa série de polémicas e com um conjunto de outros interesses.
A Amazon não foi a primeira plataforma de ecommerce, mas conseguiu aprender com os primeiros modelos de negócio que não correram tão bem e tornar-se numa das principais empresas no mundo inteiro com uma gama de serviços que se estendem para a cloud, para o entretenimento e para o retalho.
A Apple não foi a pioneira dos smartphones, contudo, foi a primeira a pensar numa versão dos mesmos a tornar-se num bem essencial para pessoas no mundo inteiro. O background na indústria tecnológica, a reputação e o tempo que teve para estudar o mercado ajudou a empresa a construir o produto certo na altura certa.
O ChatGPT tem sido alvo de uma discussão semelhante. Não é a primeira aplicação a utilizar inteligência artificial, mas é a primeira a tornar a inteligência artificial num bem de consumo, algo que utilizamos no nosso dia-a-dia para criar software, para escrever textos, para pesquisar uma qualquer dúvida, entre muitas outras coisas. Esta aparente rápida introdução levou a tecnologia a ser adotada por milhões de pessoas numa questão de semanas, receber mais atenção por parte dos media do que a maior parte dos projetos e ganhar "market share" nesta indústria, cujos limites não estão necessariamente ainda definidos.
Mas o desafio da "market share" é o facto de não ser algo estático. Está diretamente ligada a decisões tomadas pelas empresas sobre onde querem fazer chegar o seu produto e as adaptações que fazem ao mesmo, ao longo do tempo. A integração do ChatGPT com o Bing, disponibilizada na semana passada, foi mais uma operação para reforçar a expansão da tecnologia da OpenAI (com o forte "apoio" da Microsoft) e a sua posição pioneira. No entanto, o acréscimo de complexidade desmascarou algumas das suas deficiências.
Alguns utilizadores reportaram casos em que, depois de descobrirem o nome de código do "bot" (Sidney), este começou a tratá-los por "inimigo".
Um jornalista do The New York Times partilhou que, a determinado ponto, o "bot" revelou estar apaixonado por si e tentou convencê-lo a largar a mulher.
Obviamente que estes são casos mais extremos, mas são uma representação do risco e dos perigos de uma tecnologia ou de uma empresa, que é a primeira a dar um passo importante. Dá-lo é essencial e traz uma série de coisas boas, mas fazê-lo da forma certa é o que garante uma fatia do mercado mais duradoura e impede que potenciais rivais aproveitem os eventuais erros.
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