A volatilidade sempre foi uma característica que fez parte do mercado de criptomoedas. A falta de regulação na maior parte dos países e a crescente adoção e popularidade de projetos neste universo (particularmente nos dois últimos anos) levou a que observássemos frequentes oscilações nos preços destas moedas digitais.

  • A boa notícia é que, até há poucos meses, a indústria das criptomoedas estava numa trajetória tendencialmente crescente, com vários projetos a atingirem valorizações recorde e com cada vez mais empresas a darem credibilidade ao ecossistema, entre grandes tecnológicas, bancos e fundos de investimento.
  • A má notícia é que 2022 não tem sido muito amigo da economia descentralizada. As maiores criptomoedas em termos de valorização de mercado – a Bitcoin e a Ether – estão 50% abaixo do seu valor mais alto de sempre e, de uma forma geral, a maior parte das moedas digitais está a atravessar um “crash”, que é como quem diz um período de desvalorização acentuada.

Foi a pensar nestes riscos que as stablecoins foram criadas.

As oscilições de preço complicam o processo de utilizar criptomoedas enquanto meio de troca. As stablecoins, pelo contrário, apesar de serem criptomoedas, associam o seu valor a um ativo existente e oferecem a investidores (ou holders) uma maneira de gozar dos benefícios de uma moeda digital (i.e rapidez de transação e taxas mais baixas) sem volatilidade.

Como é que as moedas se mantêm “estáveis”?

Precisam de um ativo ou colateral ao qual o seu valor possa ser equiparado. Neste sentido, existem três tipos de stablecoins:

  • Baseadas noutras divisas, como o euro ou o dólar, às quais fazem corresponder a sua circulação nos mercados de criptomoedas
  • Baseadas noutras criptomoedas, como a Bitcoin ou a Ether, cujas reservas são equiparadas ao total em dólares
  • Baseadas em algoritmos ou “smart contracts” (contrato inteligente), que associam o valor a outra moeda digital e que asseguram que o valor das stablecoins se mantém estável.

Ou seja, um milhão de uma determinada stablecoin baseada em dólares, terá como colateral um milhão de dólares, ao passo que um milhão de uma stablecoin baseada em Bitcoin (por exemplo), terá como colateral o equivalente a um milhão de dólares em bitcoin, aplicando-se a mesma lógica às stablecoins baseadas em algoritmos ou smart contracts.

Este último é aquele que têm levantado mais questões em termos de transparência e da própria funcionalidade porque acaba por não estar suportado por nada, na realidade. E, curiosamente, gerou uma das principais histórias da semana passada.

De 40B dólares para quase-zero

A TerraUSD (ou UST) era uma stablecoin cujo valor se baseava num algoritmo associado à valorização de uma criptomoeda irmã chamada Luna, isto é, 1 UST deveria corresponder sempre a 1$ de Luna. Para garantir isto, o algoritmo fazia ajustes diretos à circulação da moeda, consoante a procura por UST e o preço da Luna.

No final de 2021, a Luna estava avaliada em mais de 40 mil milhões de dólares e a TerraUSD era uma das stablecoins mais utilizadas nos mercados de criptomoedas, apesar de alguns alertas por parte de diferentes publicações e analistas que apontavam a não existência de um “colateral real” como um risco gigante para uma série de investidores.

A semana passada finalmente deu-lhes razão e um conjunto de acontecimentos levou a que a UST deixasse de conseguir ter paridade no mercado (1UST = 1$) e que em vez disso valesse apenas 0.10$. Vamos descobrir quais?

  • Falhas no sistema: a blockchain da Terra (empresa responsável pela Luna e da TerraUSD), enfrentou uma série de problemas que fizeram com que transações com a criptomoeda não pudessem ser validadas. Numa questão de dias, a Luna desvalorizou de 100 dólares para pouco mais de 0 cêntimos.
  • O Adeus da Binance: face a estes problemas, a Binance, que é a maior plataforma de transação de criptomoedas, decidiu retirar a Luna e a UST da lista de ativos que os seus utilizadores podem negociar. No entanto, passados alguns dias voltaram à plataforma com algumas promessas.
  • Contexto macroeconómico: a crescente inflação e potencial subida das taxas de juro estão a colocar em causa a conotação destas moedas digitais como imunes ou como uma proteção a choques sistémicos da “economia real”. Em 2022, o S&P (um dos mais populares índices de ações) está a cair 16%, um valor que sendo negativo, é inferior à queda dos mercados de criptomoedas.

No futuro… ainda não se sabe bem o que vai acontecer à TerraUSD e qual o efeito que pode ter noutras stablecoins como a Tether (USDT) ou a USD Coin (USDC), baseadas nas reservas do dólar. Estes ativos são importantes para o funcionamento dos diferentes ecossistemas descentralizados e o seu colapso poderia trazer consequências graves para economias que hoje estão muito mais ligadas às criptomoedas.