João Micaelo era um emigrante português que saiu de Cabeço de Vide, em Portalegre, para Berna, na Suíça, onde se tornou no melhor amigo de adolescência de Kim Jong-Un, conta a reportagem da versão portuguesa do Luxemburger Wort.
Tudo começou nas aulas do 6.º ano. João mal falava a língua, o que resultou em dificuldades de integração. Sentado na última carteira do fundo da sala, era o único com um lugar vago ao seu lado. Quando um novo aluno, Un-Pak, chegou à sua turma, vindo da Coreia do Norte, mandaram-no ocupar esse lugar.
Un-Pak e João Micaelo começavam assim uma amizade improvável. Além da ‘carteira’ na sala de aula e os trabalhos de casa, começaram a partilhar também os seus tempos livres.
Depois das aulas dirigiam-se a casa de um ou de outro e muitas vezes ficavam para jantar. A família de Un-Pak vivia num prédio de seis apartamentos, onde João Micaelo ia para jogar Sega. Só ali se sabia a verdade: Un-Pak era na verdade Kim Jong-Un, filho de Kim Jong-il – ditador da Coreia do Norte. No entanto, longe da embaixada da Coreia do Norte, julgavam-no o filho do embaixador do país.
O português descreve o amigo como “fanático por basquetebol”, sempre vestido com fatos de treino da Nike e uns Air Jordan nos pés. Nos dias mais solarengos, os dois saíam e passavam horas a jogar num campo perto das residências.
Aos 13 anos, fumaram às escondidas o primeiro cigarro e, durante três anos, partilharam a mesma ‘carteira’ na sala de aula. João ajudava-o com o alemão e ele ajudava-o na matemática. Foi já em adultos que se reencontraram em Pyongyang e à mesa voltaram a reacender um cigarro, depois de Kim Jung-un ter partilhado a história do seu primeiro cigarro com a sua comitiva.
No fim do 9.º ano, Un-Pak confidenciou-lhe a verdade: que era filho do ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-il, algo que Micaelo desvalorizou, julgando que estaria a ser alvo de uma brincadeira. Depois de fazer a revelação, Un-Pak não voltou à escola, tinha “evaporado”. Só passados três meses voltou a dar sinal, ligou a João e pediu que se encontrassem. Foi aí que revelou que ia estudar para a Academia Militar.
Os dois seguiram os passos dos seus progenitores: Kim Jong-Un assumiu o lugar do pai e tornou-se o terceiro líder da dinastia que governa a Coreia do Norte, enquanto João Micaelo seguiu o seu percurso numa escola gastronómica Suíça para se tornar cozinheiro, tal como seu pai. Aprendeu durante três anos, trabalhou num restaurante com duas estrelas Michelin, tornou-se chef executivo de uma empresa de cruzeiros e trabalhou anos num restaurante em Viena.
Só em 2010, João Micaelo viria a perceber que, afinal, Un-Pak era mesmo filho de Kim-Jong-il. Quando foi apontado pela escola onde ambos tinham estudado como o "melhor amigo de Kim Jong-Un", jornalistas de vários meios asiáticos dirigiram-se à Áustria para pedir a Micaelo que partilhasse as suas memórias. Seguiu-se a CNN e muitos outros.
Em julho de 2012, três homens entraram no restaurante onde trabalhava para o convidar, em nome de Kim Jong-Un, para jantar na noite seguinte em Pyongyang. Assim foi, no dia seguinte partiu para Pequim, num voo em primeira classe. Depois viajou para Pyongyang, onde o esperava uma limusine.
Num jantar para oito, na Residência 55 – ou palácio de Ryongson que é a residência oficial do presidente da Coreia do Norte –, marcaram presença os dois amigos, que se abraçaram no reencontro, a esposa de Kim Jong-Un, os tios do líder e os antigos embaixadores em Berna, que Micaelo julgava serem seus pais.
No dia seguinte, depois de um almoço, Micaelo regressou à Áustria, para só se reencontrar com o "velho amigo" em abril do ano seguinte, numa visita que durou uma semana.
Na segunda visita ao palácio de Ryongson, Micaelo tinha uns calções e uma camisola à sua espera. “Um contra um” para voltarem a encestar umas bolas, foi o que líder norte-coreano propôs e assim aconteceu. Durante essa semana, o português teve a possibilidade de conhecer o país, fazendo-se sempre acompanhar da comitiva – seguranças, tradutores e cozinheiros.
Desde então não se voltaram a ver. Micaelo regressou ao bairro de infância, em Berna, casou e teve um filho, que partilha o dia de aniversário com Kim Yong-um, 8 de janeiro.
Quando se conheceram, tinham 13 anos e Kim Jong-Un era Un-Pak, e é assim, segundo a publicação que conta a história, que João Micaelo o continua a tratar.
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