Ao todo são 12 os ‘anónimos’ cujas histórias estão contadas em oito canções, editadas hoje em formato digital, e num livro, que estará à venda no dia 20 deste mês, num projeto que surgiu do facto de, em cada aniversário do 25 de Abril de 1974, “se acabar quase sempre a falar das mesmas figuras”.

Mas a luta pelo fim da ditadura “não foi feita só por quem estava na linha da frente, houve uma retaguarda de muita gente, muitos homens e mulheres que ao longo de 48 anos tiveram a coragem de lutar”, lembrou o jornalista José Fialho Gouveia, um dos responsáveis pelo projeto, em entrevista à Lusa.

O jornalista, juntamente com o músico Rogério Charraz, partiu à procura de histórias de homens e mulheres que fossem desconhecidos da maior parte dos portugueses, principalmente daqueles que nasceram depois de 1974, tal como os dois autores que estão na génese de “Anónimos de Abril”.

O projeto começou como um concerto, que no ano passado, quando se assinalaram os 50 anos da ‘revolução dos cravos’, foi apresentado em 19 palcos portugueses.

Além de Rogério Charraz, a cantar e a tocar, e de José Fialho Gouveia, a fazer pequenas introduções em cada canção, os dois estiveram acompanhados pelos cantores Joana Alegre e João Afonso e pelos músicos Alexandre Frazão, na bateria, Carlos Garcia, no piano e clarinete, Marco Reis, nas guitarras, e Nuno Oliveira, no baixo.

A edição das canções “esteve sempre em mente”, tal como a do livro, visto tratar-se de “histórias de vida, que interessava explorar e dar-lhes mais detalhes do que é possível dar na letra de uma canção”, referiu José Fialho Gouveia.

A escolha dos ‘anónimos’ exigiu “muito trabalho de pesquisa” e contou, numa fase inicial, com a ajuda da diretora do Museu do Aljube, e amiga dos dois autores, Rita Rato.

A “lista alargada” de nomes foi sendo reduzida até chegarem à criação de 14 canções, oito das quais compõem disco.

No processo de escolha tiveram duas preocupações: que houvesse um equilíbrio entre homens e mulheres e histórias variadas.

Entre os ‘anónimos’ estão um padre, Alberto Neto, “que tinha a censura 'à perna', porque a PIDE [Polícia Internacional e de Defesa do Estado] achava que ele tinha ideias muito à frente”, a mulher que transformou o cravo num símbolo do 25 de Abril, Celeste Caeiro, os quatro civis assassinados pela PIDE no dia da revolução - Fernando Giesteira, José Barneto, João Arruda e Fernando Reis -, e Branca Carvalho, que aos 19 anos entrou na clandestinidade sem saber se algum dia sairia dela.

Fora do disco e do livro ficou, por exemplo, a história da secretária do general Humberto Delgado, Arajaryr Campos, que foi assassinada com ele pela PIDE em Espanha em 1965.

Embora tenham ficado canções por gravar, mesmo que tivessem registado as 14 apresentadas no espetáculo, Rogério Charraz e José Fialho Gouveia sempre assumiram que “o projeto é para continuar”, continuando a juntar canções e textos a esta “espécie de registo de memória coletiva”.

“Sentimo-nos um pouco com a responsabilidade de, uma vez que estas histórias existem, continuar a fazê-lo”, referiu Rogério Charraz.

Atualmente têm algumas histórias “em carteira” e estão “à volta de uma ou outra canção para juntar ao espetáculo, seguindo a lógica de ir estreando as músicas em palco antes de as gravar”.

Além disso, nos espetáculos foram sendo contactados por várias pessoas que lhes quiseram falar da história do avô, do pai ou do tio. A pensar também nisso, está a ser criado um site de “Anónimos de Abril”, onde as histórias poderão ser partilhadas com os autores.

“Estamos sempre abertos a que venham ter connosco e nos contem as histórias que vamos arquivando e depois partimos para a composição”, disseram.

A ideia é poderem continuar a “tentar imortalizar as histórias em canções e usar o poder que a música tem de fazer as coisas perdurarem no tempo”.

Entretanto, os “Anónimos de Abril” voltam a apresentar-se ao vivo em 24 de abril, em Alcanena, em 25 de abril, em Marco de Canavezes e, em 26 de abril, em Esposende, mas Rogério Charraz e José Fialho Gouveia esperam que haja mais.

“Queremos tentar que não se fale deste tema apenas em abril. Apesar de o projeto se chamar ‘Anónimos de Abril’, Abril é um ponto de partida e não de chegada. O ano passado conseguimos fazer o projeto de janeiro a novembro e gostávamos que este ano acontecesse o mesmo. O espetáculo é para ser feito em qualquer mês”, referiu o músico.

O livro, que além das histórias inclui as letras das canções e respetivos códigos QR, que permitem a audição dos temas, tem apresentação marcada para 1 de abril no Museu no Aljube, em Lisboa. Haverá também apresentações em Évora, em 3 de abril, e no Porto, em 05 de abril.

*Por Joana Ramos Simões, da agência Lusa