Geralmente apelidado de ‘rapper’, Boss AC gosta de pensar em si “como mais do que isso”, como explicou à Lusa: “Já digo isto há algum tempo e às vezes pode ser interpretado de uma forma incorreta: pôr-me o carimbo de ‘rapper’ torna a coisa mais redutora, acima de tudo sou músico, gosto de música”.
O ecletismo, “que já vem desde os primórdios”, volta a estar presente em “A vida continua…”, onde ao rap se junta o soul, o funaná ou o ‘trap’.
Os convidados — Matay, Supa Squad, Ella Nor, Black Company, DJ Ride e Ferro Gaita – são demonstração disso mesmo, mas também do “fator tempo, do ontem, do hoje e do amanhã”, que serviu de conceito ao álbum.
“O ontem por tudo o que já fiz, um elogio às minhas origens, a forma como me apaixonei pelo rap, pelo hip-hop de uma forma geral. O hoje, porque o que interessa realmente é hoje e o amanhã porque estou de olhos postos no futuro e no que vai acontecer. E o título assenta que nem uma luva”, referiu.
O “ontem” está em “O Verdadeiro”, tema que conta com a participação dos Black Company e DJ Ride e no qual Boss AC faz também “um tributo, ainda que de forma subtil, às pessoas, aos produtores, aos ‘rappers'” que o influenciaram.
Na canção, Boss AC fala de “um amor para a vida inteira”, que começou em 1986. Numa altura, sem acesso à internet, em que “tudo o que conseguia arranjar ouvia tipo missa”.
No tema, está também registado o momento que marca o início da carreira de Boss AC, a gravação de “A Verdade” para a coletânea “Rapública”, em 1993, na qual também participaram os Black Company, e a partir da qual começa a contar-se a história do rap em Portugal.
“‘Em 93 na altura do Verão, né?’/O Hernâni convidou 7 grupos para a gravação/Rapública tornou-se a primeira compilação/O que parecia brincadeira tornou-se então uma missão”, ouve-se em “O Verdadeiro”.
No disco, Boss AC presta também tributo a DJ Bernas, que morreu no final do ano passado, amigo e antigo companheiro de estrada.
O acontecimento inesperado (Bernardo Freitas Pinto morreu num acidente de automóvel) acabou por atrasar a edição do álbum, no qual Bernas também participa.
“Tinha planos de lançar o álbum no início deste ano, em janeiro, e depois do que aconteceu passei um tempo em que não queria ouvir música, não queria fazer nada, e tive que fazer uma pausa para me recompor e perceber o que queria fazer”, partilhou.
Em “Bernas”, o penúltimo dos 12 temas que compõem o disco, Boss AC recorda o “irmão para toda a eternidade” e o momento em que recebeu a notícia.
Para encerrar, escolheu “A vida continua”, tema que – “ironia” – foi escrito com Bernas e “já era uma das ideias de nomes para o álbum”.
“Passei por outras ideias, andei às voltas, e acabei por escolher o nome que tinha sido o primeiro e faz todo o sentido. Desde o princípio tinha pensado neste conceito do tempo e tinha pensado num álbum que fosse também um tributo”, disse.
Outros dos conceitos para o disco, que esteve para se chamar “Menos é mais”, é “o minimalismo”. “Que passa por, com a maturidade, perceber que conseguimos dar mais com menos. E isso reflete-se na produção do álbum, mais minimalista. Um álbum muito mais centrado nas minhas ideias e eu sozinho em estúdio a maior parte do tempo”.
O sexto álbum de originais, mais ‘solitário’ em termos de produção, chega seis anos depois do último trabalho, mas isso não quer dizer que o músico tenha estado parado.
Neste espaço de tempo “aconteceu muita coisa”. Depois da digressão de “AC para os amigos” (2012), que “ainda durou cerca de dois/três anos”, o músico decidiu fazer “uma pausa técnica”, para se dedicar a outras coisas, “principalmente à família”.
“Precisei também de fazer uma introspeção, reflexão do momento em que estava, do que é que queria fazer. Acho que acaba por ser um efeito secundário de já ter alguns aninhos de estrada. Às vezes é preciso fazer uma paragem, uma avaliação, e de certa forma perceber que caminho é que eu quero seguir. E está aqui o caminho que eu quis seguir”, disse, mostrando o novo CD.
Ao fim de mais de 20 anos de carreira, Boss AC às vezes dá por si a pensar como conseguiu chegar até aqui.
“Ainda ontem estava a pensar nisso”, partilhou com a Lusa. “As pessoas conhecem-me, acarinham o meu trabalho, pedem autógrafos, porquê? Têm que pedir por ainda conseguir estar aqui ao fim destes anos todos, por viver da música em Portugal, principalmente num estilo que há muito poucos anos era marginalizado e não era levado a sério”, disse.
Mais do que a música que fez, “conseguir viver dela” é “o verdadeiro grande feito” de Boss AC.
“Se calhar um dia vou parar, olhar para trás e conseguir fazer essa análise. Há duas coisas que são importantes, sendo eu sou suspeito para falar de mim: a coerência, tenho-me mantido coerente, tenho crescido como pessoa, como ser humano, como artista, mas tenho-me mantido coerente”, afirmou.
Além da coerência, destaca “a persistência: altos e baixos, mas eu sempre a andar, não paro”. “Essas duas características e muito trabalho são o segredo, se é que há segredos, para ainda cá estar”, referiu.
“A vida continua…” é “uma homenagem ao legado, a tudo o que aconteceu e deixa sempre aquela réstia de esperança”, que Boss AC gosta “de imprimir nas músicas”: “a vida continua, vamos de cabeça erguida, para a frente é que é caminho”.
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