“Os principais desafios são, para já, a estabilização do financiamento. Em 2012, apanhámos um abanão fortíssimo, um tremor de terra, com um corte de 30% da parte do Estado. É evidente que isso nos obrigou a repensar praticamente tudo e a repensar a Casa e salvaguardar aquilo que achávamos que era essencial da nossa identidade”, disse o diretor artístico da Casa da Música, António Jorge Pacheco, numa entrevista à Lusa a propósito dos 15 anos da instituição, que se assinalam este ano.
A partir 2012, quando o Governo liderado por Pedro Passos Coelho aplicou um corte de 30% de financiamento público às fundações, depois de uma redução de 15% na verba contratualizada pelo Governo de José Sócrates no ano anterior, a Casa da Música viveu “anos muito duros”, estando agora, com a gradual reversão dos cortes decidida pelo Executivo anterior de António Costa, a ser feita a reposição de “uma certa normalidade”.
“Estamos à espera de ver se o novo Orçamento do Estado contempla a continuidade dessa política, que é de outro Governo, mas é do mesmo partido. Se continuarmos nesse caminho, o futuro é tranquilo, mas não deixa de ser exigente porque o nosso objetivo é atingir a excelência. E isso é algo que nunca se atinge, é um caminho. Tem de se trabalhar sempre para fazer melhor, cada vez melhor. Não há limite para aquilo que se pode fazer bem na música”, afirmou António Jorge Pacheco, recordando que a Casa da Música gere quatro agrupamentos, incluindo a Orquestra Sinfónica do Porto, que pesa “se calhar mais de metade” do orçamento da instituição.
Em setembro de 2017, depois dos cortes que significaram uma redução de três milhões de euros no financiamento do Estado, o Governo anunciou a reposição de 600 mil euros, num total de 7,6 milhões de euros.
Em 2018, esse valor subiu em 600 mil euros, novamente, para uma verba global de financiamento estatal de 8,2 milhões de euros, o valor mais elevado desde 2011.
Principal marca da Casa da Música é a afirmação da música contemporânea
diretor artístico da Casa da Música disse à Lusa que a principal marca da instituição, a assinalar 15 anos desde a inauguração, é a afirmação da música contemporânea, não só no Porto, mas também no país.
“Acho que não há nenhuma comparação, desde que a Casa da Música existe e abriu, seguiu sempre esta linha, é um novo paradigma musical na cidade, mas também no país. Acho que é um facto que não há outra instituição que tanto promova a música contemporânea. Não me recordo de nenhum dos grandes compositores vivos europeus que não tenha já passado pela Casa da Música”, declarou à Lusa o diretor artístico da Casa da Música, António Jorge Pacheco, numa entrevista a propósito dos 15 anos da instituição, que coincidem com os 20 da Orquestra Sinfónica do Porto e do Remix Ensemble.
A instituição que já acolheu em residência nomes como a sul-coreana Unsuk Chin, o alemão Helmut Lachenmann ou o britânico Harrison Birtwistle tem precisamente nos compositores os seus “grandes embaixadores”, que regressam aos seus locais de trabalho para transmitir a experiência que viveram na Casa da Música, segundo aquele responsável.
“Quando eles próprios dizem que, na Casa da Música, a sua música foi tocada ao mais alto nível, acho que mais ninguém pode ter uma palavra a dizer acima deles”, disse António Jorge Pacheco, diretor artístico da instituição, desde 2008, e membro da comissão executiva da Organização Europeia de Salas de Concerto.
O responsável da Casa recordou que, em 2020, têm como Artista em Residência “um dos grandes, senão o maior pianista especializado em música contemporânea", Pierre-Laurent Aimard, e que o simples facto de ter “aceitado fazer este trabalho quer dizer alguma coisa”.
“Os próprios compositores em residência que todos os anos aceitam este título e este trabalho não é por acaso. Reconhecem que aqui a sua música está bem entregue. Poderei ser suspeito, mas não há outra instituição em Portugal que tenha este papel. E é por isso que é reconhecida internacionalmente”, declarou António Jorge Pacheco, com contrato até 2021 e com vontade de continuar no cargo.
O diretor artístico, que atravessou o período da crise financeira, e o corte de 30% no financiamento público que a acompanhou, salientou que esse momento obrigou a fundação a “uma clarificação interna, aos vários níveis, daquilo que é a Casa da Música”.
“Tivemos de tomar opções e a primeira foi manter aquilo que mais ninguém faz e a que o mercado não dá resposta. O mercado não consegue ter uma orquestra sinfónica, nem um Remix Ensemble nem uma orquestra barroca. Isso, nós protegemos. A parte da ‘world music’ ou pop rock ou mais eletrónica, há um mercado independente, do circuito mais comercial, que dá resposta a esse género de música. Não tem de ser a Casa da Música, até a competir de forma desleal porque somos subsidiados pelo Estado, a concorrer com os promotores privados que têm o seu negócio e que têm legitimamente de sobreviver”, considera.
Mesmo dentro daquilo que é a programação da Orquestra Sinfónica do Porto, que tem uma série Clássica e outra de Descobertas, há uma opção de ir além do que António Jorge Pacheco classifica de “facilitismo”: “Se nós fossemos fazer um inquérito alargado ao público e perguntássemos o que é que querem ouvir, iam dizer que querem ouvir sinfonias de Mozart, Beethoven, árias de ópera de Verdi, de Puccini, ‘Messias’ do Haendel, isso já eu sei. Portanto, o facilitismo seria ‘é isso que a grande maioria quer, é isso que vamos fazer sempre’. Há casas que trabalham assim”.
“Nós diferenciamo-nos por outro tipo de repertório, pelas estreias que fazemos e, sobretudo, por estarmos aqui a estrear no Porto e na Casa da Música obras que são fundamentais do repertório do século XX e do século XXI e que nunca foram tocadas em Portugal”, referiu, lembrando que foi a Casa da Música a receber a estreia nacional de "Gruppen", de Karlheinz Stockhausen, mais de 50 anos depois da primeira vez que foi interpretada a nível mundial.
O papel da Casa da Música “é fazer essa intermediação entre aquilo que o público genericamente não conhece, mas que [a instituição acha] que faz parte do papel dar a conhecer, porque é isso que enriquece a vida intelectual e o prazer estético que as pessoas podem tirar da música”.
Caso contrário, seria "a negação daquilo que deve ser uma sala do século XXI de agrupamentos do século XXI".
Questionado sobre que possibilidades de programação poderia abrir um eventual aumento do orçamento, António Jorge Pacheco disse que a “equipa está no limite da quantidade de concertos que consegue fazer”, o que significa que, perante mais verbas, a ideia seria fazer “melhor” e não “mais”.
Ainda assim, o diretor artístico da Casa da Música gostaria de desenvolver o espaço Digitópia, para além de um reforço do serviço educativo e da criação de uma “equipa de pesquisa em termos musicológicos”.
A Lusa pediu, repetidamente, entrevistas ao presidente do conselho de administração da Fundação Casa da Música, mas a resposta foi sempre negativa.
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