Grant muda de camisola três vezes antes do jantar e sente-se estúpido de cada vez que o faz.
Acaba por se decidir por uma t-shirt preta lisa e um casaco da equipa de remo de uma universidade que comprou na feira da ladra de Melrose há uns anos com uma ex-namorada. Nunca fez remo no secundário nem na universidade, mas Karina garantira-lhe que isso não importava.
Vai ficar fixe quando o usares no set, disse. E ficou. Ela nunca o levou por maus caminhos em termos de guarda-roupa, ao menos.
Passou a última semana e meia a tentar decidir se devia contactar Helen antes de a sala de guionistas começar, depois adiou até ser tarde demais e estar num Uber a caminho de um restaurante de marisco a oeste, a pensar se o casaco teria sido um erro.
Talvez tudo aquilo fosse um erro, mas agora era demasiado tarde para voltar atrás.
Quando chega à mesa reservada e Helen não está lá, sente um pavor que o devora, em vez de alívio. Alguma coisa vai acontecer — consegue sentir a balança cósmica a pender contra si —, e ele preferia despachar o assunto.
— Boa, finalmente chegaste — diz Suraya, com um bolinho de caranguejo na mão. — Pessoal, este é o Grant, o meu número dois.
É a chamada dos suspeitos do costume, versão Soapy Teen Drama Writers Room — a equipa de guionistas composta por marido e mulher, os jovens de vinte e poucos anos inteligentes e divertidos e a mini-Suraya (chama-se Saskia), que claramente faz lembrar a showrunner com menos vinte anos.
Suraya ergue o olhar e sorri alegremente.
— E aqui está a nossa convidada de honra, Helen Zhang.
A mesa aclama-a ruidosamente, e Grant olha para cima.
«É ela.»
Helen Zhang, no presente do indicativo. Está... bonita. Tem o cabelo penteado para trás num apanhado meio desfeito, o vestido de malha azul-escuro ganha reflexos azul-claros nas pregas que se formam a cada passo que a faz aproximar-se. Tem um ar intimidante, composto e adulto, e ele sente-se de repente mal preparado de todas as formas possíveis para este momento.
Helen sorri timidamente ao olhar à volta da mesa, e os seus olhos ultrapassam-no convenientemente — ele não percebe se foi de propósito ou se ela ainda não deu por ele.
— Helen, temos o Tom, a Eve, o Owen, a Saskia, a Nicole e o Grant.
O olhar de Helen dirige-se imediatamente para Grant, e ele sente-se como um inseto preso por alfinetes ao papel.
— Já nos conhecemos — diz ela sem rodeios. Há uma aspereza na sua voz que, de repente, faz pensar na imagem de uma tesoura sem misericórdia, a cortar com facilidade qualquer fio de destino que tenha a lata de aparecer neste momento. — Eu e o Grant andámos juntos no secundário.
Reparou logo nele, ali ao lado de Suraya, como se fosse uma piada cósmica. Grant continua a ser o mais alto dos presentes, apesar de ter uma constituição mais magra em comparação com os dias de futebol no secundário. «Ele está a usar um casaco de uma equipa de desporto?»
Durante um momento de insanidade, Helen questiona-se se isto será uma espécie de partida de muito mau gosto.
As sobrancelhas da showrunner arqueiam-se, e ela mostra a Grant (Grant!) um olhar perplexo.
— Não mencionaste isso na tua entrevista.
Grant despe o casaco e bebe um gole de água, obviamente à procura de ganhar tempo. Olha para ela por cima do rebordo do copo.
Suraya está perversamente fascinada com o que ele poderá vir a dizer e olha fixamente para os músculos da sua garganta (quando é que foi a última vez que ela pensou na garganta de Grant Shepard?) a mexerem-se em antecipação. Finalmente, ele engole e pousa o copo calmamente.
— Não me pareceu pertinente. A escola dos livros não tem nada que ver com a escola em que andámos — diz Grant descontraidamente, e o seu olhar foge do dela como se nada daquilo fosse importante.
— Além disso, queria conseguir o trabalho por causa do quanto tu acreditas em mim como escritor, Suraya.
— Lambe-botas. — Suraya revira os olhos. — Ele é o número dois — acrescenta para Helen. — Se eu não estiver na sala, é o Grant
que fica responsável pelas coisas.
— Ah — diz Helen.
Tem a boca seca, e a pulsação bate-lhe violentamente na cabeça, com o esforço de «agir com naturalidade, o que quer que seja que isso significa aqui». Grant olha para ela nesse momento.
«Vá lá», parece dizer a sua expressão, «isto não tem de ser estranho se não deixarmos que seja».
É como se ele estivesse a usar o tipo de ligação psíquica que só pode ser criada por treze anos a tentar esquecer a mesma coisa, e ela acha que vai vomitar.
— Vais ter de nos contar histórias embaraçosas do Grant, depois — Suraya sorri.
— O que é que vamos comer? — pergunta Helen, em alternativa.
E mesmo sentindo com todas as fibras da sua existência que aquilo está errado, que «é impossível estar a acontecer», que talvez até devessem existir leis que impedissem que aquilo algum dia voltasse a acontecer... Dá por si a partilhar uma infinidade de entradas e a rir cortesmente das piadas para quebrar o gelo de toda a gente com Grant Shepard do outro lado da mesma mesa.
Torna-se um jogo silencioso, para ver quem é que consegue parecer mais normal em relação a tudo aquilo — talvez até consigam passar as vinte semanas inteiras a trocar apenas olhares cordiais e respeitosos à mesa e nunca ninguém traga à baila a irmã morta de Helen ou a forma como ela morreu.
Às vezes gostaria de que não fosses minha irmã.
Quando Suraya sugere irem para o terraço beber uns copos, Helen vai à frente para arranjar lugar, enquanto todos os outros vão à casa de banho ou telefonar a amigos e babysitters. Grant aparece primeiro, com duas bebidas na mão — margaritas, que parecem desadequadamente festivas. Há um ligeiro ar de hesitação na sua postura, que ela acha que é pouco típico dele e que a enfurece de repente.
— Uma dessas é para mim? — pergunta.
— Se quiseres que seja. — Ele pousa-a.
Os seus percursos naturais de vida deviam tê-los conduzido para muito, muito longe um do outro, sem nunca se encontrarem nem voltarem a pensar um no outro depois do secundário. Helen pega na bebida e sabe que será a primeira a perder qualquer que seja o jogo que estão a jogar.
— Acho que devias demitir-te — declara ela, abruptamente. Grant arqueia as sobrancelhas, depois dá um gole da sua bebida
calmamente.
— Achas? — diz, com um tom aborrecido.
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