Grant muda de camisola três vezes antes do jantar e sente-se estúpido de cada vez que o faz.

Acaba por se decidir por uma t-shirt preta lisa e um casaco da equipa de remo de uma universidade que comprou na feira da ladra de Melrose há uns anos com uma ex-namorada. Nunca fez remo no secundário nem na universidade, mas Karina garantira-lhe que isso não importava.

Vai ficar fixe quando o usares no set, disse. E ficou. Ela nunca o levou por maus caminhos em termos de guarda-roupa, ao menos.

Passou a última semana e meia a tentar decidir se devia contactar Helen antes de a sala de guionistas começar, depois adiou até ser tarde demais e estar num Uber a caminho de um restaurante de marisco a oeste, a pensar se o casaco teria sido um erro.

Talvez tudo aquilo fosse um erro, mas agora era demasiado tarde para voltar atrás.

Quando chega à mesa reservada e Helen não está lá, sente um pavor que o devora, em vez de alívio. Alguma coisa vai acontecer — consegue sentir a balança cósmica a pender contra si —, e ele preferia despachar o assunto.

— Boa, finalmente chegaste — diz Suraya, com um bolinho de caranguejo na mão. — Pessoal, este é o Grant, o meu número dois.

É a chamada dos suspeitos do costume, versão Soapy Teen Drama Writers Room — a equipa de guionistas composta por marido e mulher, os jovens de vinte e poucos anos inteligentes e divertidos e a mini-Suraya (chama-se Saskia), que claramente faz lembrar a showrunner com menos vinte anos.

Suraya ergue o olhar e sorri alegremente.

— E aqui está a nossa convidada de honra, Helen Zhang.

A mesa aclama-a ruidosamente, e Grant olha para cima.

«É ela.»

Helen Zhang, no presente do indicativo. Está... bonita. Tem o cabelo penteado para trás num apanhado meio desfeito, o vestido de malha azul-escuro ganha reflexos azul-claros nas pregas que se formam a cada passo que a faz aproximar-se. Tem um ar intimidante, composto e adulto, e ele sente-se de repente mal preparado de todas as formas possíveis para este momento.

Helen sorri timidamente ao olhar à volta da mesa, e os seus olhos ultrapassam-no convenientemente — ele não percebe se foi de propósito ou se ela ainda não deu por ele.

— Helen, temos o Tom, a Eve, o Owen, a Saskia, a Nicole e o Grant.

O olhar de Helen dirige-se imediatamente para Grant, e ele sente-se como um inseto preso por alfinetes ao papel.

"É Desta Que Leio Isto"

"É Desta Que Leio Isto" é um grupo de leitura promovido pela MadreMedia. Lançado em maio de 2020, foi criado com o propósito de incentivar a leitura e a discussão à volta dos livros.

Já folheámos as páginas de livros de autores como Luís Sepúlveda, George Orwell, José Saramago, Dulce Maria Cardoso, Harper Lee, Valter Hugo Mãe, Gabriel García Marquez, Vladimir Nabokov, Afonso Reis Cabral, Philip Roth, Chimamanda Ngozi Adichie, Jonathan Franzen, Isabel Lucas, Milan Kundera, Joan Didion, Eça de Queiroz e Patricia Highsmith, sempre com a presença de convidados especiais que nos ajudam à discussão, interpretação, troca de ideias e, sobretudo, proporcionam boas conversas.

Ao longo da história do nosso clube, já tivemos o privilégio de contar nomes como Teolinda Gersão, Afonso Cruz, Tânia Ganho, Filipe Melo e Juan Cavia, Kalaf Epalanga, Maria do Rosário Pedreira, Inês Maria Meneses, José Luís Peixoto, João Tordo e Álvaro Laborinho Lúcio, que falaram sobre as suas ou outras obras.

Para além dos encontros mensais para discussão de obras literárias, o clube conta com um grupo no Facebook, com mais de 2500 membros, que visa fomentar a troca de ideias à volta dos livros, dos seus autores e da escrita e histórias que nos apaixonam.

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— Já nos conhecemos — diz ela sem rodeios. Há uma aspereza na sua voz que, de repente, faz pensar na imagem de uma tesoura sem misericórdia, a cortar com facilidade qualquer fio de destino que tenha a lata de aparecer neste momento. — Eu e o Grant andámos juntos no secundário.

Reparou logo nele, ali ao lado de Suraya, como se fosse uma piada cósmica. Grant continua a ser o mais alto dos presentes, apesar de ter uma constituição mais magra em comparação com os dias de futebol no secundário. «Ele está a usar um casaco de uma equipa de desporto?»

Durante um momento de insanidade, Helen questiona-se se isto será uma espécie de partida de muito mau gosto.

As sobrancelhas da showrunner arqueiam-se, e ela mostra a Grant (Grant!) um olhar perplexo.

— Não mencionaste isso na tua entrevista.

Grant despe o casaco e bebe um gole de água, obviamente à procura de ganhar tempo. Olha para ela por cima do rebordo do copo.

Suraya está perversamente fascinada com o que ele poderá vir a dizer e olha fixamente para os músculos da sua garganta (quando é que foi a última vez que ela pensou na garganta de Grant Shepard?) a mexerem-se em antecipação. Finalmente, ele engole e pousa o copo calmamente.

— Não me pareceu pertinente. A escola dos livros não tem nada que ver com a escola em que andámos — diz Grant descontraidamente, e o seu olhar foge do dela como se nada daquilo fosse importante.

— Além disso, queria conseguir o trabalho por causa do quanto tu acreditas em mim como escritor, Suraya.

— Lambe-botas. — Suraya revira os olhos. — Ele é o número dois — acrescenta para Helen. — Se eu não estiver na sala, é o Grant
que fica responsável pelas coisas.

— Ah — diz Helen.

Tem a boca seca, e a pulsação bate-lhe violentamente na cabeça, com o esforço de «agir com naturalidade, o que quer que seja que isso significa aqui». Grant olha para ela nesse momento.

«Vá lá», parece dizer a sua expressão, «isto não tem de ser estranho se não deixarmos que seja».

É como se ele estivesse a usar o tipo de ligação psíquica que só pode ser criada por treze anos a tentar esquecer a mesma coisa, e ela acha que vai vomitar.

— Vais ter de nos contar histórias embaraçosas do Grant, depois — Suraya sorri.

— O que é que vamos comer? — pergunta Helen, em alternativa.

Livro: "Como Terminar Uma História de Amor"

Autor: Yulin Kuang

Editora: Bertrand Editora

Data de Lançamento: 8 de agosto de 2024

Preço: € 18,80

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E mesmo sentindo com todas as fibras da sua existência que aquilo está errado, que «é impossível estar a acontecer», que talvez até devessem existir leis que impedissem que aquilo algum dia voltasse a acontecer... Dá por si a partilhar uma infinidade de entradas e a rir cortesmente das piadas para quebrar o gelo de toda a gente com Grant Shepard do outro lado da mesma mesa.

Torna-se um jogo silencioso, para ver quem é que consegue parecer mais normal em relação a tudo aquilo — talvez até consigam passar as vinte semanas inteiras a trocar apenas olhares cordiais e respeitosos à mesa e nunca ninguém traga à baila a irmã morta de Helen ou a forma como ela morreu.

Às vezes gostaria de que não fosses minha irmã.

Quando Suraya sugere irem para o terraço beber uns copos, Helen vai à frente para arranjar lugar, enquanto todos os outros vão à casa de banho ou telefonar a amigos e babysitters. Grant aparece primeiro, com duas bebidas na mão — margaritas, que parecem desadequadamente festivas. Há um ligeiro ar de hesitação na sua postura, que ela acha que é pouco típico dele e que a enfurece de repente.

— Uma dessas é para mim? — pergunta.

— Se quiseres que seja. — Ele pousa-a.

Os seus percursos naturais de vida deviam tê-los conduzido para muito, muito longe um do outro, sem nunca se encontrarem nem voltarem a pensar um no outro depois do secundário. Helen pega na bebida e sabe que será a primeira a perder qualquer que seja o jogo que estão a jogar.

— Acho que devias demitir-te — declara ela, abruptamente. Grant arqueia as sobrancelhas, depois dá um gole da sua bebida
calmamente.

— Achas? — diz, com um tom aborrecido.