Numa conferência de imprensa com visita guiada aos jornalistas à exposição de 85 obras, que ficará até 28 de novembro deste ano na Cordoaria Nacional, em Belém, Ai Weiwei falou dos seus temas de eleição, e da experiência de vida em Portugal, onde reside, numa propriedade rural em Montemor-o-Novo, desde o ano passado.

Na sensibilidade do artista convivem o gosto pelas coisas simples – como a natureza e os animais da sua herdade alentejana – e toda a tragédia humana expressa na sua obra plástica e audiovisual, onde estão patentes a indignação e a denúncia sobre a crise ambiental, a guerra, os refugiados, a censura, a perseguição política, o exílio, as restrições à liberdade e a pobreza no mundo.

“O meu trabalho tornou-se relevante porque passei por imensas dificuldades. Mas continuo sempre a trabalhar com a minha consciência”, disse o artista chinês aos jornalistas na conferência de imprensa da exposição “Rapture”, na Cordoaria Nacional.

As obras de Ai Weiwei apresentadas nesta primeira exposição individual em Portugal — e a maior de sempre, disse – revelam o perfil do artista e ativista dissidente chinês, mundialmente reconhecido como um dos mais influentes, interventivos e criativos nomes da arte contemporânea, eleito o artista mais popular do mundo em 2020 pela publicação internacional The Art Newspaper.

Ai Weiwei nasceu em 1957, em Pequim, e tem trabalhado há décadas sobretudo na área do documentário e artes visuais, mantendo uma postura crítica sobre a China em questões de direitos humanos, mas também em todos os lugares onde existem refugiados ou perseguidos por questões políticas.

À entrada da Cordoaria, o visitante é recebido por uma gigantesca cobra ondulante colocada no teto do edifício, que aponta as duas alas por onde se estende a exposição, com instalações e esculturas em grande, média e pequena escala, assim como vídeos/filmes e fotografias.

“Snake Ceiling” (2009) é o título desta peça em forma de cobra, uma grande instalação constituída por centenas de mochilas de crianças, em memória aos estudantes mortos no terramoto de Sichuan, em 2008.

Também foram incluídas outras peças icónicas do artista como “Circle of Animals” (2010), na qual Ai Weiwei revisita uma série de esculturas compostas por doze cabeças de animais do zodíaco chinês, e que explora a relação da china contemporânea com a sua própria história, e “Law of the Journey (Prototype B)” (2016), que consiste num barco insuflável de 16 metros de comprimento com figuras humanas e faz alusão a um dos temas mais recorrentes na obra do artista: a crise global dos refugiados.

Marcello Dantas – curador da exposição e idealizador de uma série de grandes exposições do artista pela América Latina nos últimos anos – explicou à agência Lusa que depois do sucesso alcançado com a exposição do artista chinês no Brasil, acolhendo 10 mil visitantes por dia, em 2019, propôs a sua apresentação em Portugal.

“Para trazer este artista foi preciso desenhar um modelo muito específico de produção, devido à grande escala das obras”, apontou o curador brasileiro.

No Porto, adiantou, está prevista, em julho deste ano, a colocação de uma grande instalação nos jardins do Museu de Serralves, com uma dimensão de 34 metros e pesando 300 toneladas.

Na Cordoaria nacional, os visitantes poderão conhecer algumas das peças mais importantes da carreira do artista chinês, e outras inéditas, criadas este ano, em Portugal, concebidas em materiais característicos do país, nomeadamente cortiça, mármore e azulejo.

Questionado pela Lusa sobre a inspiração para as novas peças, Ai Weiwei referiu que uma delas – intitulada “Pendant (Toilet paper)”, feita em mármore maciço com 1,60 metros – representa um simples rolo de papel higiénico, e foi inspirada na corrida ao consumo deste produto durante a pandemia, que levou à sua rápida escassez no mercado.

“Esta procura desenfreada de papel higiénico representa a insegurança e desconfiança das pessoas no sistema em que vivem”, interpretou.

Outra obra inédita, criada este ano, em cortiça, intitula-se “Brainless Figur” (“Figura sem cérebro”), e consiste numa escultura do próprio artista feita naquele material tipicamente português, sentado numa cadeira, faltando-lhe a parte craniana que aloja o cérebro.

Conhecido por desenvolver ligações aos países por onde passa, Ai Weiwei, agora a viver no Alentejo, iniciou um trabalho de colaboração com artesãos portugueses de diferentes ateliês para trabalhar materiais como a cortiça, azulejo, tecidos e pedra.

Ao longo do percurso expositivo, foram dispostos écrans que exibem uma série de documentários, incluindo um dos seus mais recentes filmes – “Coronation” – retrato da evolução da pandemia covid-19 em Wuhan, na China, tida como o berço da pandemia.

Com imagens captadas por equipas profissionais e cidadãos que voluntariamente ajudaram o artista no projeto, o documentário mostra como foi o confinamento da primeira cidade no mundo a ser atingida pela pandemia.

“Rapture”, explicou o curador, aponta para um duplo sentido, o do imaginário do sonho e da mitologia – que o artista chinês usa, inspirado na sua própria cultura – e a do rapto em si mesmo, quando esteve detido, na China, pelo ativismo e trabalho artístico, crítico do sistema político do país.

Em 2011, esteve preso durante 81 dias, na China, sem acusação, apenas com alegações de crimes económicos, e, depois de libertado, passaram-se quatro anos até ser autorizado a sair do país.

Entre os seus trabalhos mais recentes estão o filme “The Rest”(2019), sobre a crise dos migrantes, que se seguiu a “Human Flow”, filmado em mais de 20 países, também sobre a temática dos refugiados, e exibido em Veneza, em 2017.

A exposição “Ai Weiwei – Rapture” começa antes do visitante entrar, com a instalação, no exterior, da peça “Forever Bicycles” (2015), uma escultura monumental com 960 bicicletas de aço inoxidável usadas como blocos de construção.