Coube ao filme "Negação" inaugurar a edição deste ano da mostra de cinema Judaica, um evento dedicado às peças de arte que homenageiam a história do povo judeu. O tão esperado filme sobre o maior caso de negacionismo do holocausto dos últimos anos teve a sua antestreia no cinema São Jorge, a que se seguiu um debate. O filme leva-nos para o dia-a-dia de Deborah Lipstadt, historiadora norte-americana e professora da Universidade de Emory, que após o lançamento do seu livro sobre o negacionismo do holocausto foi desafiada pelo historiador anti semita, David Irving, a apresentar evidências que comprovassem que o holocausto fora verdadeiramente conduzido por Adolf Hitler, o ídolo de Irving.

O livro da professora contestava todo o trabalho do historiador, que negava a verdade sobre o holocausto, e punha assim em causa a sua carreira como um prestigiado académico. Estupefacta com a ideologia de Irving, Deborah recusa-se a debater com o historiador britânico, que por sua vez decide processar a professora por difamação. Ao mudar-se para Londres, Deborah contrata uma equipa de advogados de excelência e reúne todos fundos suficientes para poder enfrentar Irving em tribunal, que se tinha preparado de antemão para qualquer tipo de argumento que a se professora pudesse lembrar.

Num filme que mais se assemelha a um jogo de xadrez, o espectador não consegue tirar os olhos do ecrã desde a conferência que inicia o conflito até ao momento do veredicto final, destacando-se o papel da edição deste filme, que permite uma excelente condução de eventos ao longo do filme.

É impossível não referir o elenco de excelência que o filme nos traz no qual se destaca Rachel Weisz (Deborah Lipstadt, a historiadora), Tom Wilkinson (Richard Rampton, o advogado) e ainda Timothy Spall (o negacionista, David Irving). Tanto Weisz como Wilkinson desempenham um papel admirável. No entanto, quem mais me surpreendeu foi Timothy Spall, o famoso ator britânico que é mais conhecido pelo papel de Wormtail, na saga Harry Potter, e que encara David Irving com uma naturalidade invulgar.

O argumento faz de "Negação" um filme a não perder, que não só nos sensibiliza para o tema do negacionismo, mas também nos faz refletir sobre toda a história da Segunda Guerra Mundial e o sofrimento do povo judeu na Europa do século passado (e que são precisamente os principais objetivos de Judaica).

Além de "Negação", destaca-se também o filme "Lou Andreas-Salomé". Trata-se da história de uma filósofa e, ao contrário do primeiro, não irá ser exibido nas salas de cinema do país. “Lou” relata-nos a história da escritora e psicanalista russa da primeira metade do século XX. Uma personalidade que desafiou todas as normas da sua época em busca do conhecimento, Lou retrata também duas temáticas muito presentes na época e que foram contestadas pela filósofa - os direitos das mulheres e a opressão dos judeus na Europa.

O filme começa com Salomé, numa idade já avançada, mas ainda com a dura personalidade pela qual ficou conhecida, a contar ao autor oficial da sua biografia os episódios mais marcantes da sua infância. A sua vontade de aprender sobre filosofia e de escrever levam-na a ter lições privadas com um intelectual adulto que, após conhecer Louise na biblioteca, se apaixona pela jovem de 16 anos e decide se declarar à mesma. Sem sucesso.

A filósofa dura e sedutora

Este episódio viria a definir a base de toda a filosofia de vida da autora: a ausência de relações amorosas e da dependência de um homem através do casamento. E assim foi, sempre chocando a sociedade com os seus comportamentos ousados e irreverentes, Louise foi aperfeiçoando a sua obra ao longo da vida e influenciando a obra de muitos notáveis pensadores da época.

Conhecida também pela sua personalidade sedutora, Louise acabou por ter relacionamentos com grandes personalidades do século XX destacando-se Sigmund Freud, Friedrich Nietzsche, Paul Rée e Rainer Maria Rilke e foi também uma das principais autoras de temas como a emancipação da mulher, a reforma da educação, o estudos de sociologia e ainda a psicanálise. Ainda não tendo ascendência judaica, a sua obra foi perseguida pelos nazis durante a Segunda Guerra Mundial devido à sua associação a Sigmund Freud e a outras ideologias que contestavam a ditadura alemã. Num filme que desfruta de toda a beleza do cinema europeu, Lou apresenta uma notável performance de Katharina Lorenz e ainda uma banda sonora clássica que nos convida a fechar os olhos por certos momentos para apenas escutar a música.

A Judaica encerrou em Lisboa com o filme A guerra dos 90 minutos. É um filme de comédia israelita que incide sobre o eterno conflito entre a Palestina e Israel. Um jogo dourado de futebol é disputado entre as duas nações para decidir quem tem direito ao território. Depois de Lisboa a mostra de cinema Judaica arranca para a semana em Cascais com o filme O Jovem Karl Marx.