"A humanidade caminha em gelo fino", advertiu António Guterres, líder das Nações Unidas, durante a apresentação do Relatório Síntese do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC), divulgado no início desta semana na Suíça, que sublinha a necessidade de a temperatura média da Terra não ultrapassar os 1,5 graus Celsius. Ou seja, os cientistas entregaram ao planeta um "guia de sobrevivência para a humanidade" com a seguinte mensagem: o mundo ainda tem hipótese, mas temos mesmo de reduzir emissões para metade antes de 2030.

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Pegando nas palavras do secretário-geral da ONU: é possível evitar que "a bomba-relógio do clima" rebente, mas será necessário uma atuação global, entre "tudo, em todos os lugares, ao mesmo tempo", aferiu Guterres, numa alusão ao grande vencedor dos Óscares deste ano. Se não, o nosso futuro pode muito bem ser o futuro da humanidade de "Extrapolações", série criada por Scott Z. Burns, um original Apple TV+, que dá um vislumbre do que pode vir a ser o nosso planeta se continuarmos a ignorar a ciência.

Num estilo que se dirá semelhante a "Black Mirror" (Netflix), mas que na verdade tem um tom mais parecido a uma "Years and Years" do clima (por cá na HBO Max), o argumentista de "Contágio" (2011) dá um salto até 2037 e através de oito histórias interligadas contadas ao longo de um período de 30 anos (a série termina com um episódio passado em 2070) mostra como será o mundo e o estado do planeta se não conseguirmos limitar o aquecimento global. E, diga-se, não é nada bonito.

O que é que isso significa? Significa que os incêndios florestais são agora tão vastos, frequentes e comuns que o ar é irrespirável (é imaginar a máscara covid sempre que se sai à rua ou que há dias em que é mesmo impossível sair de casa), o ambiente e os verões são tão quentes que há crianças a nascer com a síndrome do "Coração Veranil" (cuja a esperança média de vida é inferior a 30 anos), as cidades costeiras desapareceram (Miami virou Atlantis) e praticamente só existem furacões de categoria "devastador".

Assim como a extinção da vida animal é um dado adquirido. Elefantes? Tigres? Golfinhos? Só nas histórias e em bonecos de peluche. "O mundo está a ficar sem animais e tempo", explica um dos cientistas.

Tal como tinha acontecido em "Contágio", o elenco está repleto de estrelas. Kit Harington (o Jon Snow de "A Guerra dos Tronos") no papel de bilionário mais poderoso do mundo, Sienna Miller ("The Girl") como bióloga marinha e Daveed Diggs enquanto rabino a perder a fé destacam-se nos primeiros episódios, mas Matthew Rhys, David Schwimmer, Keri Russel, Heather Graham, Marion Cotillard, Forest Whitaker, Tobey Maguire, Diane Lane ou Edward Norton vão ajudar a contar o desenrolar da catástrofe ao longo dos anos. Até Meryl Streep, que faz ao mesmo tempo de avó e de baleia-corcunda (é a voz), faz a sua contribuição.

  • Matthew Rhys (o Philip de "The Americans") é uma das que mais cintila. Exemplo: a reação da sua personagem à notícia que a plataforma de gelo da Gronelândia vai rachar ao meio (levando a que o nível da água suba três metros). "Eis o que tens de saber sobre o aquecimento global: o mundo vai acabar no fim do século. Sem dúvida alguma, a 100%. E nós vamos estar mortos e vamos sentir a sua falta. Mas estaremos a sorrir em caixões banhados a ouro criados pelo Kanye [West]".

Em 2011, Scott Z. Burns (argumentista) e Steven Soderbergh (realizador) fizeram um filme que alertava não só para os perigos da propagação de um vírus à escala mundial como para o facto de, globalmente, não estarmos minimamente preparados para lidar com uma pandemia. Em 2023, Scott Z. Burns volta a alertar para o que a ciência há muito dita: Planeta Azul só há um e é preciso lutar — agora — para preservá-lo. Se nada fizermos, os nossos que cá vão ficar vão herdar um legado que não pediram (como fica bem demonstrado pelo comportamento da adolescente Alana na série).

Portanto, através de "Extrapolações", Scott Z. Burns está na verdade a lançar uma questão ao espetador, que é: quem é que vai e está disposto a lutar pelo nosso futuro?