Colocada pelo instituto Camões para ensinar português na Etiópia em 2012, Isabel Boavida é a responsável pelo Departamento de Línguas Europeias Modernas (português, espanhol, italiano e alemão) da universidade, procurando manter um ponto de ligação entre os dois países, seguindo os passos de Pêro da Covilhã, há 500 anos.
“O que é que me apaixonou na Etiópia? Hugo Pratt e ‘As Etiópicas’ do Corto Maltese”, era uma “zona de mitos e lendas que não passava pelos bancos da escola”, diz à Lusa, num café no centro da cosmopolita Adis Abeba.
As palavras de Isabel Boavida correm depressa quando fala sobre a Etiópia, misturando a história da sua vida e a relação histórica dos dois países.
O Camões abriu um leitorado em Adis Abeba em 2007, mas, após duas colocações, faltaram voluntários. E foi aí que apareceu Isabel Boavida, formada em História, Literatura e Estudos Culturais.
Chegou pela primeira vez à Etiópia em 2000, “para uma conferência internacional de estudos etíopes”, onde concretizou esta paixão platónica desde nova.
Com o investigador Manuel João Ramos investigou as relações nos séculos XV e XVI entre Portugal e Etiópia, país do mítico rei cristão Preste João que Portugal queria encontrar na sua luta contra os muçulmanos.
“No final do século XV esperava-se encontrar algures um reino cristão que pudesse ser um aliado contra os muçulmanos”, mas "o que se encontrou não foi um reino poderoso, apenas um estado frágil que contou com a ajuda de portugueses nalguns momentos", recorda.
Nessa época, o rei João II enviou Pêro da Covilhã e Afonso de Paiva para a Índia, onde deveriam investigar os circuitos das especiarias. Após a morte de Afonso de Paiva, Pêro da Covilhã chegou à Etiópia e “não o deixaram sair”.
“Ficou aqui 30 anos, fundou família e foi ele que construiu a imagem de Portugal na Etiópia”, tornando-se uma “figura-chave” na ligação à rainha e ao patriarca da Igreja Ortodoxa Etíope.
Nos séculos seguintes, Portugal torna-se um parceiro comercial e chegou mesmo a auxiliar a Etiópia em momentos-chave da sua história, antes do processo de isolamento do país, que só recentemente começou a mudar.
“Hoje em dia, Portugal é visto como um país simpático, porque não temos peso no concerto das nações. Fazemos parte da União Europeia, mas do ponto de vista aqui deste lugar do mundo não é bem assim, porque a União Europeia é a França e a Alemanha, é a perceção que têm”, explica a portuguesa.
Portugal “é aquele país pequenino, está para lá num cantinho, que tem bons jogadores de futebol e que nos ajudou no passado graciosamente, tal como os cubanos nos anos 1970 e 80”.
Professora na faculdade, Isabel Boavida admite que o ensino do português e de outras línguas europeias que não o inglês ou francês tem limitações: “o problema destas licenciaturas é a falta de empregabilidade”.
O curso de português teve “quatro grupos de alunos”, mas a pandemia criou vários problemas, afastando muitos docentes do país e agora é objetivo retomar o projeto de ensino.
Entretanto, Isabel Boavida tem tentado desenvolver outros projetos, em articulação com a embaixada, como espetáculos musicais, exposições ou ações de formação com escritores, como Afonso Cruz, que tem um projeto para produzir um livro juntamente com um grupo de ilustradores etíopes.
O livro “resultou muito bem, a história é muito bonita, uma história muito curtinha, que desenvolve um pensamento paradoxal”, explica.
Na universidade, há também um programa de rádio em língua portuguesa e Isabel Boavida vai procurando mais ideias para promover Portugal na Etiópia.
“Temos já um conjunto de pessoas que são espectadores regulares dos nossos espetáculos, são sensíveis à cultura portuguesa e querem mais”, diz.
Pelo meio, Isabel Boavida deixou os filhos em Portugal: “Primeiro era para ser por um ano, mas depois fui ficando”. Eles "compreenderam, porque sabem que eu sou apaixonada por isto", diz, apontando para a avenida larga junto à esplanada onde bebe uma especialidade local, um chá com café arábico.
Nas funções de coordenação da universidade, Isabel Boavida tem de lidar também com o machismo da sociedade etíope: “Sou a única mulher e tenho de estabelecer limites nas relações sociais, mas depois torna-se fácil porque eles respeitam”.
No total, já há 27 licenciados na variante de português e italiano do curso de Línguas Europeias Modernas, com alguns a trabalhar em embaixadas ou na função pública. “É uma história bonita que conseguimos escrever aqui em português”, resume.
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