O título do disco foi-lhe sugerido pelo radialista Henrique Amaro e a inspiração veio de um tema do norte-americano Daniel Johnston. Neste disco não queria dar apenas uma parte de si, por essa razão quatro anos separaram os primeiros temas de avanço, que acabaram por não fazer parte do disco, do resultado final. "Cheguei à conclusão que aquilo que tinha lançado representava apenas uma parte de mim, não a totalidade", conta. Longe do formato de banda a que estamos habituados a vê-lo e a ouvi-lo — Yellow W Van, Oioai, Buraka Som Sistema, Orelha Negra, entre muitas outras —, "O Amor Encontra-te no Fim" é resultado de um processo "solitário", de Fred fechado no seu estúdio "muitas vezes sem ar" ou "com um peso no peito" que não o deixava respirar.
Filho do Kalú, baterista dos Xutos e Pontapés — que em 2013 também se estreou em lides a solo —, nesta conversa Fred fala sobre a relação com a bateria, que sempre esteve lá, com o pai e com os Xutos — "Quando era miúdo, às vezes ficava mais triste porque queria ser eu, não queria ser o filho de". Relação que passa ainda pelo amor aos dragões — "têm eternamente um Dragão em Lisboa".
"O Amor Encontra-te no Fim", disponível digitalmente desde o passado dia 3 de maio, chegou hoje às lojas físicas e inclui colaborações com Francis Dale, Amaura, Carlão e Marcelo Camelo, que dá voz a "Boo", tema escolhido como primeiro single. O álbum será apresentado ao vivo, pela primeira vez, em Lisboa, no Lux, no próximo dia 16 de maio. "Vou recriar exatamente ao vivo aquilo que senti quando o fiz", promete.
"O Amor Encontra-te no Fim", título deste disco, é uma clara referência a um tema do Daniel Johnston ["True Love Will Find You In The End"], à partida alguém a quem não te associaríamos. Mas é uma influência tua?
Eu adoro-o, e gosto de música no geral. Adoro música. O Daniel Johnston é alguém por quem sempre tive uma grande admiração. Por ele, pelo seu percurso e pela pessoa que é. As músicas dele também me tocam de uma maneira muito profunda. Não tinha título para o disco e fui ter com o Henrique Amaro [radialista]. Foi ele que me sugeriu este ["O Amor Encontra-te no Fim"]. Achei perfeito, porque tinha exatamente a ver com o disco. Espero não ser processado por isso [risos]. Não é com má intenção, apenas espelha bem o que é este disco. No fim [no tema "Para Nunca Mais Cair"] até toco viola e canto parte da "True Love Will Find You In The End"...
Engraçada essa referência ao Henrique, tinha aqui uma questão relacionada com ele. Já te ouvi, por várias vezes, falar de discos que ele te mostrou e que foram importantes para ti. Ou como quando trabalhavas num café e saías a meio do turno para ir a casa dele ter uma lição com as novidades musicais. Como é hoje a vossa relação, ao ponto de ser ele o responsável pelo título deste disco?
Há pessoas na nossa vida que funcionam como pilares. Existem os pilares familiares, os nossos filhos, as nossas companheiras ou companheiros, os pais. Depois existem outros pilares, como os amigos, que ajudam a viveres a tua vida com um chão mais firme. O Henrique está no meio das duas partes, familiar e amizades. Familiar no sentido de ser uma pessoa tão próxima de mim, da minha família, há tantos anos, que tenho um à vontade com ele bastante grande. Há também um lado de amizade que é muito importante; ele esteve sempre perto em todos os momentos em que o procurei. Para além disso, é uma pessoa que admiro muito pelo seu trabalho. Lembro-me de pedir a chave do carro à minha mãe e de lá ficar a noite toda a ouvir o programa dele [na Antena 3] para ver se a minha música passava. Sempre segui as coisas dele e sempre foi uma referência para mim.
Lembro-me de pedir a chave do carro à minha mãe e de lá ficar a noite toda a ouvir o programa do Henrique Amaro para ver se a minha música passava. Sempre foi uma referência para mim
Desde 2014 que já havia algumas pistas sobre a possibilidade de um trabalho teu a solo. Em 2015, chegaste mesmo a lançar alguns temas no Soundcloud, entre eles um com o Enoque. Porquê só agora a edição do disco?
Sempre quis fazer algo sozinho, para experimentar. Não para deixar de tocar em grupo — impensável. Tenho as minhas bandas e adoro, mas queria experimentar sozinho. Porque [a solo] consegues expor-te de forma diferente e falar de coisas de uma forma que só tu é que podes falar. Gostei do resultado quando lancei as primeiras músicas, mas o tempo foi passando e eu estava um pouco à procura da minha zona de conforto. Onde é que estava bem, onde é que poderia representar melhor a minha vivência musical e as minhas influências. Cheguei à conclusão que aquilo que tinha lançado representava apenas uma parte de mim, não a totalidade. Precisava de evoluir mais, de estudar mais, de viver mais um bocadinho. Então estive mais uns anos em trabalho de pesquisa, de vivências, de acontecimentos, que me fizeram chegar a um ponto em que tive de me entregar [a este disco] a cem por cento.
Na altura dizias que o disco teria de tudo um pouco, desde convidados às influências dos projetos onde estás e pelos quais já passaste. A única coisa que não teria seria a tua voz. Voltaste atrás nessa ideia?
Sim e não. Foi um processo muito solitário, estive muitos meses fechado na minha sala, sozinho, a fazer [o disco]. Não comecei com essa ideia de cantar, mas as coisas foram evoluindo e eu estava muito mexido internamente e estava com necessidade de expulsar o que eu sentia. Houve um dia em que a minha garganta estava... Precisava de colocar algo cá fora e experimentei fazer coros numa música. Depois, de repente, fui para outra. E para outra. Não foi propositado. Não te posso dizer que tenho a certeza absoluta de que nunca vou cantar [num disco] do princípio ao fim. Porque isso pode acontecer, embora ache que não. O que eu fiz foi seguir o meu coração e o que estava a sentir. Deu-me para aí, não sou um cantor, mas esforcei-me.
Tem a tua voz, mas não só. Para além dos convidados ouvimos o Valete, em "Amigo", e o António Lobo Antunes e o Zé Pedro, em "Geshe". Porquê eles?
São as minhas influências. O Zé Pedro é uma influência na minha vida, eternamente. O António Lobo Antunes é uma das minhas referências literárias, gosto muito dos livros dele e aprecio muito toda a sua obra e percurso. É um génio. Quando inicio um processo criativo, tento procurar as minhas influências em tudo, não só na música. E vou às minhas influências todas. Que vão desde a literatura, com o Lobo Antunes, como vão à pintura, com o Basquiat. O Basquiat foi uma pessoa que me inspirou muito neste disto. Mesmo muito. Não é visível, porque não há pinturas. Apesar de no YouTube, [a imagem de destaque de] cada tema ter um boneco meu. Também não sei desenhar, mas é a minha leitura da música. Quem me inspira não tem de ser necessariamente um artista, pode ser um amigo. Só não posso pôr toda a gente que me influencia ou tinha de colocar trinta mil pessoas.
O Valete diz, a certa altura, em "Amigo", que "quando os beats saírem, um gajo vai cuspir feio em cima deles". Já tinhas mostrado alguns destes temas a algumas pessoas?
Sim, e o Valete foi uma delas. Houve algumas pessoas que acompanharam de perto o processo, além dos meus amigos que vão tocar comigo ao vivo, o Riquier e o Alberto, o Tequilla também esteve sempre muito próximo. Depois, o Sam, todos os Orelha, o Valete... São pessoas próximas e por ter feito tudo sozinho tive muitas dúvidas, receios e medos. Às vezes precisava da ajuda dos meus amigos para me darem uma força, um incentivo ou para me chamarem à atenção do que poderia estar a fazer errado. Procurei sempre a ajuda dos meus irmãos e amigos.
Porque integrar uma banda ou ser produtor do disco de outra pessoa é completamente diferente de estar a fazê-lo sozinho.
Fiz tudo. Estava a compor, mas era o técnico de som... E às vezes precisava de ajuda.
Chegaram 15 temas ao disco, mas terminaste mais.
Eram 50.
Qual foi o critério de seleção?
Foi a história que me parecia fazer sentido. Uma história de amor. Foi muito difícil escolher desses 50 os 15, mas eu tinha que escolher. Apesar de vir a ser lançada uma edição especial na FNAC com uns quantos temas extra. Estava sozinho, até na tarefa de escolher. Se calhar houve umas que gosto muito que ficaram de fora, mas tinha de escolher o que queria dizer.
O que é que podes responder a quem disser que este disco tem uma sonoridade muito próxima a Orelha Negra?
Posso dizer 'obrigado'. Para mim isso é só um elogio. Os Orelha Negra uma influência muito grande para mim. E dou graças a Deus por serem uma banda que também é minha. Nós fazemos aquilo de uma forma tão honesta, metemos tanto de nós lá, que eu para ser honesto individualmente as coisas acabam por casar em certos pontos. Quando em 2015 lancei algumas músicas procurei afastar-me de todas as coisas que já tinha feito para ter uma coisa própria. Mas cheguei à conclusão de que tenho de deixar o meu coração levar-me para onde ele quer ir. E veio para aqui. E, realmente, é aqui que o meu coração também está quando fazemos as coisas dos Orelha Negra. Se acaba por ser parecido é porque é a essência da coisa.
Procurei afastar-me de todas as coisas que já tinha feito para ter uma coisa própria, mas cheguei à conclusão de que tenho de deixar o meu coração levar-me para onde ele quer ir
O disco tem a colaboração do Francis Dale, do Carlão e do Marcelo Camelo, com quem conhecemos o single de avanço do disco. "Boo" é o resultado de algo que sentias, mas que não conseguias dizer por palavras. A tua relação de amizade com o Marcelo está num ponto em que ele consegue perceber, e transmitir, aquilo que não consegues exprimir?
O Marcelo e a Mallu [Magalhães] são daqueles pilares na minha vida, como o Henrique. Somos muito amigos e damo-nos muito bem. Eles também me ajudam a ver coisas que às vezes não consigo ver. Neste caso foi isso [o poema]. Falei com o Marcelo a pedir essa ajuda e ele conseguiu dizer exatamente aquilo que eu não estava a conseguir.
Como é que este disco vai soar ao vivo? O primeiro concerto é já no Lux, no dia 16 de maio.
Vai ser muito bonito, acho eu. Vou tocar o disco na íntegra, bem como outras músicas que não fazem parte dele. Vai ter uma componente visual muito forte e que será feita pelo Rui Vieira, que assinou o vídeo [de "Boo"] e as fotografias do disco. Estou a trabalhar também para tocar mais coisas que não sejam só bateria. Vou tentar tocá-las bem, mas se tocar mal ficam já avisados de que me esforcei. Se gostarem do disco, vou recriar exatamente ao vivo aquilo que senti quando o fiz. Fiz tudo ali numa sala pequenina, fechado, muitas vezes sem ar, sabes? Com um peso no peito que não me deixava, às vezes, respirar. Ao vivo não quero dar essa carga, que não tem necessariamente de ser negativa. Vou é tentar passar como me senti quando estava a criar este disco.
No primeiro episódio do "Clube Atlas", o Branko faz um exercício com o Francisco Rebelo e desafia-o a enumerar as bandas das quais faz ou fez parte. Decidi fazer o mesmo contigo, mas não diretamente, e contei quase duas dezenas [de Yellow W Van a Banda do Mar]. E o número de projetos com os quais estás envolvido é sempre um dos pontos destacados quando surge o teu nome. Essa ressalva alguma vez te prejudicou, no sentido em que não foste convidado para algo com o receio de já não teres tempo para mais?
As pessoas acham sempre que tenho muita coisa, e nem sempre tenho. Eu preciso de trabalhar, não é? Às vezes fico ansioso que o telefone toque. Sei que ele pode não tocar porque há quem pense que estou sempre ocupado. E nem sempre estou. Mas também percebi, e isso foi um dos grandes motivos deste disco, que nem sempre é preciso estar ocupado para nos sentirmos bem. Faz bem a dose certa de equilíbrio das coisas — o Carlão fala disso neste disco. [Se essa ideia] me prejudica? Posso às vezes ter menos trabalho, mas felizmente também tenho sempre coisas para fazer. Fico muito contente por estar em tantos projetos, de ter tanto envolvimento em tantos deles, de ter estado em bandas de que gosto, e não guardo nada de mal de nenhum deles. Foram coisas que me ajudaram a criar o meu eu.
Mas fez-me bem parar um bocado, descansar. Comprei uma televisão há um ano e meio e só agora percebi a sensação de estar em casa a ver um filme. É fixe.
Como é que tudo começou, qual foi a tua primeira banda?
A sério foram os Yellow W Van, 1999-2000, e depois foi sempre a andar.
O que é que cada uma te acrescentou, enquanto músico ou produtor?
Todas, de certa forma, ajudaram a definir a minha maneira de ser. Tentei aproveitar todas as experiências de forma criativa. Estive em muitas coisas como uma esponja: a tentar absorver, a tentar perceber os métodos de trabalho das pessoas, a ouvir as conversas com atenção, a tirar apontamentos das bandas de que eles gostavam para ir pesquisar... Tudo isso me ajudou a criar o meu gosto musical, a ser o homem que hoje sou, o pai que sou. Todas elas tiveram uma importância muito grande na minha estrutura.
Indo um pouco ainda mais atrás, como é que a bateria surgiu na tua vida? Ou ela sempre esteve lá? Segues o ditado 'filho de peixe sabe nadar', mas podia não ter acontecido.
Ela sempre esteve lá. Pelos três ou quatro anos comecei a aprender e já conseguia tocar umas músicas; dei um concerto com cinco ou seis anos. Por isso eu não te consigo dizer quando é que a bateria não esteve na minha vida. É o meu amor.
O teu filho mais velho também já toca?
Está ligado à música, não à bateria, mas sim à produção. É muito bom a tirar fotografias e a filmar; é muito bom em várias áreas criativas. Ele é um grande exemplo para mim e é muito especial.
Houve alguma pressão, quando começaste a tocar, por seres o filho do Kalú?
Era normal associarem-me ao meu pai ou dizerem que tinha a vida facilitada. As coisas provam-se com o tempo, mesmo nem sempre sendo bom ouvires esse tipo de coisas, que te revoltam quando és miúdo. Mas tendo uma paixão e querendo segui-la, há que ter paciência. Mais tarde vais perceber que as pessoas dizem aquilo porque é o que sentiram no momento, mas não com a intenção de te atacar ou com maldade, são maneiras de posicionar as coisas. E, às tantas, se estivesses no lugar delas, também pensavas o mesmo. Se [os Xutos] me ajudaram? Talvez. Se me fizeram a papa toda, isso garanto que não. O meu pai só me disse que se eu queria ser músico, tinha de trabalhar para isso. 'Se precisares de uma bateria, eu posso até emprestar, até tu teres dinheiro para comprar a tua bateria'. Foi nesse sentido que eles [Xutos] me ajudaram. Claro que conheci muita gente graças a eles. E para mostrar o meu trabalho também era mais fácil, porque já conhecia as pessoas, mas disso não tenho culpa. Isso foi o máximo de ajuda. Sabes que, por vezes, até senti que o caminho era mais difícil. Tinha a necessidade de mostrar mais e que valia por mim. As pessoas achavam que tinha as coisas facilitadas por estar ligado a uma banda como os Xutos. Depois passa e hoje as águas já estão separadas. Mesmo se não estivessem, eu tenho tanto orgulho neles e em estar com eles que não tinha problema nenhum com isso. Na altura, quando era miúdo, às vezes ficava mais triste porque queria ser eu, não queria ser o filho de.
Tinha a necessidade de mostrar mais e que valia por mim. Quando era miúdo, ficava mais triste porque queria ser eu, não queria ser o filho de
E o FC Porto: partilhas essa paixão com o teu pai?
Sim, sim, claro.
Como estamos a nível de esperanças com o campeonato?
Neste momento, não estamos. Mas tenho muito orgulho naquela equipa, gosto muito do Sérgio Conceição e do nosso presidente. Acreditei até há pouco tempo que conseguíamos. A semana passada [a última de abril] fiquei um pouco mais na dúvida; e não é por isso que vou amar menos o meu clube. Gosto muito de futebol, mas não ligo à parte polémica das coisas — e até é uma coisa que me entristece um pouco. Prefiro ser eu a ganhar, mas não é por não ganhar que não vou apoiar a minha equipa. Eles têm eternamente um Dragão em Lisboa.
E já pensaste em fazer um tema para o FC Porto, tu e o teu pai?
Nunca pensei porque nunca me disseram, mas no dia em que convidarem terei todo o gosto em fazê-lo.
Tendo feito parte de alguns projetos e integrando ainda vários outros, tens uma visão muito abrangente do que é hoje a produção e a indústria musical nacional. Que ponto de situação podes fazer?
Acho que estamos numa fase muito boa. Existem meios, hoje em dia, que nos permitem fazer a nossa música sem ter de ter muito dinheiro para ir para um estúdio, já o conseguimos fazer em casa. E isso faz com que toda a gente seja criativa e que miúdos e graúdos desenvolvam os seus sonhos e as suas vontades. Daí surgem sempre grandes surpresas. Nesse sentido, a música portuguesa está num ponto muito, muito interessante. E fico muito feliz, também, por sentir que o hip-hop está a ter mais espaço e que temos concertos cheios e novos discos de rock.
[Do que tenho acompanhado] o Sam lançou o disco de instrumentais, o Branko lançou um disco que gostei muito também, os Capitão Fausto lançaram um que fico muito feliz por estar a ter uma aceitação tão boa; admiro muito a carreira de novos artistas como o ProfJam, o Holly Wood, o Dillaz. Não fico agarrado a um disco, mas oiço tudo e de toda a gente sempre que posso; e vou sempre de coração aberto.
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