Já ouviu falar de Lanjarón? A pequena aldeia espanhola ficou conhecida por ter ilegalizado a morte em 1999. Seguiram-se Biritiba Mirim, no Brasil, em 2005, Cugnaux (2007) e Sarpourenx (2008), em França, ou Falciano del Massico (2012), em Itália. Mas estes não foram os primeiros nem os últimos casos de localidades a ilegalizarem a morte nos seus perímetros.

O primeiro caso conhecido deste tipo ocorreu na ilha grega de Delos, no século VI antes de Cristo. O então tirano de Atenas, Pisístrato, pretendia purificar a terra e entregá-la à adoração dos deuses, removendo as antigas sepulturas próximas do tempo de Apolo. Um século depois, decorreu a remoção dos corpos enterrados em toda a ilha e foi proibida a morte (assim como o nascimento de crianças).

A chamada "purificação ateniense", segundo o historiador Tucídides, levou à remoção de cadáveres apenas no espaço com vista directa para o templo de Delos, após o que foi decretado que ninguém ali podia morrer ou dar à luz, devendo em ambos os casos as pessoas serem levadas para a ilha vizinha de Rineia.

Séculos passados, em 1555, o Japão adoptou uma postura religiosa semelhante. Na sequência da única batalha que afectou a ilha de Itsukushima, os corpos e o solo contaminado por sangue foram removidos.

A ilha, considerada sagrada pela religião xintoísta (e onde está um seu santuário património da UNESCO), ficou então proibida de ter nascimentos ou mortes, numa decisão que se manteve até 1878. Actualmente, no entanto, as grávidas ou os idosos são retirados da ilha, porque esta ainda não tem hospitais ou cemitérios.

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Já nos anos de 1930, a cidade noruguesa de Longyearbyen introduziu igualmente legislação a antecipar as mortes no local. Longyearbyen é uma pequena cidade no Ártico, pólo turístico na ilha de Spitsbergen, no conjunto das Svalbard, e conta actualmente com cerca de 1.800 habitantes. É a cidade mais setentrional da Terra, ficando muito perto do Pólo Norte.

Ao contrário da purificação religiosa na Grécia ou no Japão, a decisão foi de saúde pública: os corpos enterrados no frio gelado da região, que se mantém durante todo o ano, não se decompunham normalmente debaixo dessa terra gelada (denominada de "permafrost" ou permanentemente gelada) e ficavam preservados.

Assim, as pessoas doentes ou à beira da morte passaram a ser transportadas para outros locais na Noruega para ali falecerem e serem enterradas. Se morrerem na cidade, serão igualmente transportadas para serem enterradas noutra localidade.

As razões mais recentes para proibir a morte local têm outros contornos, mais políticos e de financiamento público.

Em 1999, a espanhola Lanjarón declarou o fim da morte aos seus 4.000 munícipes. Apesar do então seu presidente José Rubio declarar que "aqui não se morre, porque Lanjarón é vida e saúde", o que ele pretendia era obter financiamento para comprar terrenos e poder alargar o cemitério municipal.

O exemplo não demorou a alastrar à vizinha França, com três cidades a imitarem e a aderirem à mesma causa.

Em 2000, Le Lavandou aprovou uma lei anti-morte na localidade quando lhe foi negada uma extensão para o cemitério local por questões ambientais. "Uma lei absurda para contrariar uma situação absurda", comentou o presidente da junta.

Pelas mesmas razões, seguiram-se Cugnaux, em 2007, e Sarpourenx em 2008. Philippe Guérin, então presidente da freguesia de Cugnaux (perto de Toulouse), comentava que "temos um problema muito mau". A autarquia queria alargar o cemitério para terrenos não usados por uma base aérea mas não conseguia obter a aprovação do ministério da Defesa - pela existência de um depósito de munições perto -, que não se opôs ao licenciamento para ali ser construído um supermercado.

Neste cenário, "porque é absolutamente estúpido autorizar um supermercado mas não um cemitério", como referiu Guérin, a localidade avançou para a proibição de ali se morrer. Cugnaux tinha dois cemitérios, um com 727 campas e outro com 749. Mas só sobravam 17 pelo que, "ao ritmo anual de 60 mortos", explicou Guérin, o novo cemitério era um assunto urgente.

Nestes casos, a pressão mediática é igualmente vital - e um município que defende a proibição da morte é naturalmente notícia. Guérin enviou rapidamente a sua proposta para os media e, mesmo sabendo que ela seria considerada ilegal, obteve cobertura mediática em França, Suíca, Espanha, Itália, Bélgica e até de uma televisão japonesa. Três meses depois, recebeu uma carta do responsável municipal. "Ele tinha autorizado o cemitério", disse. Mas, oito anos depois, Cugnaux ainda não tem o prometido cemitério.

Sarpourenx adoptou uma postura similar após um tribunal proibir o alargamento do cemitério local mas, ao contrário dos antecessores, previu mesmo penalizações. O presidente da junta, Gérard Lalanne, não especificou que penalizações seriam essas mas o aviso a 13 de Fevereiro de 2008 foi o suficiente para alarmar os 260 habitantes locais.

"Todas as pessoas sem um lote no cemitério e que desejem ser enterradas em Sarpourenx estão proibidas de morrer na paróquia", disse Lalanne, devido ao esgotamento do espaço do cemitério. "Os infractores serão severamente punidos".

Lalanne tinha então 70 anos e morreu 10 meses depois. Não se sabe se tinha um lote no cemitério. A sua lei só foi revogada dois anos depois, em Março de 2010.

Em Itália, resolução idêntica para problemas semelhantes. A pequena Falciano del Massico no sul do país, perto de Nápoles, quis suspender a morte dos seus habitantes em 2012, enquanto resolvia um problema sobre o cemitério partilhado com uma localidade vizinha, num processo que se arrastava desde 1964.

"Infelizmente, dois cidadãos idosos desobedeceram", disse o responsável camarário, Giulio Cesare Fava, para quem a posterior construção do novo cemitério "trouxe felicidade" aos quase 4.000 habitantes.

Também no sul italiano, Sellia - com cerca de 550 habitantes e a maioria acima dos 65 anos - impôs multas a quem não tomasse as devidas precauções para se manter vivo, como ir regularmente ao médico. O objectivo era também evitar o despovoamento local.

A decisão de Agosto de 2015 declara ser proibido ficar doente ou morrer no município. A multa anual é de 10 euros mas, segundo o presidente Davide Zicchinella, "aqueles que não tomarem boa conta de si próprios, ou que tenham hábitos que sejam contra a sua saúde, serão punidos com mais impostos". Mais de 100 pessoas registaram-se imediatamente para efectuarem exames clínicos.

Em simultâneo, a autarquia ofereceu alternativas como a criação de uma clínica local ou de uma rede de transportes para acesso aos hospitais. Sellia teve outras ideias inovadoras, como ser das primeiras localidades em Itália a oferecer acesso gratuito à Internet ou ter uma das melhores taxas de reciclagem do país.

Se esta parece uma abordagem estranha ou europeia, é bom recordar que, há 10 anos, a cidade brasileira de Biritiba Mirim teve uma opção semelhante. A ideia de quem ali vivia não poder morrer visava melhorar a qualidade de vida dos seus 28 mil habitantes, evitar as mortes precoces e obter mais espaço no cemitério já bastante preenchido. Apesar de não visar os mortos, os seus familiares seriam multados ou mesmo presos.

A decisão era também sanitária: os lençois freáticos que atravessam a cidade são essenciais para a população de São Paulo. Mas as autoridades governamentais não se decidiam a construir o novo cemitério numa cidade em que 98% é reserva ecológica, mesmo após uma decisão das entidades ambientais de que não iria afectar o abastecimento de água a São Paulo.

A proposta de lei, à semelhança dois anos depois da francesa Cugnaux, visava a pressão mediática. "Claro que a proposta é divertida, inconstitucional e nunca será aprovada", dizia na altura o assessor do município, Gilson Soares de Campos. "Mas pode-se pensar numa melhor estratégia de marketing para persuadir o governo a modificar a legislação ambiental que nos impede de construir um novo cemitério"?

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