Ouça aqui o episódio do podcast Um Género de Conversa com Ana Matos:

Ana Matos cresceu numa família altamente politizada e conta-se que deu os seus primeiros passos na prisão de Caxias, onde a mãe esteve presa por se opor à ditadura. “A liberdade é um valor que respeito e reivindico a cada dia. Naqueles três meses, fui filha daquelas mulheres todas. E isso fez também com que tivesse muita vontade de ser mãe”. A vida trocou-lhe as voltas e a possibilidade biológica de o fazer não se concretizou. “A primeira coisa que pensamos quando acontece algo assim é: ‘Porquê? Logo eu, que quero tanto ser mãe, que toda a vida quis, e de repente não consigo, nem com as fertilizações in vitro’. Há uma primeira fase de revolta, mas tem de existir logo, acho eu, também uma fase de aceitação. Dizer assim: eu não estou a ser castigada”, conta Ana Matos. “A questão da culpa está muito presente na sociedade por causa da matriz cristã. Mas porquê eu? O que é que fiz? Existem logo estas associações e pensamentos”.

Aos 51 anos de idade, ainda se emociona a falar sobre esta experiência, embora se sinta “pacificada”. Sabe que a infertilidade é um tema tabu, cheio de silêncios e de sofrimento, e foi a vontade de abrir e de normalizar o diálogo sobre isto que a levou a aceitar relatar a sua história nestes 50 minutos de conversa com Patrícia Reis e Paula Cosme Pinto. “Nos últimos anos, a vida deu-me a possibilidade de sentir que tenho esta limitação do corpo, esta traição que a vida me deu, mas que também tenho outras coisas e que existem outras formas de realização”, explica a ex-engenheira informática, que, em 2003, decidiu abandonar essa carreira para estudar Arte e abrir a deveras acarinhada Galeria das Salgadeiras. “Muitas vezes, fala-se da maternidade a partir desta ideia de nos continuarmos. Isso não acontece só com a maternidade. É uma questão importante, não passa só pela maternidade biológica, passa pelas relações que se criam, por exemplo, com os enteados, com os sobrinhos. Com todas as pessoas com as quais queremos partilhar a vida, até mesmo com os artistas com quem trabalho”, defende Ana Matos. “A vida acontece e isso é a magia. A felicidade é uma coisa que construímos de acordo com as circunstâncias”.

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