A 'première' absoluta está marcada para o Auditório de Espinho e, depois de passar por essa sala do distrito de Aveiro, seguirá para Lisboa, Coimbra e Setúbal, sempre no âmbito do festival Misty Fest.

Em palco estarão outros músicos da Noruega e de Portugal – é, aliás, das duas primeiras letras do nome desses países que se forma a designação oficial do novo coletivo – e o repertório será constituído por temas da autoria não só de Rão Kyao e Karl Seglem, mas também do guitarrista Francisco Sales, que os acompanhará nos quatro espetáculos.

Quando questionado pela Lusa quanto ao estilo próprio da nova orquestra, o músico norueguês responde também com perguntas: “Esta mistura de música é única, uma máquina sonora ‘transglobal’? É uma viagem simultaneamente acústica e elétrica, uma nova abordagem para criar música universal que não se possa pôr com facilidade dentro de uma caixa ou género? É música folk contemporânea? Ainda não sabemos – e isso é excitante”.

Rão Kyao, por sua vez, realça que a sonoridade própria do grupo evoluiu naturalmente a partir de experiências anteriores com Karl Seglem. “Já colaborámos antes, há uns 10 anos, e tínhamos esta ideia de voltar a fazer qualquer coisa juntos”, revela.

O norueguês confirma: “Quando a Rainha Sonja e o Rei Harald da Noruega visitaram Portugal em 2008, eu fui convidado a protagonizar um concerto em representação do meu país e o Rão representava Portugal. Encontrámo-nos, tocámos e depois demos alguns concertos no ano seguinte. É mais do que tempo de o fazermos outra vez”.

Rão Kyao reconhece que o artista norueguês “não vive propriamente ao virar da esquina”, mas afirma que a internet facilitou os preparativos do espetáculo. “Fomos descobrindo juntos os temas adequados ao projeto: eu escolhi uns, ele outros e, mesmo antes de nos juntarmos ao Francisco, já tudo se começou a encaixar”, explica.

Tendo começado por se afirmar como executante de saxofone tenor, Karl Seglem sempre conciliou o instrumento com a composição musical e poesia, e destacou-se depois ao introduzir nos seus espetáculos a sonoridade própria dos cornos de cabra, numa escolha que combina com a inspiração que diz retirar sempre da vida e natureza da Escandinávia.

“O sax-tenor é o meu instrumento principal, mas os cornos de cabra acrescentam mais cores à minha paleta de sons e fazem ressoar algo muito antigo dentro de mim. Adoro-os por serem tão minimalistas na abrangência e isso desperta-me a vontade de procurar obter novos sons a partir deles – e a partir de mim. São os sons de algo muito mais velho do que eu – muito mais velho do que todos nós”, declara o norueguês.

Mais recentemente, Karl Seglem também tem explorado o timbre específico da rabeca de Hardanger, pelo que em Portugal se fará acompanhar por um intérprete desse instrumento de cordas tradicional da Noruega, Erlend Viken, e também por dois percussionistas, Kaare Opheim e Hallvard Gaardloes.

“Estou ansioso por tocar com o [percussionista português] Ruca Rebordão, com o grande homem da guitarra que é o Francisco Sales e, claro, com o Rão, que é um flautista de classe mundial e uma lenda, com um som absolutamente único”, salienta o artista norueguês.

Considerando que “The NOPO song”, o primeiro tema do coletivo, tem sido “muito bem recebido”, tanto Karl Seglem como Rão Kyao esperam agora que o projeto possa ser levado a mais salas, inclusive às da Noruega, e evolua depois para a gravação de um disco, do qual fará parte um segundo single prestes a ser lançado.

O músico português não quis comentar a estratégia cultural do Governo luso porque “isso dava pano para mangas e ia estragar a boa energia” da entrevista, mas teceu algumas considerações sobre as políticas da Noruega no mesmo setor. “Todos estes concertos vão ser possíveis porque o Karl tem uma grande capacidade organizativa, que vem não só dele, mas também das facilidades que o governo norueguês dá a projetos deste tipo, que visam promover a música do país no estrangeiro”, explica.

Rão Kyao nota ainda que o seu colega não sofreu das mesmas angústias dos músicos portugueses face aos cancelamentos motivados pela pandemia de covid-19: “Ele também ficou em casa, mas não da mesma maneira que os artistas aqui em Portugal, onde houve situações inclassificáveis, muito complicadas, que obrigaram muita gente a desistir ou a arranjar atividades paralelas para sobreviver – e, mesmo assim, a muito custo”.

No Auditório de Espinho e nos palcos seguintes, os dois artistas procurarão agora esquecer esses “sacrifícios”. “Tento sempre não parar muito por causa dos aplausos e essas coisas. Quero que o público ‘esteja’ na música, ‘siga’ a música. E como o nosso concerto é sobretudo instrumental, o espectador pode criar as suas próprias imagens e histórias. A música é uma grande força – não precisa de explicações ou muitas palavras”, conclui Karl Seglem.

*Por Alexandra Couto, da agência Lusa