O livro, coordenado pela mulher do antigo deputado e combatente antifascista, Maria Emília Brederode dos Santos, pelo filho, Miguel Medeiros Ferreira, e pela historiadora Maria Inácia Rezola contém, além das entrevistas e artigos de opinião publicados nos jornais, um conjunto de textos inéditos sobre a forma como viveu os últimos anos, após ser-lhe diagnosticado um tumor no pâncreas em 2011.

“Chorei docemente no domingo, 10 de abril de 2011. Um limite qualquer foi fixado na minha existência. Não foi sequer um choro de revolta, pois sabia ter abusado, mas uma espécie de afago triste a mim mesmo. O meu filho chegou na altura em que tinha lágrimas mais soltas e visíveis”, escreveu Medeiros Ferreira nas “notas soltas”, inéditas, incluídas na parte final do livro.

O lado humano do homem político, com as fragilidades e angústias comuns a quem luta contra uma doença grave, sobressai nas notas que a família do antigo dirigente do PS e do PRD decidiu agora tornar públicas.

Em outubro de 2012, de férias com a mulher em Chipre, Medeiros Ferreira enaltece os “bons mergulhos, como se tudo fosse normal”, apesar de se mostrar consciente que, de facto, “o não é”.

“A natureza avisou-me da aproximação do fim. A doença revelada não podia ter sido mais eloquente: tinha um cancro na cabeça do pâncreas com dois centímetros! A operação não conseguiu a ‘ressecagem/recessão’ do tumor e logo fui notificado para uma segunda operação. Ora, para mim, desde a escola primária que o ano de 2012 era um estremecimento”, escreve.

Em janeiro de 2013, Medeiros Ferreira constata que já passou algum tempo desde o diagnóstico e que a sua morte “já não será súbita”. “Dou-me conta que passei a vida a despedir-me — de locais, de pessoas, de situações”.

“O meu tempo era o do futuro e fiquei sem ele. Esses dez, quinze anos fazem falta e já sinto falta deles. Passei a viver mês a mês. Não posso olhar os meus netos sem pensar que os não acompanhei no início da idade adulta e que não farei companhia à Maria Emília para além da média baixa da esperança de vida. Como se faltasse a um dever. Gostaria de acompanhar toda a família, e o Miguel (filho) em particular, durante mais uns anos”, sublinha.

O antigo ministro dos Negócios Estrangeiros do I Governo Constitucional recorda as despedidas entre amigos, desde os Açores, a sua terra-natal, como também em Lisboa. Mas nas “notas soltas” o sentimento dominante é o de temor de não poder acompanhar a família durante mais alguns anos, desde logo a mulher.

“Vejo agora a redução da minha esperança de vida como uma falha no contrato de vida estabelecido com ela durante tantos anos”, admite.

Em maio de 2013, confessa o arrependimento por ter feito a segunda operação, diz que a convalescença foi “cheia de dores” e o que lhe vale é “quando o sono aparece” e consegue dormir a noite inteira.

E em outubro de 2013, já perto do fim, confessa: “Desde o resultado da primeira operação já morri mil vezes e mil vezes ressuscitei. Abrando a esperança com propósito, prefiro contar o tempo ao mês ou por calendários pessoais”.

No livro há também espaço para as questões políticas, com a republicação de entrevistas e artigos de opinião publicados nos jornais.

O prefácio é do professor de direito e amigo Eduardo Paz Ferreira, que além de admitir que a sua vida teria sido “bem pior” se não se tivesse cruzado com José Medeiros Ferreira, ilustrando a sua “capacidade de ironia” com uma história sobre a lista do PS para as eleições para o Parlamento Europeu em 1999, na qual figurava em terceiro lugar, depois de Mário Soares e António José Seguro.

“À pergunta sobre se não se incomodava ir atrás de Seguro, respondeu apenas: ‘Se ele não se incomoda de ir à minha frente, então eu não me incomodo”.