Iniciou-se como ilustrador e escritor em 1992. Como começou esta jornada pelo universo da literatura infantil?
Desde miúdo que sempre tive um grande fascínio pelos livros. Comecei com banda desenhada, adorava. Este fascínio talvez venha de um tempo quase como o do "Bando das Cavernas", um pouco pré-histórico, porque não havia computadores, a televisão tinha programação muito fraca e restavam os livros para a juventude da minha idade. Sempre gostei muito de escrever histórias e sempre tive este registo cartoon. Um dia, quando estava a olhar para um livro, achei que era capaz de fazer uma coisa destas. Comecei a fazer umas brincadeiras quando era miúdo e nunca pensei vir a fazer disso a minha vida profissional.
Por onde passou antes de se dedicar a tempo inteiro à escrita?
Andei no IADE, mas nunca terminei nenhum curso porque comecei a editar muito cedo. Fui diretor criativo em duas ou três agências de publicidade na altura, fiz direção de edição, andei na Ar.Co, mas acabei por estar sempre ligado aos livros. Enquanto trabalhava, fui desenvolvendo projetos e apresentando-os nas editoras.
Onde se iniciou?
Comecei pela Impala, depois passei pela Presença. Agora estou com a 20|20, também estive na Girassol. Acabei por editar qualquer coisa em várias das grandes editoras.
De certa maneira, se os livros são o Sol, o Nuno acabou sempre a gravitar à volta deles
Exatamente. Os editores atualmente já me conhecem há muitos anos e lembram-se de eu andar de fatinho e gravata, com a pasta cheia de projetos a apresentar, o que era uma coisa rara na altura. Normalmente, o que acontecia é que os editores da velha guarda iam às feiras — como a de Bolonha ou de Frankfurt —, traziam os livros e traduziam-nos. Os autores portugueses eram só pessoal da velha guarda e pouco mais. O que aconteceu é que, de repente, apareceu ali um tipo a apresentar projetos — ainda por cima todos eles já muito bem elaborados, escritos e ilustrados — e a propor ao editor que também participasse no projeto. Isso era uma coisa nova na altura. Um ou dois diretores acharam essa ideia mais interessante e comecei a trabalhar com eles. Trabalhei com cada editora sempre à volta de seis anos, em que desenvolvemos imensos projetos. Entretanto, há oito anos, fui convidado pela 20|20 para fazer o projeto do "Bando das Cavernas", em que realmente posso dizer que é o que tem tido mais sucesso. Estamos quase com um milhão de livros vendidos, só no nosso país, o que é uma coisa absolutamente fabulosa.
"Fala-se da imaginação do autor, mas é muito importante a de quem o lê. É o conjunto das duas que faz resultar um livro"
Como surgiu a ideia para o “Bando das Cavernas”?
A editoria analisou o que eu já tinha feito e teve a ideia de fazer um projeto para estimular o gosto pela leitura nos miúdos, exatamente o oposto do que me aconteceu. Se eu não tinha mais nada, só os livros, os miúdos agora têm imensas coisas giras, tecnologia, filmes, jogos, e quisemos conceber um livro que fosse dinâmico e que também fizesse parte do dia a dia. Por isso é que os livros têm de jogar um pouco com as mesmas armas dos jogos. Ou seja, cores vibrantes, as histórias têm de ser impactantes, têm de ter interesse, sem "palha" pelo meio. As únicas coisas que os livros não transmitem são som e movimento. Esse é um desafio que se faz aos leitores, aí é que entra a sua participação. Nós, com um filme, andamos atrás dele, não precisamos de imaginar nada, basta olhar, somos passivos. No livro, o jogo passa por eu, o autor, propor os conteúdos e o leitor imaginá-los. É o que tento fazer quando vou às escolas, propor aos miúdos que entrem no espírito do livro, imaginem-no. Fala-se muito da imaginação do autor, mas é muito importante a de quem o lê. É o conjunto das duas que faz resultar um livro.
Quanto a essa vontade de estimular a leitura entre os mais novos, os próprios livros têm mecanismos que o facilitam, como é o caso das frases destacadas com outra grafia. Como é que gere a sua vontade criativa com a necessidade de manter esse lado pedagógico?
Eu gosto muito de escrever para idades a partir dos 7 ou 8 anos, em que já se pode ter um discurso mais elaborado, mas eles ainda se deslumbram muito. Estão naquela fase em que querem ansiosamente aprender. O desafio é que nós, enquanto vamos crescendo, vamos criando filtros que nos vão impedindo de escrever algumas parvoíces, algumas brincadeiras, mas eu tento pôr-me no lugar dos miúdos. O que é eu, se tivesse oito ou nove anos, neste tempo atual, gostaria que me contassem? Quero evitar aquela pose de alguém adulto a contar uma história, a moralizar. Pelo contrário, quero parecer um miúdo da idade deles a contar-lhes uma coisa. E não é fácil, às vezes, tirar esses filtros e contar uma história numa linguagem simples.
Pensa que se trata de uma postura mais humilde perante o público?
Sim, porque podemos fazer esse jogo. Temos a experiência da idade e podemos usá-la tecnicamente para aquela faixa etária, mas não precisa de ser um adulto a falar para os miúdos. Costumo dizer que o livro é como se fosse um amigo, que fala a mesma linguagem. A ideia para mim nas histórias é que vamos de A a B, é muito importante que tenham uma espinha dorsal bem definida para os miúdos saberem que partem daqui e, por qualquer motivo, chegam ali. Mas pelo meio, acontece uma série de coisas que toda a gente gostaria que acontecesse numa aventura e vão aparecendo as mais diversas personagens. Além disso, algumas vezes vou buscar e no final do livro explico quem são, algumas antigas, outras da geração dos pais, encruzadas dentro da própria história. E depois há também uma série de brincadeiras fonéticas, porque a nossa língua é muito rica. Por exemplo, num dos livros há uma parte em que dizem "vamos atravessar este vale por um prado de ervas rasteiras, porque ali há picos e por aqui é mais fácil". Só que essas ervas são um bocado maléficas e passam mesmo rasteiras às pessoas.
Os seus livros são sempre pontuados por uma série de referências à cultura popular nacional e, por outro, mecanismos de humor mais subtil que talvez os mais novos não apanhem à primeira, mas os mais velhos e os pais sim. É uma forma de universalizar o interesse do livro, de torná-lo mais apelativo a diferentes idades?
É mesmo esse o objetivo. O "Bando" — apesar de ser indicado para idades a partir dos sete até aos 11 anos — consegue ir muito mais além e até "aquém". Já tive escolas onde me perguntaram-se não me importava que os meninos do primeiro ano, por exemplo, que têm cinco, seis anos, assistissem. Eles ainda não lêem muito bem, mas adoram os bonecos e as ilustrações, os pais lêem e eles gostam, mesmo que não percebam a mensagem. No entanto, já me aconteceu miúdos de 13, 14 anos, já no segundo ciclo, dizerem que gostam dos meus livros por aquele pormenor mais elaborado ou aqueloutro. A ideia é que há vários níveis de prazer, o que apanha várias gerações, muitas vezes dos pais e dos avós, porque vou buscar coisas interessantes. Por exemplo, num dos livros, "O Labirinto", aparece uma espécie de minotauro que é o "Meninotauro", tendo colocar referências e fazer brincadeiras com as figuras mitológicas. E depois, ao longo de toda a história, o grupo anda à procura de animais exóticos e o último que têm de encontrar é uma barata gigante. Eles deparam-se com um homem que, ao longo da história, se vai transformando numa barata. Está-se mesmo a ver quem é.
O Gregor Samsa?
Neste caso, é o próprio Franz Kafka, que de repente quis entrar na história do “Bando” e se ofereceu para ajudá-los porque todos os anos se transforma em barata. Não interessa agora aos miúdos saberem exatamente quem foi o Kafka — se bem que explico no fim quem ele foi e que tem uma história chamada "A Metamorfose” — mas nessa fase o que interessa é que fixem o nome. Um dia, mais tarde, quando forem ler, e hão de lá chegar, vão pensar "olha, eu quando era miúdo vi isto naquele livro, que interessante". Noutra história, introduzo o Platão, mas em vez de ser a "Alegoria da Caverna", é a "Alegria da Caverna".
"As histórias surgem-me com uma limpidez enorme, talvez seja a única virtude que eu tenha"
Com as devidas diferenças, e especialmente tendo em conta esse elemento visual que introduz no livro, faz lembrar como no cinema de animação também se contam histórias com diferentes níveis de interpretação.
A ideia é "imitar" esse estilo. Como naqueles filmes da Pixar — que eu adoro, aliás — em que tanto os pais como os miúdos gostam. Porque, muitas vezes, as primeiras leituras são acompanhadas pelos pais. Ora, se eles também se divertirem quando estão a ler o livro e se virem referências que até têm a ver com eles, é muito agradável. E até pode haver conversas em que explicam que aquelas personagens, apesar daquele contexto um bocado doido, existiram mesmo. Isso é interessante porque cria uma conversa intergeracional.
Portanto, é também por aí que entra o lado pedagógico?
Os livros do Bando, à partida, parecem só mais uns livros para miúdos, mas têm muitos pormenores. A técnica aqui é levar os miúdos pelo tema que gostam, mas depois conseguimos conduzi-los para alguns lugares. Num livro tem de se aprender sempre qualquer coisa, não é? Eu, como escrevo e ilustro, há muitos anos que tenho vindo a trabalhar num conceito que é uma espécie de complemento entre a imagem e a palavra.
Desde que foi criada, em 2012, a série tem tido mais do que um lançamento por ano. Como é que consegue manter este ritmo?
Eu tenho uma capacidade de escrever histórias tal que um dia vou ter pena de parar e pensar que ainda tenho esta ou aquela por escrever. As histórias surgem-me com uma limpidez enorme, talvez seja a única virtude que eu tenha. Mas este é também um grande trabalho de preparação. A ideia é lançarmos cinco livros por ano e em agosto de um ano já sei exatamente quais são os cinco livros do ano seguinte, as datas, os temas que vamos tratar, as capas. Esta forma também me permite estar sempre a pensar em histórias novas. Se agora me disser qualquer coisa, eu posso pensar que é giro para entrar no "Bando". Muitas vezes vou buscar coisas à realidade. Uma das tribos das histórias usa "Champô e Ameaçador" porque, para se defender, faz uma poção a partir de uns bichos e põe no cabelo para intimidar os outros. Os miúdos acham isso um piadão e isso surgiu da minha filha uma vez se ter enganado no supermercado e ter dito "já levaste o ameaçador"? Há muita coisa que recolho nas escolas e depois os miúdos adoram ver aquilo nos livros. Outra coisa que adoro fazer nestes livros é que há imensos conteúdos em cada plano. A imagem não ilustra só o que se está a passar no texto. Tem muita coisa para além disso. Há histórias paralelas pequeninas, bichos em aventuras no plano de fundo e que não têm nada a ver com a história principal. E depois todos os objetos são bichos. Eu faço-o porque na fase dos oito, nove anos, parece que tudo se move, tudo tem vida, a imaginação está naquela fase ativa.
É a idade em que é fácil imaginar que o chão é lava?
Precisamente. E depois está sempre tudo a acontecer ao mesmo tempo porque as coisas são assim, tento transpor a nossa realidade complexa para dentro do livro. Se estivéssemos na rua a falar, havia um cão a passar, um pássaro a voar, uma pessoa lá ao fundo. Eu gosto dessa atividade em paralelo. Por outro lado, quero passar a ideia de que ler é para relaxar, não é para fazer a correr. Os miúdos às vezes competem para ver quem lê mais depressa e eu tento combater isso com os conteúdos, porque há muita coisa para observar. Isso permite depois uma terceira e quarta leituras e vão sempre descobrindo coisas.
Essa sua procura de preencher a ação do livro não é também uma arma para reverter essa atenção tão dispersa das crianças dos vários dispositivos tecnológicos para a leitura? Essa multiplicidade de estímulos que induz no livro é uma forma de combater isso, consciente ou inconscientemente?
A técnica é completamente diferente. No livro, temos o nosso próprio ritmo, viramos a folha à nossa velocidade. Se o miúdo quiser estar ali meia hora a ver só um plano, entretém-se. Em mais lado nenhum isso acontece. Num filme não se pode fazer isso, num jogo é também sempre a correr. Tudo bem, é ótimo, mas o livro tenta compensar, porque a própria atitude perante o mesmo é diferente. Eu coloco imensos conteúdos, mas as pessoas têm o tempo que quiserem para os absorver. Há pouco tempo recebi uma mensagem no Instagram de uma mãe cujo miúdo tinha um problema de dislexia tal que não conseguia ler, mas que começou a ler com o "Bando" porque se identificou com aquela dinâmica. Começou a ler de tal modo que a mãe me mandou um texto feito por ele. Eu fico muito contente, sabe, porque além de divertir os miúdos, se ajudar à descoberta da leitura, então é óptimo. O que me custa é ouvir "não gosto de ler". É o mesmo que me dizerem que não gostam de música. Isso não existe. Quanto muito, não gostam de determinada música. O livro é o mesmo.
Com a pandemia, essa atividade ficou interrompida, mas ao longo do seu percurso tem-se desdobrado em visitas às escolas do país para apresentar os seus livros. Em que consistem e que feedback recebe das crianças?
Para mim, é fundamental, e eu nunca deixei de fazer as sessões porque mudei-as para o online. Houve sempre muitas solicitações de professores, até para os miúdos descontraírem das matérias. As sessões são muito importantes para mim, porque este é um trabalho solitário, o trabalho de autor é o eterno confinamento (risos). É muito gratificante uma pessoa ir a um auditório apresentar para 200 ou 300 miúdos. E as apresentações que faço são com imagens projetadas, é muito gráfico, vou contando uma narrativa que não é uma história, mas que explica o mundo do "Bando". Regra geral, os miúdos ficam muito interessados e até motivados para a leitura, que é o que mais me interessa. Posso dizer que nas sessões online, fui convidado pelo Instituto Camões para um projeto de divulgação da língua portuguesa e descobri um mundo que confesso que desconhecia.
"Há muito escrever porque se sabe escrever e pouca preocupação com quem vai ler. Eu tento evitar isso"
Qual foi?
Fiz apresentações por Zoom para Nova Iorque, Boston, para a Califórnia e também para Guadalajara, no México. Eles mandaram-me um relatório e aquilo teve uma visualização brutal, de 20 mil pessoas nas sessões. Como os livros estão na Amazon, a comunidade e as escolas portuguesas também podem comprá-los. Aliás, fiquei a saber que nos EUA há muitos americanos que escolhem não o espanhol, mas o português como segunda língua. Até me pediam para falar mais pausadamente, para perceberem. Todo esse retorno é muito estimulante, dá força para continuar.
No seu entender, contraria aquele cliché do "artista que escreve para si"?
Mais ainda, eu conheço muitos autores e sinto que tenho um paradigma completamente diferente. Não penso "nos meus livros" ou que vou escrever um livro porque estou muito inspirado. Acho que sei escrever uma boa história, domino a técnica mas ponho-a ao serviço de qualquer coisa. Tem de ter um objetivo, não é porque me apetece escrever. Se é para pôr os miúdos a ler, já tenho um farol. Quem sou eu para estar a criticar seja quem for, mas vejo imensos livros em que sinto que os textos são muito pesados para crianças de sete ou oito anos. E às vezes as ilustrações são lindíssimas, mas também são talvez demasiado elaboradas ou estilizadas. Algumas eu até expunha no meu escritório se mas oferecessem, mas para um miúdo de sete a dez anos acho que não lhe dizem muito. Há muito escrever porque se sabe escrever e pouca preocupação com quem vai ler. Eu tento evitar isso. A história e os desenhos são para os miúdos, porque isso é que os bonecos são muito cartoon, com cores vivas.
Desde que se iniciou nesta área, como é que avalia o percurso do mercado nacional no livro infantil desde então?
A evolução é gigantesca — e é ótima. Eu venho de um tempo em que era muito difícil o autor português editar livros, a não ser que viesse da velha-guarda. Há 25 anos não havia autores novos a surgir. Hoje em dia há imensos e muito bons e eu acho que os próprios pais perceberam a importância dos miúdos lerem. Além disso, eu lembro-me de ser miúdo, ler livros e, invariavelmente, nunca terem nada a ver com a nossa cultura. Costumavam ser importados, em particular dos países nórdicos. Ou então eram os nossos livros que, coitadinhos, eram muito feios, muito a preto e branco, muito pesados. Começou-se a perceber — e até se deu a volta, acho eu — que agora se valoriza mais o produto português e os miúdos identificam-se. O passo que falta, para mim, é o da internacionalização.
"Esse é outro problema que temos, de [achar] que só é bom o que chega a uma pequena elite, o que chega a toda a gente é popularucho"
Fala de estreitar laços, por exemplo, com os países da Comunidade de Países de Língua Portuguesa? Ou fala até num âmbito mais alargado?
Mais alargado. Eu já fiz uma série de sessões para Angola e Moçambique, e agora vou fazer para São Tomé e Príncipe. Falta-me o Brasil, ainda não fiz nada. Na CPLP funciona porque não é preciso haver tradução. No entanto, já fizemos a experiência e colocámos alguns livros em inglês e em espanhol, mas a pandemia veio baralhar isto. Agora que já chegámos a este ponto e que temos trabalhos de muita qualidade, porque é que estamos sempre a importar? Porque não exportar também? Faz-me lembrar o exemplo da música portuguesa, que no meu tempo ninguém gostava, era sempre uma seca, e hoje em dia dificilmente alguém faz melhor do que nós por esse mundo fora. Tudo isto é uma questão de mentalidade, temos de dar esse passo.
Tendo em conta os seus antecedentes profissionais e a forma como planeia o seu trabalho, parece ter uma costela de empresário. Para si, o trabalho como escritor vai além de escrever?
Sim, mas é porque eu não faço mais nada a não ser escrever. Nós temos de mudar o paradigma. Ninguém vive do ar, nem a editora vai lançar livros meus só porque sim. Aquela coisa de dizer que se é escritor... as pessoas acabam sempre por ter de fazer algo mais para sobreviver. A questão é que fazer algo para chegar às grandes massas não é necessariamente negativo. Esse é outro problema que temos, de [achar] que só é bom o que chega a uma pequena elite, o que chega a toda a gente é popularucho. Não, o que temos é de fazer uma coisa com qualidade, mas que seja acessível a todos. Isto leva-nos mais longe, porque o problema da Cultura é sempre esse, dizemos que as pessoas não têm paciência para coisas culturais porque o discurso é sempre muito fechado e não apela. Por outro lado, eu vou a sítios onde a maioria dos autores não vai, bairros problemáticos. Não ir é errado, os miúdos são iguais em todo o lado. O tipo de apresentação que eu faço, como é muito visual, resulta. Já tive coisas fantásticas, professores a dizer-me "não leve a mal se acontecer isto ou aquilo, é muito difícil" e no final os miúdos vêm ter comigo a dizer que adoraram, outros dizem que já tentaram escrever um livro e nem os professores sabiam disso. A questão é que não deve haver limites para a imaginação.
"É um erro pensar que a criatividade só serve para a arte. A ciência necessita de imaginação, a saúde também"
Sente que as escolas limitam-na?
Os professores não têm culpa, têm planos a cumprir e acabam por explicar como se fazem histórias e isso é algo que eu acho muito redutor, os miúdos saem muito formatados. Devia haver disciplinas ligadas à criatividade onde cada um podia fazer o que quisesse.
Não estará também isso relacionado com a progressiva viragem do ensino para formação técnica, descurando aspetos como a criatividade ou a expressão?
É um erro pensar que a criatividade só serve para a arte. A ciência necessita de imaginação, a saúde também, para encontrar soluções. Quem estuda, quem pesquisa precisa de imaginação, porque permite ver além do óbvio.
O tema da cultura costuma andar de mãos dadas com uma suposta falta de hábitos de leitura da população portuguesa. No entanto, é um autor que vende muito em Portugal. Quais pensa serem as razões?
Há dois ou três fatores que ajudam. Um deles é que estes livros são para miúdos que começam a ler e, quando se está a aprender, há uma maior apetência, porque se descobriu que se consegue fazer uma coisa diferente. Há um antes e um depois, como que um clique, e, quando acontece, o que os pais querem é incentivar isso, fazê-los descobrir o que gostam e o que não gostam. Os miúdos normalmente gostam de coisas divertidas e cores vivas. O "Bando" está direcionado nesse sentido, é de propósito, não é por acaso que não usamos determinadas cores. Por outro lado, diria que o sucesso da coleção é 50% responsabilidade da editora — porque em qualquer sítio onde vá no território português onde haja livros, há exemplares do "Bando”. Esse é um trabalho de distribuição e divulgação da editora. Claro que há um grande retorno, quase um milhão de livros é muito dinheiro.
E quais são os outros fatores de sucesso?
A literatura que se propõe como obrigatória nas escolas muitas vezes é terrível para os miúdos, porque lhes dá uma primeira experiência de leitura má. Havendo já uma resistência natural, obrigá-los a ler aquilo é, para mim, desajustado.
Má porquê? Considera-a demasiado densa?
Sim e o "Bando" serve quase como escape a livros que não lhes dizem nada. Por outro lado, nas escolas, uma nova geração de professores já tem uma mente mais aberta querem só que os miúdos leiam, sejam "Os Maias", seja o "Bando das Cavernas". Não acho que haja problema algum que se comece a ler banda desenhada quando se é miúdo, desde que leiam e descubram esse prazer. A evolução será gradual e natural. Lá está, um dia chegam ao Kafka e gostam. Mas não é começar por aí.
E, já agora, do que é que gosta de ler?
Eu leio muita coisa, mas por caso o que gosto mais é de literatura mais negra. Deve ser para fazer um contraponto (risos). O "Coração das Trevas", do Joseph Conrad, por exemplo, é talvez a minha escolha de eleição. Pega-se num ambiente bonito e acontecem coisas tenebrosas. Mas também gosto do Camilo Castelo Branco, do Gogol... do Lewis Carrol. A Alice tem um pouco a ver com esta loucura do "Bando", com esse imaginário surreal. Mas mais do que romance, gosto de contos. Gosto do formato e acho que diz mais do autor como autor do que propriamente os romances. O Camilo Castelo Branco, por exemplo, é uma referência nos romances, mas nos contos o homem era mesmo muito à frente do seu tempo. O H.G. Wells, por exemplo, ando a ler uns contos dele... também estou a ler a Antologia do Conto Fantástico Português. Num futuro... longínquo, vá, quando tiver uns 100 anos... tenho uma espécie de contos tipo "Bando das Cavernas" mas para os pais. É daqueles projetos na gaveta.
Falando em futuro, já vamos em 33 aventuras do "Bando das Cavernas", mais os da série "Heróis do Mundo". Até quando se vê a continuar este projeto?
Para já, não temos um limite para terminar. Estou a acabar o oitavo livro [da série "Heróis do Mundo"] e já estamos a começar o próximo da segunda série, ou seja, são pelo menos mais oito. Esta é uma coleção que não fazia sentido parar agora, está no bom caminho. Claro que tudo pode mudar daqui a dois ou três anos, ou então pode durar mais 10. Não tenho um plano, mas sei que ainda há muitos títulos que podem ser giros. Há de chegar a uma altura em que tudo tem um fim e uma pessoa acha que ficou tudo dito.
Acredita sequer nisso? Que o combustível vai acabar?
Posso chegar à conclusão que sim, ainda que não acredite. Ainda há pouco tempo estava a falar com a editora e disseram-me "Nuno, acho que o 'Bando' é para continuar para o infinito e mais além"! A vantagem destas histórias é que não têm um tema específico, cabe tudo. Qualquer ideia que pudesse ser para outro projeto cabe neste. A minha preocupação é sempre a mesma: cortar tudo para trás e encarar que cada livro é o primeiro. Se me pergunta se acho que vai acabar, da minha parte, sou um bocado doido, acho que não!
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