
Filipe La Féria dispensa apresentações, o seu nome anda de mão dada com o teatro musical em Portugal. Nasceu no Alentejo, mas foram os palcos em Lisboa que lhe prenderam o coração.
Atualmente tem dois espetáculos em exibição na capital — "A Bela e o Monstro" e "Fátima" — e "O Porto é uma Festa" a caminho da Invicta.
Recebe o SAPO24 na Porta dos Artistas do Politeama e sobe as escadas com a energia que o caracteriza. No seu gabinete, começa por mostrar uma maqueta da Capelinha das Aparições, mote para a conversa que se segue.
Para o encenador, a ópera-rock prestes a completar a 100.ª apresentação veio "numa altura em que as pessoas precisam de esperança", devido ao estado do mundo. Entre crises e guerras, recua no tempo e vai até 1917, para explicar a todos — crentes e não crentes — como os acontecimentos da Cova da Iria têm um lado "profundamente humano" e atual.
Contudo, admite que só faz o que faz pelo público, já que na política não se fia. Com "loucura e muita teimosia", continua a escrever a história do espetáculo em Portugal, país que considera deixa esquecer grandes nomes em pouco tempo.
Estamos no Politeama. Ao fim de tantos anos, já está mais em casa do que em casa?
Muito mais, mas sem comparação. Isto é a minha casa. A minha casa é o palco, a minha casa é o Politeama, embora faça outros espetáculos noutros sítios — mesmo agora estou a preparar um espetáculo para estrear no Porto.
O Politeama tem mais de 100 anos, foi o primeiro teatro após a República. Era para se chamar Teatro República, chamou-se Politeama porque foi feito por um senhor que veio do Brasil e que já lá tinha feito um Politeama. Quer dizer "todas as artes".
Com tudo isto... é a minha casa, é o meu palácio, não é? Mas eu não sou proprietário do Politeama. Quando eu vim para aqui era uma sala de espetáculos completamente abandonada. Era um velho cinema, no 25 de Abril entrou em decadência, como quase todos os cinemas, também com o advento da televisão a cores.
Com muita loucura e muita teimosia — eu sou touro, sou muito teimoso — consegui fazer um dos teatros mais belos de Lisboa, se não o mais bonito, sobretudo um teatro que o público conhece, o teatro do grande público, que trabalha sem subsídios. Eu tenho orgulho em dizer isto: o Politeama vive com o dinheiro que as pessoas deixam pelo bilhete.
É um trabalho que não tem ajudas do Estado. Acho que é um caso único e que se transformou na minha vida. Antes tinha estado na Casa da Comédia, um teatro muito pequenino com 80 ou 100 lugares.
"É preciso muito amor, muito trabalho, sangue, suor e lágrimas. Lágrimas porque é um país que não liga à cultura"

Falar no Politeama é falar em Filipe La Féria. Há um segredo para o sucesso?
O amor. É sempre o amor. Eu não gosto nada da palavra sucesso. Para ser um bom profissional e para realizarmos os nossos sonhos é preciso muito amor, muito trabalho, sangue, suor e lágrimas. Lágrimas porque é um país que não liga à cultura, completamente divorciado da cultura, quando a cultura é a própria história da nossa identidade e de sermos portugueses.
O que ficará de Portugal é a cultura. Não é propriamente o tempo em que nós vivemos, que achamos que é muito importante, mas o que fica é o testemunho da nossa geração.
Disse que o país não liga à cultura. Há esperança para o teatro?
Nós queremos ter sempre esperança, mas não. Infelizmente, os nossos políticos não são pessoas cultas. É evidente que houve uma geração mais culta de Mário Soares, do Cunhal, do Sá-Carneiro, etc. A cultura em Portugal é o futebol, infelizmente, e a televisão com aqueles programas para analfabetos. Têm grandes audiências, mas são uma exibição do primário.
Mas o Politeama ainda enche salas.
Eu faço o contrário, faço as salas pela qualidade. Acho que o teatro só existe se nós tivermos interlocutor. Pode fazer teatro com um ator e com o público, não é? Um monólogo já pode ser um teatro. Pode-se fazer o Romeu e Julieta com dois atores e o público. Já o Shakespeare também não era ajudado pelo Estado, pela Rainha. Ele contava com o público e eu, com as devidas e incomensuráveis distâncias, faço a mesma coisa. Contei sempre com o público e é ao público que tenho de agradecer o Politeama e poder realizar os meus sonhos.
Uma das suas lutas tem sido a questão da preservação dos teatros históricos em Lisboa. Lembro-me que, quando recebeu o último Globo de Ouro, até deixou mesmo um recado a Carlos Moedas. Mudou alguma coisa desde esse apelo?
O Carlos Moedas pouco pode fazer, porque ele não tem a maioria na Câmara. Já herdou o Parque Mayer, que infelizmente está todo errado — os teatros arquitetonicamente estão todos ao contrário. Portanto, pôde fazer até agora muito pouco.
Quais são os principais desafios para o teatro e, consequentemente, para todas as pessoas que nele trabalham?
A sobrevivência e fazer teatro num país que não ama a arte, em que a arte é sempre um filho bastardo. Veja quantos e quantos ministros e secretários de estado da Cultura houve e quase nem lhes sabemos os nomes e o que fizeram. Fizeram muito pouco ou nada. O dinheiro que dão para a Cultura é sempre um zero vírgula pouco do Orçamento do Estado. Nem é um bocadinho, é nada. Lutamos com a falta de importância que a política dá à Cultura.
"'Fátima' é um espetáculo que emociona muito as pessoas. Não é só para católicos"
Falava na questão dos subsídios, dos apoios. O teatro precisa disso para viver?
Eu não preciso. Acho que um dos grandes males do teatro é isso dos subsídios. Porque se uma companhia sabe que no fim do mês vai receber, portanto, se tem aquilo assegurado, torna-se um funcionário público. E a parte do artista vai embora. Não é o que é suposto.
"Fátima" é um dos espetáculos que tem neste momento em palco.
É o grande espetáculo. Estamos cá desde novembro, sempre com lotações esgotadas. Neste momento temos já quase esgotado o mês de maio, porque é o que está aberto. Tudo o que se abre, esgota.
Deu muito, muito, muito trabalho. É um espetáculo que emociona muito as pessoas. Não é só para católicos e eu acho que vem numa altura em que as pessoas precisam de esperança.
O que é que acha que leva as pessoas a precisarem desta esperança?
Estamos a ver o mundo como está, a ver Portugal como está. A Europa completamente decadente. Basta sair à rua, ver as miseráveis ali a dormirem no chão. E não é só aqui. A semana passada eu estive em Londres e há centenas e centenas de pessoas a dormir naquele frio, ao vento.
Acreditou-se e eu acredito na democracia. Mas há uma enorme crise. E sobretudo a Europa está em crise. Veja o que se passa no mundo. Nós hoje estamos aqui a conversar sobre Fátima e quantas pessoas estão a morrer na Ucrânia, quantas pessoas estão a morrer na Palestina?
Em Gaza, estamos num momento apocalíptico da humanidade. Veja os líderes, metem medo. O Trump, o Putin... Voltamos à época das grandes ditaduras, parece que atravessamos novamente os anos 30. E veja no que deu, com o Hitler, o Estaline... Portanto, é muito assustador, principalmente porque agora possuem as armas atómicas. Um simples carregar do dedo, como nós carregamos no telemóvel, e o planeta pode explodir.
"Tinha de haver um milagre, tinha de haver um fenómeno para as pessoas acreditarem. Para terem de novo fé"
Se recuarmos até 1917, ano das aparições, e formos até pelo menos 1920, também temos uma série de acontecimentos.
1917 não foi só a Revolução Russa, veio a transformação do mundo. Portugal vivia também uma enorme crise, era um país muito pobre. Era um povo quase analfabeto, que não compreendia a República.
A República era um fenómeno das cidades de Lisboa, do Porto, talvez um pouco de Coimbra. Mas o resto era um campesinato completamente analfabeto, completamente desesperado.
Na peça temos a Maria Rosa a mostrar estas diferenças, a mãe da Lúcia. Aquela mulher era uma árvore que nasceu da terra para aguentar o que era a mulher. Hoje eu estou aqui a falar com uma mulher. O que era a mulher no campo e não só, em 1917?
É o ano da guerra. O Manuel, irmão da Lúcia, estava na guerra. Milhares de portugueses morreram na Batalha de La Lys, porque os ingleses aproveitavam a nossa má preparação e punham-nos à frente. Nós éramos os escudos deles, a carne para canhão, como se costuma dizer.
Tivemos também a gripe espanhola — nós com a covid tivemos as vacinas — que matou o Francisco e a Jacinta. Arrasou Portugal.
Com tudo isto já não falo do ponto de vista religioso, mas tinha de haver um milagre, tinha de haver um fenómeno para as pessoas acreditarem. Para terem de novo fé. Procuro explicar isso na peça.
A Igreja só mais tarde reconheceu Fátima. É o povo que faz o primeiro reconhecimento. Porque é um povo desesperado, doente, com os filhos da guerra, mal alimentado, de pé descalço. Eu também sou do campo, do Alentejo, e na escola via que eu e os meus primos éramos das únicas pessoas calçadas. E eu estou a falar agora nos anos 50 e tal, 60, não é? Era uma realidade que se desenvolveu e que permaneceu até ao meu tempo.

Como é que chegou a este tema para um espetáculo? É uma coisa, como já disse, muito cultural, muito histórica.
Porque eu gosto muito de Fátima. Eu sou católico, embora a minha família também tenha um lado maçónico. Esse fenómeno acompanhou-me sempre, essa devoção, essa curiosidade. Eu lembro-me de ir a Fátima com os meus pais, ainda aquilo não era o santuário com a monumentalidade que é hoje. Lembro-me dos carros, até de dormir no carro, porque quase não havia hotéis e os que havia estavam esgotados. Lembro-me perfeitamente que aquilo me impressionou. E impressiona-me a procura do ser humano da fé.
Eu acredito que a Lúcia tenha visto tudo. Há uma frase que tenho no musical que acho muito feliz, que é "os olhos das crianças atravessam o invisível". Uma criança com a inteligência e sensibilidade da Lúcia via tudo. Ouvia tudo.
Agora, eu não discuto isso. Quer dizer, uma pessoa que não acredita, não é pelo espetáculo que vai acreditar ou deixar de acreditar. Eu apresento os factos. Acho que o teatro não é para militar uma causa. É para interrogar. É uma pequena interrogação que nós deixamos no espírito dos espectadores. Porque é que isto aconteceu? Porque é que tinha de acontecer?
Houve alguma coisa que tivesse pena de não ter conseguido incluir já neste espetáculo?
Não. É um espetáculo que eu vejo e gosto. Eu sou católico, portanto é natural que também tenha as coisas em que eu acredito. Até escrevi melhor [risos]. A história é muito, muito interessante.
Mas dava vários espetáculos, porque depois ainda há a continuação. Há muitos factos que vêm depois que eu não puxo, acabo a peça quando a Lúcia vai para o convento e quando a Igreja começa a olhar para aquele fenómeno.
Geralmente, gosto muito das coisas que faço. E os atores gostam muito de fazer este espetáculo, dão a alma, o coração, o corpo.
Mesmo as crianças, isso nota-se bem.
As crianças são geniais. Tenho vários grupos, para não fazerem a peça todos os dias. E todos o fazem maravilhosamente. São verdadeiros. Porque eles acreditam. A criança tem isso, tem um faz de conta. Se disser a uma criança "agora vamos jogar: isto não é uma cadeira, é um trono". Ela vê o trono.
Como é que chegou a estas crianças em específico?
Faço um curso de verão, todos os anos, em que preparo quatro espetáculos diferentes. Em julho e agosto. Este ano também vou fazer e é ali que vou buscar esse material todo.
"Os atores transmitem essa humanidade aos espectadores. Eles cantam aquelas canções em lágrimas"
É um desafio trabalhar com e para miúdos?
Já trabalhei, nos meus espetáculos, com dezenas e dezenas de crianças. E muitos continuam depois como atores.
Quando vão ver, por exemplo, a Bela e o Monstro, são milhares e milhares que passam por aqui. Temos sempre espetáculos todos os dias. Vêm escolas do norte e do sul do país.

Voltando a "Fátima", há um público muito diversificado também.
E está a acontecer um fenómeno muito engraçado: tem muitos estrangeiros.
Os hotéis em Portugal não divulgam estes espetáculos como fazem noutros países e é isso que nos surpreende. Por exemplo, o Bispo de São Paulo viu o anúncio no aeroporto e no próprio dia veio assistir e fez o maior elogio. É um espetáculo que, embora retrate um tema não terreno, digamos, é também profundamente humano. E os atores transmitem essa humanidade aos espectadores. Eles cantam aquelas canções em lágrimas, aquilo vai mesmo ao coração das pessoas. Como Fátima também vai ao coração das pessoas.
Daí a importância das legendas em várias línguas, para contextualizar o que se está a ver.
Sim, para as pessoas entenderem mesmo tudo.
Percebe-se pelo espetáculo que houve um processo de pesquisa intenso.
Em todos os meus espetáculos eu faço o melhor que posso. Estudo sempre ao máximo. A música foi o mais difícil, mas acho que está muito bem conseguida. As pessoas perguntam o motivo para a música rock e é só porque nos chama, chama aquele tempo a nós e ao nosso tempo. A contemporaneidade é muito importante.
"A Lúcia é mesmo a figura pela qual me apaixonei, é extraordinária. Não só pelo ponto de vista religioso, é preciso ver a personalidade dela"
Uma ópera-rock.
Sim, é um tema operático, que envolve uma multidão. Fátima é um fenómeno internacional, a qualquer lado que se vá as pessoas sabem o que foi.
Tem uma personagem favorita?
A Lúcia é a minha personagem favorita. E é uma atriz extraordinária, a Teresa Zenaida. Pode vir a ser da dimensão das grandes atrizes, daquelas míticas portuguesas. O elenco é muito bom. A Paula Sá, o Pedro Bargado, todos.
Mas a Lúcia é mesmo a figura pela qual me apaixonei, é extraordinária. Não só pelo ponto de vista religioso, é preciso ver a personalidade dela. Como é que uma miúda de 10 anos enfrenta aquele administrador? Muitas pessoas não sabem, mas antes das aparições houve a separação da Igreja e do Estado. Há uma luta entre a maçonaria e a Igreja. As igrejas foram fechadas, os padres nem podiam andar de batina. E isso também aparece no musical.
Fátima tem muito a ver com o que se passou na época e com a nossa própria cultura. Revela a personalidade do povo português, revela personagens extraordinárias. Eu acho que as pessoas, os espectadores, são apaixonados pela revelação da história e pela explicação lógica que a história tem.
A personagem do administrador, maçónico, também é fascinante. Porque ele sofre por acreditar tanto que o homem pode modificar o seu destino. E comete vários erros, o principal erro é pôr a guarda republicana a apontar as armas para o povo e para as crianças. E, depois, prender as crianças. E mais tarde, a explosão da capelinha, que nunca foi propriamente atribuída a ninguém.
Sem divulgar demasiado, não posso deixar de referir a personagem do João Frizza [um vendedor] e também a do seu pequeno ajudante. Fátima também serve para retratar os portugueses?
São duas personagens que são meio fictícias, o Bazófia e o Paneirinho. Havia mesmo esta pessoa, o primeiro homem que viu o negócio de Fátima. Mas eu não quis pôr o nome, então arranjei um fictício. É representativo, mas não vai sujar a mística de Fátima, é uma coisa separada. É um fenómeno muito profundo.
Quando estamos na sala percebemos que há todo o tipo de pessoas a assistir. Isto é mesmo uma peça para todos?
Sim, porque é como Fátima. Fátima é um fenómeno transversal, não só à sociedade portuguesa, mas à sociedade mundial.
E é para todas as idades. Eu lembro-me que era muito novo e também fui tocado pela história, por esse mistério. Como é que há um povo que acredita que Nossa Senhora aparece numa azinheira? Porquê? Era uma situação limite, as pessoas tinham de acreditar em alguma coisa e ainda o fazem.
Veja-se a atuação da Teresa Zenaida, por exemplo. Ela acredita. Os miúdos também acreditam. A própria Paula Sá, que é uma rapariga mais terrena — acho que não é religiosa —, parece-me estar a tornar-se uma pessoa diferente com a personagem.
"As pessoas precisam muito de fé. Podem destruir tudo, mas a fé é indestrutível"
É um espetáculo que pode mudar mesmo quem nele trabalha?
Sim, sim, sim. Pode mudar. É aquilo que já disse, tem a ver com essa pequena interrogação que fica na cabeça do espectador e também do ator.
É como a música, que é muito feliz, tem uma força, uma verdade que atravessa os nossos corações.
O momento que me deu mais trabalho, que me fez andar para lá do Douro e até ao Alentejo, foi para criar o vídeo [que faz de cenário]. Experimentámos a inteligência artificial, experimentámos tudo. Mas eu acho lindíssimo haver uma dimensão cinematográfica que abraça as pessoas.
Nota-se realmente que as pessoas ficam muito envolvidas com o espetáculo e até comovidas.
Há dois dias uma senhora até foi para o palco. Ela correu para o palco e ajoelhou-se naquela escada e dizia "abracem-me, abracem-me, abracem-me".
As pessoas precisam muito de fé. Podem destruir tudo — eu acabo a dizer isso —, mas a fé é indestrutível. Quando se tem fé, vai-se até ao fim. Chame à fé o que quiser. Fé religiosa, fé da pátria. Mas a fé faz o homem sublimar-se. Adquirimos outra dimensão se tivermos fé.

O reitor do Santuário de Fátima assistiu a esta ópera-rock e descreveu o que viu como uma "experiência intensa". Isto é um bocadinho a perceção geral até agora?
As pessoas gostam muito, não só as pessoas religiosas, não só o clero. Há também pessoas mais liberais, mais terrenas.
Um pouco como as próprias personagens.
Tive a sensibilidade de dar razão a todos. Porque eu acho que o administrador, que é sempre o algoz da história de Fátima, também tem as suas razões.
Também era difícil estar na pele dele. Era um homem que obedecia a uma irmandade, era outra espécie de religião. Assistiu à República, era um fiel discípulo da Carbonária, um braço armado.
Até mesmo o próprio jornalista do jornal O Século, Avelino de Almeida, que também é muito falado pela reportagem que faz em outubro de 1917.
Era um homem que não era católico, também era maçom e que se converte. É muito bonita, essa história. Dava-nos outro espetáculo. Mandam-no para Fátima para desmistificar, para fazer uma reportagem e dizer que aquilo é tudo uma encenação, uma mentira. E ele não consegue, porque vê. Ele acredita. E, na vida, nós temos de acreditar, acreditar nos nossos sonhos, acreditar no que nos faz melhores pessoas.
Qual o balanço que faz destes meses de "Fátima"?
Melhor não pode ser. É um fenómeno. É um espetáculo que está esgotadíssimo, esgotadíssimo, esgotadíssimo. Há grupos e grupos. Não acabam, não acabam mais. Não sei quanto tempo este espetáculo vai estar em cena, nos meus espetáculos nunca há data para terminar.
Há milhares e milhares de pessoas que querem ver. Porque Fátima é um ponto de atração muito forte, não só para os portugueses. É um fenómeno universal, que passa de gerações para gerações. Não é só um fenómeno da igreja, é um fenómeno da humanidade que liga todos os continentes.
"Para mim, todos os dias são dias mundiais do teatro. É a arte mais bela, mais humana, olhos nos olhos com os espectadores"
Quando encenou "Laura", disse que era o musical da sua vida, também pela admiração pela própria Laura Alves. "Fátima" consegue destronar essa opinião?
É o mesmo que perguntar ao pai se gosta mais de um filho ou de outro [risos]. Todos os espetáculos são fruto do melhor que eu posso dar naquela ocasião.
Estamos a celebrar o Dia Mundial do Teatro. Como vê este dia?
Para mim, todos os dias são dias mundiais do teatro. É a arte mais bela, mais humana, olhos nos olhos com os espectadores. E é irrepetível, nenhum espetáculo é igual ao outro.

Além dos musicais, também se dedicou a revistas.
Não fiz muitas, mas estiveram muito tempo em exibição. As pessoas adoram ver revistas. É muito português, tem muito a ver com a nossa maneira de ser. Somos um povo maldizente. Gostamos muito de criticar, é uma crítica muito política e engraçada. E os atores gostam muito de fazer revista, isso é o mais importante. Sem isso acontecem representações frias, distantes, em que o público ao fim de meia hora está a pensar quando é que acaba. Mas o ator se apaixonar, se der a sua alma, se der o seu corpo ao que está a fazer, isso prende.
Agora tenho vindo a apostar mais no musical, mas quando comecei disseram que eu estava louco, que as pessoas gostavam de revistas e não disto. E é engraçado, porque posso dizer que eu fui o causador de uma geração que agora faz musical. Fico orgulhoso de ver tantos teatros a fazerem musical, porque era um tabu em Portugal.
Consegui enraizar o musical em Portugal, fiz os grandes musicais, "Música no Coração", "My Fair Lady", que eu considero, talvez, um dos meus melhores espetáculos. Fiz todos os clássicos.
Mas eu acho que o teatro é sempre a nossa história. E quando eu falo de temas portugueses, eles chegam ao coração dos espectadores e transformam-se em grandes êxitos. Olhe, talvez seja esse o segredo.
Amália foi um êxito que teve seis anos na cena, que atravessou a Europa. Percorremos as cidades francesas, a Suíça... Portanto, quando é um tema português toca-lhes mais no coração. Qual é a origem do teatro? É os gregos que queriam dar às novas gerações a sua história, os seus mitos, sobretudo, o seu passado. Dar-lhes no presente para ser futuro.
Há futuro para o musical em Portugal?
Temos é de ver se há futuro para Portugal [risos].
E há?
Enquanto houver fé e enquanto houver esse bom orgulho de sermos portugueses, de olharmos para a nossa história, que é uma história como poucos países têm. Os portugueses são um povo extraordinário — tem a sua parte de medíocre, invejoso, triquento, mas depois tem uma alma também do tamanho do universo.
A alma, a saudade... é tudo muito português, não é?
É, isso é tudo muito nosso. É a nossa idiossincrasia.

Muitas vezes fala-se em Portugal como o país dos três F's: Fado, Fátima e Futebol.
E agora do telemóvel, da televisão, das redes sociais [risos]. Mas sim.
Já fez espetáculos sobre dois dos F's, falta o futebol?
Não sou um grande conhecedor, os espetáculos têm de me tocar um bocadinho. Já pensei nisso, mas não sei.
Um Eusébio ou um Cristiano Ronaldo.
Do Eusébio até fizeram um, mas era um espetáculo muito falhado. O tema é muito bonito, é um grande figura. Um homem que sofreu muito. Lembro-me que no tempo do Eusébio não havia este negócio do futebol, nunca ganhou grandes fortunas. Era um homem angustiado, até, que nunca foi reconhecido em todo o seu valor. Só depois de morto, como se faz aqui em Portugal. Agora põem tudo no Panteão.
"Os portugueses diminuem sempre o valor das pessoas. Só quando elas desaparecem é que se lembram"
As grandes figuras do teatro também ficam esquecidas?
A Eunice Muñoz morreu há pouco tempo e já ninguém fala nela. Falei eu numa revista que fiz no Porto e pouco mais. Nos três primeiros dias vão à televisão e falam. Depois esquecem, porque não é importante para eles.
Uma das características dos portugueses: enquanto os anglo-saxónicos têm admiração, o português é displicente. "Ah, é português?", "Ah, eu vi-o na minha rua." Mora tudo na mesma rua, não é? Os portugueses diminuem sempre o valor das pessoas. Só quando elas desaparecem é que se lembram, mas depois esquecem.
O país nunca vai esquecer Filipe La Féria?
Ah, também não estou cá para saber se esquecem o Filipe ou não esquecem [risos]. Acho que a vida humana é muito efémera. É por isso que nós temos de acreditar um pouco no sobrenatural. A vida humana... tudo se esquece.
Enquanto vivemos este milagre extraordinário que é a vida, devemos absorver momento a momento. Eu nunca fui uma pessoa de me preocupar com isso. Não sou uma pessoa de "ah, fez isto e fez aquilo". Para mim, passou, passou. Sou uma pessoa do presente, nem sequer o futuro a gente sabe.
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