Fundador há 20 anos das Edições Quasi, com uma passagem pela editora Babel, Jorge Reis-Sá criou em 2017 a editora A Casa dos Ceifeiros, através da qual dá vida a este seu projeto de compilar os poemas que sempre o acompanharam e que compõem o tecido da sua vida, para que estejam na sua mesinha de cabeceira, como explicou à Lusa.
“Nos últimos 20 anos sou editor, sou poeta e leitor de muita poesia. Há uma série de poemas de autores contemporâneos que estão comigo quase diariamente”, afirmou.
São autores que vão de Eugénio de Andrade a Vitorino Nemésio, de Adília Lopes a Ana Luísa Amaral, de Ruy Belo a Sophia de Mello Breyner, de Al Berto a Herberto Helder, de Fernando Assis Pacheco a Fiama Hasse Pais Brandão, de Alexandre O’Neill a Mário Cesariny ou Artur do Cruzeiro Seixas.
Entretanto, a ideia da antologia sofreu uma reviravolta e Jorge Reis-Sá decidiu organizá-la como uma autobiografia, dispondo os poemas de modo a que se perceba quais são os de formação, os das edições Quasi, os da passagem pela Babel, os que lhe agradam mais - como os da relação pai-filho ou os de amor - e os que têm que ver com a finitude.
“É uma autobiografia escrita com os poemas dos outros, é o que faz desta uma antologia diferente, é mais do que a escolha de poemas que gosto”, um trabalho que demorou quatro anos a fazer.
Neste volume não se encontram poetas antigos, porque quando começou a ler poesia o seu interesse prendeu-se sempre aos poetas da sua geração – os que ainda estão vivos ou só morreram após o seu nascimento (1977) -, aqueles que realmente o “influenciaram”.
A ideia inicial era fazer uma antologia da poesia portuguesa, mas a ligação estreita que tem com a poesia brasileira levou-o a incluir alguns brasileiros, oito ao todo: Adriana Calcanhoto, Alice Sant’Anna, António Carlos Secchin, António Cícero, Caetano Veloso, Carlos Drummond de Andrade, Eucanaã Ferraz e Ferreira Gullar.
Para o título do livro, Jorge Reis-Sá fui buscar um verso do poema “O sorriso” de Eugénio de Andrade, não só por ser um poema que lhe “diz muito”, mas também por acreditar que foi o sorriso que o “fez gostar de poesia”.
“É como se os poemas me fizessem sorrir, mesmo os que não são belos. Foi o sorriso dos versos que me fez entrar na poesia”.
Esta é a sexta publicação da editora A Casa dos Ceifeiros, um projeto pessoal criado com o desígnio de editar apenas o que é seu e de seu gosto, como se a editora fosse a sua casa, a que chamou dos ceifeiros, inspirado pelo livro homónimo de Daniel Faria.
“Todos os livros que um editor faz, e eu já fiz mais de mil, têm sempre condicionantes, seja o mercado, o autor, os leitores, o 'design'… um editor está sempre manietado, com uma necessidade de cumprir uma série critérios”, afirmou.
“O que quis fazer foi editar os meus livros, no sentido em que todos os que faço não têm qualquer condição que não ‘os que eu quero fazer’”, acrescentou.
Por isso, não se preocupa muito com as vendas, com o manter uma determinada calendarização ou com a divulgação da editora, pouco conhecida apesar de três anos de existência e cinco livros no mercado.
“Quero que ela [a editora] exista para um leitor que a encontre. Eu não ando à procura do leitor. É uma editora mais feita para mim do que para o leitor, é um ato egoísta”, afirmou.
O primeiro livro a ser publicado, por altura da morte de Mário Soares, foi uma compilação dos textos “mais belos” sobre o tema, da autoria de António Lobo Antunes, Clara Ferreira Alves, Eduardo Lourenço, José Manuel dos Santos e Maria João Avilez, a que juntou os discursos de João e Isabel Soares e as fotografias de Alfredo Cunha, um “objeto feito com muito tempo e cuidado”.
Depois seguiu-se “Bom dia, Tristeza”, de Françoise Sagan, com as ilustrações de Mily Possoz, que constavam da primeira edição portuguesa, da Ulisseia, de 1954, bem como uma reprodução da ficha da censura, daquela altura.
“A seguir publiquei ‘A morrer’, da canadiana Cory Taylor, um livro que fiz por razões éticas, quase políticas. É a autobiografia de alguém que queria fazer eutanásia e não conseguiu”, contou.
Os outros dois foram um livro pequeno que reúne os seus poemas mais antigos e uma antologia de Eucanaã Ferraz, em que compilou poemas sobre Portugal.
Todas as capas são sempre da autoria de um fotógrafo norte-americano chamado Lucas Foglia, que autoriza Jorge Reis-Sá a usar as suas fotos, mas não a divulgar o seu nome na ficha técnica, uma “excentricidade” que agrada ao editor, que se refere sempre ao fotógrafo como o seu “novo amigo”.
Quanto a projetos futuros, Jorge Reis-Sá avança que gostaria de publicar no final do ano uma antologia de Fernando Pessoa, organizada por Eduardo Lourenço, intitulada “Poema matéria de sonho”.
“Por outro lado, será a casa onde vou cozinhar as minhas coisas enquanto escritor. O próximo será uma antologia de contos meus, ‘A hipótese de Gaia’, inspirado numa tese ecológica com o mesmo nome proposta pelo investigador britânico James Lovelock nos anos 70”.
Outros livros que estão no prelo para publicar futuramente são “A morte de Ivan Ilítch”, de Tolstoi, com tradução de Pedro Tamen, um livro de divulgação científica sobre a estrela Nemésis, do astrofísico Donald Goldsmith, e outro de Christopher Hitchens, que poderá ser uma antologia de textos ou um pequeno livro intitulado “The missionary position – mother Teresa in theory and in practice”.
Jorge Reis-Sá confessa que já se deixou ultrapassar por outras editoras, em publicações que gostaria de ter feito, como é o caso de “O Adversário”, de Emmanuel Carrère, publicado pela Tinta-da-China, e “O Imperador”, de Ryszard Kapuscinski, lançado pela Livros do Brasil, ambos em 2019.
“Creio que foi o sorriso” chega às livrarias no dia 25 de agosto.
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