
Antes de subirem ao palco de um Campo Pequeno quase esgotado os fundadores do Pólo Norte, Miguel Gameiro (vocalista, cantor e compositor) e Tiago Oliveira (guitarrista) sentaram-se para uma conversa com o SAPO24. Em palco vão contar com os convidados Mariza e Pedro Abrunhosa, apesar de não nos darem muitos detalhes sobre o que vai acontecer na grande noite.
Os Pólo Norte, juntamente com Miguel Gameiro, são conhecidos por sucessos intemporais como 'Deixa O Mundo Girar', 'Aprender A Ser Feliz', 'Pura Inocência' ou 'Lisboa'. Como recordam na entrevista ao SAPO24, tudo começou numa garagem em 1992 e com a vontade de alcançarem o Pólo Norte, ou seja, o destino. Entre sucessos da rádio, discos de ouro e desilusões com a rapidez dos tempos, fizeram-se 30 anos e ainda têm muita estrada para percorrer e discos para lançar.
Os Pólo Norte são um bocadinho aquelas bandas dos pais que se ouviam no carro?
Miguel Gameiro - É muito isso, sim. Essa história do ouvir no carro em passeio, connosco, acontece bastante, porque ouvimos muito esse relato daqueles fãs que nos seguem desde que nós éramos adolescentes, e eles também. E que fizeram a sua adolescência a ouvir-nos, e que depois hoje com os filhos fazem os passeios, e põem a música a tocar, e apresentam no fundo a banda aos filhos. E é giro, e às vezes vão todos para os concertos.
É uma espécie de banda de crescimento, não é?
MG - É, é um bocadinho. Isso é giro. Ou seja, é interessante que não está sujeito a modas. Consegue ter uma vida própria, consegue ter uma existência própria, não está determinada. Obviamente que é importante sempre fazer algo novo, promover, divulgar, mas há ali uma janela de tempo em que o grupo lançou muitas canções que foram um êxito de rádio, e o facto das pessoas ouvirem e passarem a ouvir aos filhos, quase que tem uma vida própria, tem uma existência por si só. Isso é muito giro.
Uma canção que passa a sair agora, passado um mês ou dois... Acabou.Tiago Oliveira
E crescem nessas gerações diferentes, de formas diferentes.
MG - Sim, não estamos lá porque nos veem nas redes sociais, ou no TikTok, ou não sei o quê. Estamos lá porque os pais quiseram.
Não estão muito presentes em redes sociais e nesse tipo de plataformas, apesar de bandas com a mesma idade terem feito esse esforço de se modernizar nesse aspecto.
MG - Obviamente que as redes sociais são importantes, e hoje em dia praticamente quem não estiver nas redes sociais é como se não existisse. Aliás, para algumas profissões, o barómetro é quase a rede social. Nem é o background, nem é aquilo que a pessoa faz ou tem. São os seguidores... Mas para já não tenho muita paciência. Isso começa logo por aí. Depois também não me estou a ver assim no TikTok a fazer aquelas coisas... (risos) Aquelas coisas chatinhas. Não está lá a música.
Tiago Oliveira - Nós no último ano também tentámos fazer um esforço de levar uma equipa de filmagem para os concertos. Queremos mostrar em especial o que é essencial.
As redes sociais são também uma forma de quem não esteve lá poder passar a estar.
MG - É um facto que as redes sociais nos dias de hoje são bastante importantes. Aliás, em tudo o que é a fórmula de gravar um álbum, de promover e de o divulgar.
Nós fazemos parte de uma época que aos dias de hoje está completamente desatualizada. Ou seja, antigamente fazia-se um álbum de 12, 13, 14 canções.
Gravavam-se, lançavam-se 3 singles, fazia-se a festa da apresentação do álbum, a festa da apresentação do single, a festa do segundo single, e era ótimo. Faziam-se muitas festas.
Hoje em dia gravam-se EPs. E já nem se gravam EPs, já se grava música a música. As coisas são todas muito mais rápidas, efémeras. Mas ao mesmo tempo somos muito afortunados porque conseguimos existir num certo tempo e marcar esse tempo que ainda lá está.
Ainda conseguem tocar nesse tempo?
MG - Ainda conseguimos tocar nesse tempo e trazer as canções para os dias de hoje.
A maneira como se faz música já é diferente. Nada contra. Há coisas boas, há coisas que são uma porcaria.Miguel Gameiro
Já que estamos a falar sobre a rapidez dos dias de hoje, os álbuns antigamente eram físicos. Hoje em dia as canções saem no Spotify e as pessoas têm logo acesso à música. É tudo muito rápido?
TO - Uma canção que passa a sair agora, passado um mês ou dois... Acabou. Não quero com isto dizer que é mau. Os tempos são o que são. E há coisas super positivas.
MG - E há outras que são uma porcaria. Mas é o que é.
TO - Perde-se uma coisa que era, por exemplo, conseguir-se que exista uma história seguida. Ou seja, teres uma história contada, como ouvimos das bandas antigas.
Pode haver uma história contada. Lança-se um tema um mês e no outro mês lança-se outro. Depois disso tudo, esses 12 meses ou essas 12 canções fazem um álbum. Mas hoje em dia já não existe essa coisa do álbum que é aquela história. Não há tempo.
MG - É a música e pronto. A indústria, o negócio e a vida não permitem.
É preciso fazer negócio. É preciso vender, ganhar dinheiro. E o tempo é curto para ganhar dinheiro. Apesar de haver um regresso do vinil, o que acho giro, não é nada comparado ao que era na sua essência.
Algumas canções cansam porque estás há 30 anos a repetir “Lisboa Oh-eh-oh; Perder o Bairro da Madragoa”.Miguel Gameiro
Antigamente comprava-se o álbum. Tinha-se a parte gráfica que era excecional. Abria-se página a página, história a história. As próprias canções tinham as introduções com 5 minutos. Hoje em dia em três segundos está-se no refrão. A maneira como se faz música já é diferente. Nada contra. Há coisas boas, há coisas que são uma porcaria. É como em tudo. A verdade é que mudou mesmo muito.
Adaptaram os concertos de alguma forma para tornar as músicas mais rápidas?
MG - Não, não. Porque a nossa geração mantém-se. Esta geração é que tem esta ideia das coisas e que tem esta perceção da evolução. Portanto, nós mantemos aquilo que nós fazíamos.
Se tocarem as músicas um bocadinho diferentes as pessoas já não gostam muito. É verdade? Isso não tira a possibilidade de inovação?
MG - É verdade… Mas às vezes nem é para inovar. Nós tentamos fazê-lo para não nos fartarmos também. Algumas canções cansam porque estamos há 30 anos a repetir “Lisboa Oh-eh-oh; Perder o Bairro da Madragoa”. Às tantas já queremos, por exemplo, agora é só guitarra, agora é só piano, porque já não há saco.
Deixam de gostar das músicas?
MG - Não, isso não. Isso seria grave. Se assim fosse seria porque fizemos algo com que não nos identificamos. Isso sim, identificamos-nos e gostarmos de as fazer. Mas é uma maneira de nós não nos cansarmos também daquilo que estamos a fazer. Mas eu percebo as pessoas: 'Esta música era mais tranquila. Porque é que vocês agora meteram rock nisto?'. Para não nos fartarmos de nós próprios.
As pessoas gostam de ouvir as músicas como as ouviram e como aprenderam, para poderem cantar da mesma forma e acompanhar.
TO - Mas os concertos também devem ter uma percentagem no concerto que seja surpresa. Não vai ouvir os discos. Não é possível.
30 anos, uma data redonda, e para comemorar têm vários convidados no concerto. O que significam estes 30 anos?
MG - Começando pelos convidados, foram escolhidos pelas relações que temos de amizade com ambos. No caso da Mariza, pelo facto de eu já ter escrito duas canções para ela, e de ter cantado também uma canção em dueto comigo e connosco, que é o ‘O Teu Nome’, que faz parte da nova novela da SIC. E com o Pedro Abrunhosa por nos termos cruzado muito nesta estrada. O ‘Viagens’ saiu mais ou menos em paralelo com o nosso primeiro disco, e fizemos alguns concertos partilhando o mesmo palco, e ele também já participou connosco noutras celebrações. Nós admiramos bastante o compositor, o autor e o performer.
TO - Sobre os 30 anos é de facto uma data redonda e, resumindo, acho que é sempre um privilégio. Os 30 anos só fazem sentido se houver público para isso, portanto, neste caso houve público e acho que as pessoas se sincronizaram sempre com a banda e o repertório foi sendo seguido e cantado pelas pessoas, e isso é o mais importante.
Ainda há pessoas novas a descobrir agora os Pólo Norte?
TO - Acontece. Aqui há tempos aconteceu uma colega minha, uma pessoa conhecida, ter dito; 'Ah, mas esta música é a vossa, pois. Os meus pais ouviam esta música. Esta é vossa, aquela também é, e aquela também'.
Eu quero acreditar que sim, que existe uma geração mais nova a seguir-nos, ficaria muito feliz que sim, e as coisas passam um bocado de geração em geração.
Trinta anos já deu para pessoas que nos seguiam desde o início terem filhos e se os filhos foram bem educados, claro que sim, ouvem-nos. Se foram bem educados, ouviram as músicas que os pais gostavam.
Vão reproduzir todos os discos que fizeram?
MG -Isso tinha de ser oito horas. Vamos trazer um bocadinho do que é o Concerto ao Ar Livre, o concerto grande do grupo. Felizmente, fazemos sempre bastantes concertos todos os anos. Por isso vamos trazer um bocadinho desse concerto, mas também não vamos fazer o concerto exatamente igual, até mesmo para poder surpreender aquelas pessoas que vão a esses concertos todos. Portanto, vai ser um bocadinho dos dois mundos.
Já vi que também não dá para desvendar muito.
MG - Os convidados que estão apresentados, estão apresentados. Haverá depois um convidado especial que curiosamente não vai cantar, mas que é uma surpresa muito engraçada.
A garagem foi só o princípio. Nós continuamos a ensaiar na garagem.Miguel Gameiro
Vocês estavam a falar sobre às vezes estarem cansados de certas músicas. Há alguma relativamente à qual estão mais cansados? Ou alguma que seja a vossa preferida?
TO - A ‘Aprender A Ser Feliz’, mesmo que tu mexas na canção, tens de tocar aquilo mais como a canção é. Não podes mudar.
O Miguel também é uma pessoa muito expressiva em palco. Eu acho que isso sempre foi uma qualidade do grupo e dele depois também como artista. Quem o conhece bem, e eu incluo-me nesse lote, sabe que basta olhar para ele, porque ele tem uma leitura das pessoas, que quem o conhece bem sabe que ele vai virar ali e aquilo de repente pode mudar tudo. E eu acho isso interessante num palco. Tu de repente poderes mudar, mas não é o arranjo, é mudares o flow da música.
MG - Mas o ‘Aprender a ser feliz’ é aquela da qual estou mais cansado. Para mim de facto foi um hit muito grande. Tocámos imensas vezes…
TOl - Tivemos vários arranjos sobre a mesma ideia primária da canção e depois às vezes dá-nos gosto de tocar aquilo aproximado do que foi. Mas também estamos mais crescidos, há mais maturidade.
Pólo Norte surge de uma ideia de norte. De ganhar o norte. De seguir para cima. De rumo.Tiago Oliveira
Começaram numa garagem, 30 anos depois, acham que se afastaram muito daquela versão inicial?
MG - A garagem foi só o princípio. Nós continuamos a ensaiar na garagem. A garagem adaptou-se um bocadinho. Está mais confortável. Já não é só aquela garagem, mas continua a existir. É o nosso espaço de ensaio.
E ainda é a mesma garagem?
MG - É a mesma garagem. Começou a ser a garagem, depois passou a adega e depois passou a sala de ensaio.
E é a garagem de quem?
MG - Era a minha, era do meu pai. Ele não gostou muito de passar de adega para sala de ensaio…
E porquê Pólo Norte?
T O - Nós crescemos naquele contexto na segunda vaga da industrialização da música em Portugal. Tinha havido os Heróis do Mar, Xutos, Sétima Legião… E Pólo Norte surge de uma ideia de norte. De ganhar o norte. De seguir para cima. De rumo. Nós há uns anos, como tínhamos tantas entrevistas quando começámos, até tínhamos um discurso preparado para responder, que tinha a ver com essa parte de ganhar um rumo.
E depois também teve a ver com o logo, porque nós gostávamos muito do logo. Havia uma rosa dos ventos e aquilo fascinou um bocado a orientação do grupo.
Qual de vocês é que o inventou?
MG - Na altura foi o António Villas-Boas. Nós começámos por nos chamar Expedição. Expedição e Extradição. E 'Expedição' passou a ser o primeiro álbum, que é uma viagem. E o Pólo Norte passou a ser o objetivo da viagem.
TO - Mas ajuda também haver muitas pastelarias com o nome da banda em Portugal.
É bom porque é uma espécie de marketing da banda. E até era giro convidar-vos para inaugurar as pastelarias. Sempre era mais uma oportunidade. Em 30 anos dá tempo para imensas histórias. Qual é a história que vocês recordam com mais felicidade? Se calhar vai ser agora o concerto.
TO - Uma das histórias que eu guardo sempre é que tivemos a sorte de ter vários discos de ouro. Os discos de ouro hoje em dia já não é o que era naquela altura a nível de vendas. Mas havia os jantares de confraternização dos discos de ouro, de platina e de prata, e eram muito engraçados porque reuniam uma data de malta. Havia um bocado a entrega do testemunho dos mais antigos, como os Delfins, o Pedro Alves Magalhães, o Tozé Brito, o Rui Veloso, das pessoas onde nós nos inseríamos, e depois os jantares eram muito engraçados, também não posso contar tudo…
MG - Os encontros de gerações eram as coisas mais engraçadas. Aprendes muito com isso. Naquela altura vivia-se também uma época muito forte na música portuguesa e nós estávamos ali numa agência que, no fundo, tinha ali todos, Madredeus, Resistência, Delfins, e nós tínhamos muitos momentos em que estávamos em conjunto em que partilhávamos muitas coisas e era muito interessante.
Terem feito parte dessa geração o que é trouxe? Influenciou a música dos Pólo Norte?
MG - Sim, influenciou e trouxe-nos muitos ensinamentos para aquilo que nós fazemos hoje. Nós saímos do anonimato para tocar para 10 mil pessoas, 15 mil pessoas com os Delfins, na altura em que eles estavam com imensa projeção e com muita força, e isso obrigou-nos a crescer rapidamente e tornar-nos uma banda de multidões e foi muito importante para nós todo esse período de aprendizagem.
Trouxe competição? Porque era uma altura extremamente concorrida de música portuguesa, talvez mais do que agora?
MG - Não, eu acho que hoje é um bocadinho mais competitivo. Também pelo facto que há muito mais artistas hoje e a indústria hoje é muito mais indústria do que era naquela altura. Não vejo tudo pela competição. Vejo mais, de facto, pela aprendizagem.
E quem eram as referências na altura?
MG - Na altura, aquilo que nos catapultou para a música foram, de facto, as bandas portuguesas. Aliás, nós éramos das primeiras bandas influenciadas pelas bandas portuguesas, porque nós começámos por tocar covers de GNR, de Heróis do Mar, Trovante, Delfins, e tentámos depois transportar isso para uma linguagem musical nossa.
TO - E ficámos muito felizes, porque nessa altura havia uma resistência ainda contra músicas em português. Ficámos muito contentes com, na nossa geração, termos visto o êxito, quer do fado, quer da expressão do pop nacional, e afirmarem-se cada vez mais como música portuguesa. E para isto foi também importante a quota da música portuguesa na rádio.
A rádio é a nossa voz.Miguel Gameiro
A quota da música portuguesa na rádio faz sentido? Devia voltar a ser obrigatória?
MG - Infelizmente tem sempre que ser imposto. Nós infelizmente temos um país feito de estigmas. Existe um estigma brutal relativamente a essa questão. Não sei de onde é que virá, qual é que será a origem antropológica, sociológica dessa questão mas temos sempre esta tendência de que tudo que vem de fora é sempre muito superior e com muito maior qualidade, e não só relativamente à música. Em outras áreas temos sempre este síndrome. Portanto quando é assim tem que ser obrigado. Se não for a bem tem que ser a mal.
E as rádios têm que ser obrigadas a passar a vossa música?
MG - Se não for de uma forma, tem que ser de outra, porque é importante para nós músicos, para as pessoas e para a cultura, porque é a nossa cultura, é a nossa língua e é a nossa música.
A rádio é a nossa voz. Podemos eventualmente estar aqui na imprensa escrita, podemos estar na televisão, podemos estar nas redes sociais, mas de facto a rádio continua ainda a ser a nossa fonte primária de comunicação e transmissão da mensagem.
Já perguntei sobre a história mais feliz. E a história menos feliz? Foi tudo um percurso arco-íris?
TO - Não consigo definir o menos feliz. Tivemos os nossos altos e baixos. A canção ‘Aprender a ser feliz’ é mesmo sobre essa ideia. Não se vive todos os dias feliz e de sorriso aberto. Há dias mais em baixo e há dias mais em cima na vida das pessoas e das bandas. Houve derrotas, houve vitórias, mas acho que houve mais vitórias do que derrotas.
Miguel, durante algum tempo tentou uma carreira a solo. As pessoas confundem muito as duas?
MG - Por acaso aconteceu num certo período, em concertos que eu fiz a solo, perguntarem se eu iria cantar as canções dos Pólo Norte. Houve também uma altura em que só fizemos Pólo Norte, e perguntavam se eu iria cantar ‘Dá-me um Abraço’ ou ‘O Teu Nome’. Portanto, daí ser Miguel Gameiro & Pólo Norte para esclarecer as dúvidas todas.
Querem que se distingam?
MG - As canções também foram compostas por mim, ou seja, no fim do dia nós vamos trazer ao público as canções que compusemos e que escrevemos. É preciso que as pessoas venham aos concertos, que fiquem felizes e sejam felizes.
Se sempre sonhei ser músico? Não, não era o meu sonho de menino.Miguel Gameiro
Escreveu para vários cantores com personalidades totalmente diferentes, desde o Marco Paulo à Mariza. Como é que é ser este compositor e cantor a ver as músicas viver noutras pessoas?
MG - É giro. É um desafio muito interessante poder fazer isso. Sermos convidados para tal é um privilégio. O último foi para o Marco Paulo. Ainda por cima artistas tão diferentes uns dos outros, mas eu gosto destes desafios de me colocar um bocadinho nessa pele. Alguns eu nem conhecia muito bem pessoalmente, como a Simone de Oliveira. É um desafio muito desafiante do ponto de vista criativo.
Escreve-se para o artista?
MG - Eu escrevo para o artista quando me é feito o convite. É a âncora onde eu me seguro quando não tenho mais nada do que isso e não conheço a pessoa. Tenho a imagem que criei dele.
Às vezes ouve-se uma música e nem se sabe quem escreveu. Gosta desse lado mais secreto?
Miguel Gameiro - Gosto dessa coisa da sombra…
E cantar as músicas que escreveu para outros?
MG - Claro. E depois digo às pessoas fui eu que escrevi e as pessoas não acreditam… A minha mãe diz-me que eu me promovo pouco. Muitas vezes só quem se dá ao trabalho de saber que eu escrevi certas músicas é que sabe…
No momento em que os canais deixam de divulgar, não faz muito sentido.Miguel Gameiro
Quando é que perceberam que tinham este talento para a música?
MG - Eu acho que nunca percebi…
TO - Foi uma coisa em crescente. Eu já estudava guitarra, depois cruzei-me com o Miguel umas vezes e começámos a fazer um esboço daquilo que seria a banda, mas não era uma perspectiva de 'Eu vou tocar aqui ou ali'. Eu queria estudar guitarra, sempre gostei, liguei-me sempre mais às artes sonoras do que à parte visual. Eu já via mal e então gostava de tocar. Não foi uma coisa premeditada, mas depois deu-me muito gozo conseguir pôr em prática.
MG - No meu caso também não acordei um dia e disse. Acho que ninguém acorda de manhã e diz que tem jeito para fazer… Acho que foi uma coisa natural que foi surgindo. Se sempre sonhei ser músico? Não, não era o meu sonho de menino, mas gostava de cantar, gostava de comunicar, gostava de escrever e depois isso juntou-se tudo ali um bocadinho. Houve oportunidade para que isso tudo acontecesse. Ter uma guitarra, começar a tocar, começar a escrever coisas, começar a cantar e depois juntou-se tudo.
E como é que surgem novas ideias? Continuam a ter novas ideias para novas músicas depois de 30 anos a escrever e compor?
MG - Ideias vai havendo, a questão aqui é que como o canal se vai fechando… Nós podemos até ter ideias, escrever, compor, gravar e há muitas ideias, mas quando se percebe que não se vai conseguir ter um canal para transmitir essas ideias, as ideias deixam de fazer sentido.
Eu vou fazer músicas para mim para guardar e pôr nos fones e estar em casa a ouvir? Não, nós sempre fizemos música para ser escutada pelas pessoas e estamos habituados a fazer canções para as pessoas. Portanto, no momento em que os canais deixam de divulgar, neste caso as rádios mainstream, não faz muito sentido…
Pararam sempre que deixaram de divulgar?
MG - Foi um bocadinho desencorajador. Mas nós temos um álbum para fazer, um álbum novo, mas não tanto na vertente de passar na rádio. É uma coisa que se quer fazer e que se vai fazer por vontade própria.
Mas a verdade é que esse canal tem aqui uma importância bastante grande, e a ausência desse canal pode ser castradora do ponto de vista criativo neste país. Se isso estiver conotado com o tempo de existência do artista ou com a idade do artista, pior. Nós continuamos a ter um Bruce Springsteen a gravar álbuns com a idade que tem.
Acham que não é dada tanta importância às bandas antigas aqui em Portugal?
MG - Aqui é tudo muito rápido. Aqui tem que ser novo tem que ser fresco, jovem, dinâmico, com muitas redes sociais e muitos likes. Está tudo muito nessa franjita. Não há muito tempo para a substância, para o conteúdo e para o tempo da imagem.
Sentem que quando ultrapassaram uma certa idade também passaram a ter menos atenção?
MG - Talvez, porque nós também somos muito estigmatizados nisso. Nós somos um país com um bocadinho desse estigma da idade e da atenção. Na minha ótica, quanto mais tempo passa mais o músico, o compositor, o autor tem tendência a ser melhor porque há mais experiência de vida, há mais histórias para contar, há mais maturidade. Não estamos a falar de uma profissão que está diretamente relacionada com o tempo e a dificuldade em acompanhar esse tempo. Acho que na música, e não só, na criatividade, nas artes, a idade é uma coisa que só te traz, só te acrescenta.
Mas na realidade, parece que não… Mas nós temos os nossos fãs, temos os nossos seguidores, temos o nosso público, temos os nossos concertos, criamos o nosso canal e estamos bastante felizes.
Já falámos sobre como é surgiu a música na vossa vida. Eu sei que o percurso do Miguel passou por imensas áreas, a culinária, queria ser veterinário… Esta inquietude também está na música. Foi a falta de resposta da indústria da música que também o fez ter outros projetos de vida?
MG - Não, sempre foi assim. Veterinário queria ser antes de ser músico. Não fui porque tinha péssimas notas a matemática. Entretanto, podia ter acumulado a medicina veterinária e a música perfeitamente. Cozinheiro sempre fui desde que me lembro, estou agarrado ao fogão, ou seja, aconteceu… Sempre tive este privilégio, porque é um privilégio fazer o que eu gosto, tirando a medicina veterinária, mas isso a culpa é da Isilda, que era a minha professora de matemática no liceu. (risos)
A música dos Pólo Norte mudou à medida que a vida pessoal ia mudando?
TO- Sim, mudou sempre um bocadinho. Eu acho que mantive sempre algumas coisas fiéis àquilo de que eu gostava. Gosto de todas as bandas rock e pop, mas eu sempre criei coisas, toquei guitarras acústicas, guitarra flamenca, guitarra nylon, fiz algumas coisas mais ligadas à área do fado, mas a música não mudou. O que mudou foi a maturidade que tu vais tendo, e depois eu fui querendo experimentar outras sonoridades, outras coisas, e isso também me fez crescer e também me fez ver que aquilo que tínhamos composto e que fizemos e que fomos fazendo tinha o seu espaço e teve uma importância na vida das pessoas.
MG - É óbvio que as experiências de vida, as experiências pessoais trazem sempre muita coisa para aquilo que fazemos, para o que escrevemos, para o que compomos, para a nossa vida. Concordo com isso tudo. Casamos, separamo-nos, tivemos filhos, namoradas, ilusões, coisas mais felizes, outras menos, mas de facto isso no fim do dia se nós formos a ver, é tudo importante e é tudo matéria, principalmente se nós soubermos até do pior tirar o melhor.
Não são as mesmas pessoas que começaram?
MG - Somos pessoas completamente diferentes. Muito mais bonitos. (risos)
O que é que falta fazer agora?
TO - Eu gostava de um dia fazer um disco de banda mas tudo ensemble, como era antigamente. Era juntar a banda toda numa sala e fazer um ou dois temas, não é preciso mais, antigos ou novos, com a banda toda. Como era com os Led Zeppelin.
Fora isso, já plantei uma árvore, já gravei muitos discos, agora gostava de escrever um livro e gostava que fosse uma autobiografia.
Chegar aqui aos 30 anos e dizer 'Vou fazer porque me apetece' é tão bom!Miguel Gameiro
E Ao Miguel, o que é que falta?
MG - A nível da música, é fazer este álbum. Quero fazê-lo e todos os anos falta-me também fazer os concertos que ainda não fiz. Falta-me ir para a estrada, para aquelas terras onde não estive, e estar com as pessoas.
Já não devem faltar muitas terras...
MG - Claro, pois. Mas há sempre uma terrinha que a gente ainda não visitou, há sempre uma.
Mas na música é assim que eu vejo. Existe um álbum que quero fazer que não é editado pelas rádios, nem é editado pelos singles, nem pelos hits, nem pela indústria, é um álbum que vou fazer porque me apetece, nos apetece e isso é ótimo. Chegar aqui aos 30 anos e dizer 'Vou fazer porque me apetece' é tão bom!
Ainda acham importante fazer estrada?
MG - Claro, é o que mais gostamos. É a nossa vida é o que mais gostamos de fazer, estar com as pessoas.
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