“Quem matou o meu pai?”, da autoria de Édouard Louis, cujos textos têm estado a ser montados nas principais salas de teatro europeias, é um espetáculo que reflete sobre as razões por que o eleitorado tradicionalmente de esquerda passa para a extrema-direita, que se apresentará no Teatro Nacional D. Maria II, nos dias 08, 09 e 10 de julho, disse à Lusa o diretor artístico do Festival de Almada, Rodrigo Francisco.
Lembrando que até o diretor de teatro alemão Thomas Ostermeier já encenou dois espetáculos a partir de textos de Édouard Louis, o diretor do festival sublinha que esta obra é encenada por aquele que, do seu ponto de vista, “é um dos principais encenadores europeus em atividade, se não mesmo o principal, que é o Ivo van Hove, que dirige o Toonelgroep de Amesterdão, e que desde 2012 não se apresenta em Portugal”.
“Julgo que será o acontecimento teatral do ano, uma vez que os teatros têm estado a funcionar de uma forma intermitente e já há muito tempo que não há uma companhia com a dimensão do Toonelgroep de Amesterdão que se apresente cá”, afirmou.
Falando sobre o texto, Rodrigo Francisco explica que Édouard Louis “é um autor de alguma forma discípulo de Didier Eribon, que tem na sua obra tentado responder à pergunta: por que é que as camadas da sociedade que tradicionalmente votavam na esquerda, nomeadamente no partido comunista francês, passaram a votar na extrema direita”.
“O que tanto Didier Eribon cono Édouard Louis denunciam é a forma como as elites políticas desprezaram determinados setores da sociedade e os fizeram sentir-se órfãos e aproximarem-se da extrema direita”, explicou.
Édouard Louis é alguém que “fez um percurso pessoal semelhante ao de Didier: origens humildes, primeiro filho a estudar numa universidade de Paris e depois o regresso a casa”.
Édouard Louis, cujos textos se centram na homofobia, no racismo e na desigualdade social, escreve sobre a sua experiência enquanto homossexual, “de que forma é que viveu essa homossexualidade no seio e uma pequena cidade francesa, numa família proletária, e como teve de escapar desse meio e viver em Paris para poder viver livremente a sua sexualidade”.
“Este movimento de aproximação e de afastamento cria um efeito muito poderoso. O espetáculo é um monólogo feito por um dos principais atores do Toonelgroep [Hans Kesting] e coloca-nos nessa cisão vivida tanto pelo Didier Eribon como por Édouard Louis: como é que os votantes da esquerda foram parar ao eleitorado da extrema-direita, por que é que isso aconteceu”, explicou o diretor artístico.
Quanto à frase que dá nome ao espetáculo, é o título do livro de Édouard Louis, porque a pesquisa que ele faz centra-se no que aconteceu com o seu pai, um antigo operário envelhecido, amargurado e doente que foi abandonado pelos governantes franceses.
“Édouard Louis aponta os nomes dos dirigentes que chefiavam na altura os governos que fizeram com que o seu pai se fosse aproximado da extrema-direita ao mesmo tempo que vivia uma degradação física muito evidente”.
Esta denúncia que o autor faz no título é que “esses dirigentes acabaram por matar o pai, acabaram por afastá-lo da sociedade, por impedir que tivesse uma participação ativa na vida do seu país, abandonando-o num contexto de precariedade social, de alcoolismo e de afastamento do grande centro político”, afirmou Rodrigo Francisco.
“O que Édouard Louis denuncia é que as pessoas que estão nestes centros de decisão não tomaram as decisões para defender o seu povo, incluindo aqueles que estavam nas margens da sociedade”.
Este é um dos espetáculos do Festival de Almada, cuja programação completa será anunciada no dia 18 de junho.
Para já, sabe-se que um dos momentos altos da 38.ª edição do Festival de Teatro de Almada, a ter lugar de 02 a 25 de julho, será um espetáculo com a atriz italiana Monica Bellucci, a reencarnar e dar voz à soprano Maria Callas, com texto e encenação de Tom Volf, e que será apresentado nos dias 10 e 11 de julho no Centro Cultural de Belém, em Lisboa.
Em janeiro, outra versão de “Quem matou o meu pai?”, desta feita encenada pelo diretor do Teatro Nacional de Estrasburgo, Stanislas Nordey, foi apresentada no Teatro Nacional São João, no Porto.
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