No ensaio geral para o desfile previsto para quinta-feira em Tires, concelho de Cascais, Cláudia e Miluska atravessam, confiantes, a passadeira vermelha perante o olhar das colegas. Ali, no Salão de Espetáculos do Estabelecimento Prisional de Tires, esquecem a sua condição de reclusas. Sentem-se livres, mesmo sabendo que esse dia poderá tardar a chegar.

Cláudia Barbosa foi presa há quatro anos e Miluska Ruiz há seis meses. Todos os dias são confrontadas com histórias difíceis. Todos os dias sonham com o momento em que vão atravessar o portão principal da prisão que as vai levar de volta à família e aos filhos.

O medo do que as espera lá fora é atenuado pela equipa da Art4Life, uma jovem associação que decidiu implementar um projeto na cadeia de Tires para ajudar aquelas mulheres a reintegrarem-se na sociedade.

A ideia inicial era fazer um desfile de moda, mas a Art4Life acabou por trabalhar outras valências.

“Ensinamos a responder a uma entrevista de emprego e a escolher a roupa mais adequada e, mais importante, conseguimos tratamentos dentários para 50 reclusas”, disse à Lusa João Serra Fernandes, um dos mentores do projeto.

As 12 mulheres escolhidas foram “as que estão mais perto da liberdade e que têm mais possibilidades de recompor a sua vida quando chegarem lá fora”, explicou.

Cláudia e Miluska são dois exemplos. Nenhuma quer falar do passado. Reconhecem que foi uma “escolha errada” que lhes traçou o destino e agora mostram-se dispostas a lutar para não voltar a Tires.

Cláudia trabalha no cabeleireiro da cadeia e, quando não tem clientes no salão, faz voluntariado. “Tento manter ao máximo o dia ocupado para não pensar na vida lá fora e na família”, conta a reclusa, 43 anos, que tem à sua espera nove filhos.

Miluska também tem duas filhas à sua espera, a Pilar e a Petra, e o projeto da associação Art4Life tem sido o seu escape: “Está a ser um renascer. Antes os meus dias eram bem piores”, conta a jovem que viu a associação chegar pouco depois de se ter tornado em mais uma das cerca de 400 reclusas de Tires.

A vida na prisão “é complicada”, desabafa.

“Aqui somos privadas de muita coisa e o meu maior medo era tornar-me numa pessoa diferente do que eu era. Mas não está a acontecer”, conta Miluska, que vai buscar também forças às visitas dos amigos e familiares, em especial quando se encontra com as filhas e à mãe, que lhe trazem “o mundo lá de fora”.

A subdiretora do EP, Conceição Vieira, defende que a “prisão é uma passagem da vida que deverão contornar, mas não deverão esquecer”.

João Serra Fernandes não tem dúvidas que, enquanto a liberdade não chega, o projeto da sua equipa ajuda as reclusas “a esquecer que estão detidas”.

Uma vez por semana, passam algumas horas no Salão de Espetáculos da prisão e vestem a pele de modelos profissionais.

Na quinta-feira realiza-se o desfile final, reclusas e também modelos profissionais vão passar roupas dos criadores Roselyn Silva, Iza Vandee, António Coelho – Inspirafuror e Maria Paula Lourenço.

A subdiretora do EP reconhece a importância do projeto, em especial os tratamentos dentários que trouxeram às mulheres “o sorriso que não tinham e lhes levantou a autoestima ao máximo”.

“Há um grupo que está muito próximo da porta de saída”, contou Conceição Vieira, reconhecendo que “oito das 12 estão ainda longe daquela porta tão desejada”.

No dia em que sair de Tires, Cláudia já sabe o que vai fazer: “Olhar o mar e perceber que não tem fim. Preciso daquela sensação de infinito para me preparar e arranjar energias para depois encarar e abraçar os meus filhos e encarar o mundo. Porque depois é outra fase”, conta.

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