Com as iniciais do seu nome (JR) inscritas no boné — a marca das pranchas que constrói para si — Joselito contou à Lusa que trabalhava em oficinas, bate chapas, mecânica e pintura, antes de vir para Portugal, em 2012. A destreza com as mãos deu-lhe jeito no seu primeiro emprego, numa fábrica de pranchas.
Atento e com sede de aprender, não passou muito tempo até ser convidado a iniciar-se nas etapas que culminam na construção de uma prancha.
Começou pelo princípio, na sala dos copinhos (que ligam as quilhas à prancha), passou pela lixa, a laminação. ‘Shapear’ uma prancha, que é dar forma ao material de que é composta, foi o objetivo alcançado e agora faz uma prancha do princípio ao fim numa empresa situada na Costa da Caparica – “The Factory”.
Ali tem tido a oportunidade de conhecer o trabalho de ‘shapers’ de renome mundial, como o brasileiro Lipe Dylong, um dos primeiros surfistas a participarem no circuito mundial de surf e que escolheu este local em Portugal para fazer algumas das suas pranchas.
O dia a dia é feito de muito pó. Quase sempre de máscara na cara, faz as pranchas a pedido e recebe encomendas especiais, nenhuma extraordinariamente original. Gosta de modelos clássicos, embora não vire a cara a um desafio, e tem sempre consigo a primeira prancha que construiu.
Curiosamente, foram as pranchas que o levaram ao mar e não o contrário, como é mais comum acontecer.
“Os meus colegas incentivaram-me para experimentar [fazer surf] e no primeiro dia que experimentei consegui ficar de pé”, afirmou, recordando esse momento de alegria que o prendeu a este desporto, que pratica com regularidade.
Vive no Monte da Caparica e sempre que pode corre para o mar, enaltecendo as ondas da Costa e também o papel dos surfistas na defesa do mar e no salvamento de banhistas.
Joselito acredita que fazer surf o ajuda na construção das pranchas e vice-versa: “Surfar ajuda a conhecer as ondas e o tipo de pranchas que queres fazer e como as podes fazer, como deve ser o “Rocher” (a curvatura do fundo da prancha), os fundos…”.
A marca JR começou numa brincadeira, quando foi desafiado por um amigo a criar um logótipo para o seu trabalho. Primeiro optou pela designação “Black Shark” (tubarão negro), mas depois optou pelas iniciais do seu nome.
Usa o logótipo com as iniciais no boné e nas pranchas que constrói para si, que prefere longboard (ideais para ondas pequenas e médias, ou grandes se o surfista tiver muita experiência), mais clássicas, retro, com linhas mais antigas, embora também goste de inventar.
Normalmente, surfa nas praias da Costa da Caparica, como a do Dragão ou do CDS, mas os seus sonhos estão a mais de 3.000 quilómetros, em Cabo Verde.
Há três anos, quando regressou ao arquipélago de férias, levou consigo várias pranchas. Uma delas foi o troféu num campeonato de surf de relevo das ilhas, organizado pelo movimento Blue Wax, sendo cada vez mais os adeptos deste desporto, ou não fosse o país um arquipélago.
Só nessa altura Joselito surfou as ondas do mar cabo-verdiano, na praia de Tupim, na “sua” ilha de São Vicente. E pôde então aperceber-se da grande diferença: a temperatura da água.
“Nunca como agora dei tanta importância às ondas em Cabo Verde, apesar de sempre ter ido com a família à praia”, disse.
E é da família e dos amigos que lá deixou que sente mais falta, desse jeito crioulo de conviver
“Em Cabo Verde toda a gente conhece todo o mundo, cumprimenta todo o mundo. Quando cheguei, podia entrar num elevador que ninguém falava”, recordou.
Mas agora já se sente português e quando as saudades apertam partilha-as com outros cabo-verdianos com quem convive onde mora, no Monte da Caparica.
Por seu lado, os amigos do surf que deixou em Cabo Verde enviam-lhe de vez em quando fotos e imagens das suas pranchas em ação, a cortar as ondas do Atlântico junto às ilhas, mas Joselito quer mais: uma fábrica de construção de pranchas de surf em terras da Morabeza.
Sabe que não é fácil, até porque vive em Portugal, onde tem a mulher e três filhos, mas gostava de poder ajudar o país de origem a poder usufruir mais do mar que o rodeia e através do surf.
“Gostava muito de ajudar para o surf em Cabo Verde evoluir. Temos bastantes grandes atletas, mas o poder de compra é muito baixo e o material é muito difícil de obter”, lamentou.
Os preços de uma prancha de surf — que pode facilmente atingir os 800 euros — também são impeditivos para o nível económico do seu país de origem e a escassez dos materiais no arquipélago leva a que possam ficar ainda mais caras.
Enviar pranchas para Cabo Verde também não é uma tarefa fácil e muito menos barata. Por isso, continua a acalentar o sonho que criar uma empresa de pranchas em Cabo Verde e, quem sabe, regressar para o seu país quando o negócio estiver na crista da onda.
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