Cornudo à aerossol. Aquele que pode ter problemas nas vias respiratórias superiores, provocados pelas raízes e por outras ramificações dos chavelhos. A respetiva terapêutica passa por inalações subtis e penetrantes. É espécie apreensiva, que tem catarro quando se levanta, todas as manhãs.
Cornudo à borgonhesa. Aquele que, no seu comportamento, indumentária, penteado, enfeites e outros adornos, segue a moda ditada pelos cavaleiros da Borgonha. É espécie de janota ridícula e um tanto divertida.
Cornudo à Carlos Gardel. Aquele que usa brilhantina argentina no cabelo e se consola a ouvir tangos de Discepolín. É espécie de vagabundo que, como o cornudo Garufa e o cornudo Rubia Margot, se dá bem a estibordo (no sentido de quem entra) do rio da Prata.
Cornudo fantasma. Ou espantalho. Aquele que atemoriza a mulher adúltera e o seu montador assobiando árias de zarzuela. É espécie folclórica e muito entendida em cerâmica popular hispano-lusitana.
Cornudo reformado. Aquele que, por causa do desgaste da esposa, se vai contentando com a evocação de glórias passadas. É espécie que gasta as horas a ler biografias de Maria Antonieta.
Cornudo liberal. Aquele que não admite que é corneado, mas acha desculpável que os outros o possam ser. É espécie que nunca invoca a lei do funil.
Cornudo à écloga. Aquele que enfeita os cornos com rosinhas.
Cornudo suscetível de contágio de amor. Ou propenso. É o cornudo simpático que, além de pedir ajuda ao amante da esposa, convive intimamente com ele e o brinda com mui admirativa e íntima amizade. Assimila toda a heterogénea e ilimitada capacidade amorosa do cônjuge e, depois, fica esgotado.
Cornudo socialista. Aquele que não consegue superar dialeticamente as suas próprias contradições. É espécie culta, titubeante e delicada.
Cornudo insuportável. Aquele que não consegue ser simpático, por mais que se esforce. É espécie a que se deve prestar ajuda, num gesto de misericórdia.
Cornudo à frederica. Aquele que, no seu comportamento, indumentária, penteado, enfeites e outros adornos pessoais, segue a moda do tempo de Frederico da Prússia, o Grande. É espécie maçadora e orgulhosa, que toma quinina ao pequeno-almoço.
Cornudo à moscovita. Aquele que tem cornos rachados. Espécie dogmática, alucinada e transcendente, que fuma charutos ordinários.
Cornudo à parisiense. Aquele que usa corte de cabelo à escovinha e confunde os solstícios com os equinócios e o cu com as Quatro Têmporas. É espécie toleirona, de escasso interesse, que tem furúnculos nas axilas.
Cornudo a seco. Cornudo puro e simples.
Cornudo fascista. Aquele que, tendo como ponto de partida a leitura de Gabriele d’Annunzio, prossegue, falando da Abissínia. Normalmente casado com uma ex-mulher-objeto, é espécie afável, se houver o cuidado de não o distrair do seu ensimesmamento.
Cornudo à xadrez. Ou recíproco, conceito que Fourier relaciona com vingança, o que me leva a chamar-lhe vingador. Aquele que é corneado pela mulher com o marido da amante. A situação não é invulgar em casais muito amigos, e nem todos os protagonistas têm dela um perfeito conhecimento. Um exemplo: João está casado com Luísa, e Pedro com Maria Francisca; João vai para a cama com Maria Francisca, o que Pedro e Luísa desconhecem. Pedro faz amor (fode descaradamente) com Luísa, do que nem João nem Maria Francisca têm qualquer ideia. Se este relativo segredo for violado, a situação perde todo o seu encanto e pode descambar na promiscuidade. Diz-se que, estando uma vez João na cama de Maria Francisca, tocou o telefone que ela tinha na mesinha de cabeceira. Ela atendeu e, depois de ter falado, explicou ao amante:
— Não é nada de importante. Era apenas o Pedro a dizer que não espere por ele porque fica para jantar contigo.
É possível que Pedro tenha feito a chamada do telefone de Luísa. É espécie de certo peso nos meios aristocráticos (sobretudo junto daqueles que têm títulos pontifícios) ou, pelo menos, nos meios economicamente fortes (sobretudo, se a fortuna foi feita graças a vigarices com licenças de importação).
Cornudo cenestésico. Aquele que tem a sensação geral própria dos cornos, quer eles existam ou não. É espécie que, nos domingos e dias santos de guarda, hasteia uma bandeira de proa meio portuguesa, de cor vermelho-viva, com uma cruz sobreposta em banda com uma burela de sinople.
Cornudo cenestopata. Aquele que foi atingido por uma mudança da sensibilidade dos próprios cornos, reais ou virtuais, e chega a ficar alucinado. Espécie mais penosa do que dolorosa. Teria sido bem melhor, para os seus pares, que nunca tivesse nascido, ou então teria valido mais a pena que, em idade tenra e inocente, o tivessem atirado ao mar, aos seus tubarões e a outros monstros, com uma mó de moinho atada ao pescoço.
Cornudo cerimonioso. Cornudo de boas maneiras.
Cornudo chato. Cornudo minucioso e teimoso. Espécie capaz de fazer irritar o tranquilo planeta Vénus.
Cornudo comunista. Cornudo socialista no grau máximo. De um modo geral, é muito sisudo e gosta pouco de brincadeiras. É espécie que leva os regulamentos sempre muito a sério.
Cornudo chistoso. Ou brincalhão. Aquele que, ignorando o seu próprio caso, goza com os cornos do próximo. É espécie que costuma acabar os seus dias num lar da terceira idade, a sorrir às freirinhas para que não lhe apliquem coices dolorosos no mesentério.
Cornudo liberto. Aquele que respira de alívio quando descobre que a esposa o corneia. É espécie que merece o céu e os altares. Há outros a quem acendem velas por muito menos.
Cornudo abatido. Cornudo depressivo, em clave de sol. No caso de funcionários da administração local ou de militares na reserva, pode admitir-se a clave de fá. Espécie de confeitaria honesta e antiga.
Cornudo acatador dos desígnios da Divina Providência. Cornudo que não se considera culpado, sacudindo a água do capote.
Cornudo ortopédico. Aquele que, tendo perdido faculdades, recorre à prótese para suprir a falta de viço. É uma espécie com bastante dignidade e entorpecimento.
Cornudo adorado. Cornudo amado em silêncio por aqueles que o enfeitam, como alternativa para a impossibilidade de conseguirem ser amados por ele. Diz-se que, no enterro de determinada dama, se encontraram o marido e o amante. A dor que este exteriorizava era de tal ordem que aquele, segurando-o pelo braço, lhe disse:
— Deixa lá, homem, tem calma! O mais provável é que eu me volte a casar.
É espécie carinhosa e de bons princípios. Os psicanalistas costumam ver sintomas seguros de constituição adulterina no comportamento dos seus apaixonados e misteriosos corneadores.
Cornudo alérgico. Aquele cujos cornos se inflamam com os pólenes. É espécie de cornadura nobre e dada a fármacos estrangeiros.
Cornudo alma do purgatório. O peticionário mágico que, para cúmulo do escárnio, usa camisa de dormir. É espécie que se saracoteia e faz vigarices, enquanto as pessoas gozam com as suas desgraças.
Cornudo altaneiro. Cornudo pirenaico.
Cornudo xenófobo. Cornófobo que revela ódio ou hostilidade ao cornófilo estrangeiro. Costuma ser espécie forreta (francesa ou, de qualquer modo, vinculada à sua cultura) que poupa apenas por poupar. Os seus confrades são, muitas vezes, os mortos mais ricos do cemitério.
Cornudo ultra. Ou bunkeriano. Aquele que acredita que os cornos são consequência de uma conjura internacional contra as essências. Procede de acordo com as instruções superiores, fala com voz tonitruante, conhece as chaves dos lutadores e normalmente anda armado. Tem tendência para bater na vizinhança e atribui aos maçons mais importância do que a que têm. Espécie muito teatral e escandalosa, sendo necessário recorrer a uma mangueira para a tranquilizar.
Cornudo vocacional. Cornudo ortodoxo, por natureza ou temperamento. É espécie escolástica que, no seu catecúmeno fervor ecuménico, confunde São Tomás de Aquino com o cavaleiro Casanova.
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