“Liwoningo” (que significa luz, em chope, uma das línguas de Moçambique), o segundo álbum de Selma Uamusse, deveria ter sido editado em 27 de março, mas a pandemia da covid-19 acabou por ditar o adiamento, “e, se calhar, ainda bem, porque dentro desta conjuntura provavelmente teria sido muito mais difícil mostrar o disco numa fase de recolhimento total”.

Essa fase passou, mas a cantora moçambicana, há muito fixada em Lisboa e que se dedica à música há cerca de 20 anos, contou em entrevista à Lusa, que ainda ponderou adiar por mais tempo a edição de “Liwoningo”, ao mesmo tempo que sentiu “alguma urgência em realmente mostrar este disco, que já se previa um bocadinho luminoso e que viria para trazer alguma luz”.

“Este foi o meu objetivo quando comecei a pensar no conceito do disco, era mesmo contra todas as adversidades nós conseguirmos ver a luz e ser luz no meio das dificuldades”, partilhou.

Selma Uamusse lembra que “uma das maiores companhias e ferramentas para ultrapassar esta crise tem sido a música”, por isso entende que “este é o momento para trazer luz, independentemente de como o mercado está a funcionar, independentemente da possibilidade de haver concertos ou não”.

“E, portanto, acabou por fazer muito sentido lançar em julho, que é uma altura um bocado mais atípica por norma, mas acabou por se tornar muito pertinente e eu diria mesmo que quase urgente trazer uma mensagem de esperança no meio deste tempo, um bocado mais cinzento”, defendeu.

Embora os planos de edição do disco tenham sido alterados devido à pandemia da covid-19, o mesmo não aconteceu com o processo de criação e produção, visto que “Liwoningo” começou a ser gravado há dois anos, ainda o álbum de estreia, “Mati”, não tinha saído.

“Em julho de 2018 começámos um processo que passou por uma residência com o produtor, Guilherme Kastrup [que produziu, entre outros, ‘A mulher do fim do mundo’, de Elza Soares], com os músicos todos a gravarmos ‘live’, todos ao mesmo tempo, depois o álbum foi construído ao longo do ano de 2019 e culminou com as gravações das vozes, em finais em novembro”, recordou.

Olhando para trás, Selma Uamusse vê “Mati” como “o encontrar de uma identidade musical”, de como se queria exprimir.

“Liwoningo” é “um pouco mais ousado”. “Acaba por ser um disco que eu faço já com mais propriedade ou com um bocadinho mais de à vontade, ‘já sei com que linhas me coso e quero aventurar-me e ser um pouco mais ousada, mas já tenho aqui um fio condutor’”, explicou.

A identidade da cantora é a mesma nos dois trabalhos, mas em “Liwoningo” “há um bocadinho mais de ousadia na forma como o disco é construído, na utilização de um novo instrumento [guitarra]. O próprio produtor, que foi muito ousado e fez um trabalho espetacular”.

“Estou muito contente com este disco”, afirmou.

À semelhança de “Mati”, também “Liwoningo” é interpretado em português, inglês, changana e chope (duas das línguas de Moçambique).

Mas o segundo disco traz duas novidades, uma música completamente cantada em português, “Khanimambo”, e o acréscimo de mais uma língua moçambicana: o macua.

“Um dos meus desejos é que as pessoas possam ficar familiarizadas com as línguas de Moçambique, e neste disco arrisco não só com o português, mas tomo uma decisão que é quase política de trazer o macua, uma língua do Norte de Moçambique”, afirmou.

Selma Uamusse é originária de Maputo, no Sul do país, e queria juntar ao disco uma língua que não fosse da sua região, “e tornou-se ainda amais pertinente ter uma canção de Cabo Delgado, que é uma região lindíssima que tem sofrido uma série de ataques terroristas e tem passado por uma situação muito complicada, nos últimos três anos”.

“Tornou-se quase que um grito de que Cabo Delgado existe, a língua macua existe e precisamos de nos preocupar com Moçambique na sua total extensão”, disse.

O álbum já foi entretanto apresentado ao vivo, no sábado passado, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, e o concerto “correu muitíssimo bem”. “Foi muito emotivo, havia uma clara vontade do público de ouvir música e de ouvir o disco”, contou.

Nos últimos dois anos, Selma Uamusse tem tocado em Portugal, mas também fora, nomeadamente no Brasil e em Moçambique, mas este ano tal não deverá acontecer. No entanto, tem “dois concertos em Paris, em novembro, uma participação e um concerto do disco”.

Em Portugal, há “alguns concertos a começarem a ser marcados”, e “Liwoningo” poderá ser ouvido ao vivo, pelo menos, em Ponte de Lima, novamente em Lisboa e em Viseu, “mas sempre neste contexto condicionado”.

Em “Liwoningo”, além dos músicos que habitualmente a acompanham ao vivo, Selma Uamusse contou com as participações musicais do músico da Gâmbia Mbye Ebrima (kora), do instrumentista moçambicano Chenny Wa Gune, de um quarteto de cordas brasileiro, da secção de sopros da banda brasileira Bixiga 70 e da cantora moçambicana Lenna Bahule.