“Vários atores vão interpretar em vários cantos e recantos da cidade textos de Pepetela, ao mesmo tempo que as fachadas dos prédios e outros locais vão mostrar a obra [do escritor] e torná-la até portátil, em caixas de leitura e muitos outros materiais”, prometeu a Câmara Municipal de Penafiel, no lançamento do certame.
A presença de Pepetela vai culminar na apresentação do seu novo romance, "Sua Excelência, de Corpo Presente", a realizar na sexta-feira à noite, e na programação de fim de semana, que se intensifica em redor da sua obra, com entrevistas e sessões públicas dedicadas ao criador de "Jaime Bunda, o agente secreto".
Até lá, Pepetela terá encontros com alunos do concelho, na iniciativa "O escritor vai à escola", que se realiza na quarta e na quinta-feira de manhã, e deixará também uma frase na cidade, como aconteceu com os autores homenageados nas dez edições anteriores.
Para a autarquia, o objetivo é que "Penafiel continue a ser, cada vez mais, uma cidade contaminada pela literatura".
Ao longo da semana, além de uma feira do livro, as ruas de Penafiel vão encher-se de atividades inspiradas em Pepetela, com música, teatro e exposições, e convidados que também celebram a obra do escritor angolano.
Os escritores Ondjaki, Mário Cláudio, Luandino Vieira, os jornalistas José Carlos Vasconcelos, Maria João Avilez e Fernando Alves e o professor José Carlos Seabra Pereira estão entre os convidados anunciados.
Na quarta-feira, será inaugurada a mostra de arte pública "Streetaria", aberta a "Rotunda da Escritaria" e, na quinta-feira, haverá um recital sobre "Escritos da Lusofonia", pelo ator Fernando Soares, com a harpista Eleonor Picas.
Na sexta-feira à noite, será realizada uma dramatização de um conto de Pepetela, antes da sessão de lançamento do seu novo romance, no Museu Municipal de Penafiel.
"Será impossível a qualquer pessoa não tropeçar no autor de carne e osso ou na sua escrita", assinala a autarquia, na apresentação da iniciativa, prometendo, para esta semana, "uma verdadeira transformação de Penafiel em torno do escritor homenageado e da sua obra".
Nas dez edições anteriores o festival Escritaria homenageou Urbano Tavares Rodrigues, José Saramago, Agustina Bessa-Luís, Mia Couto, António Lobo Antunes, Mário de Carvalho, Lídia Jorge, Mário Cláudio, Alice Vieira e Miguel Sousa Tavares.
Escritaria é o único festival literário que homenageia, em cada edição, um escritor vivo de língua portuguesa.
A última obra sobre Angola
O escritor esteve no sábado passado em Óbidos, no Folio - Festival Literário Internacional, onde admitiu que “Sua Excelência de Corpo Presente", o seu mais recente romance, possa ser seu último livro sobre a realidade histórica angolana.
“Este livro é capaz de ser mesmo o último [sobre a história contemporânea de Angola], porque está a ser muito difícil gerir o pós-escrita”, acreditando também que o país tenha entrado num novo ciclo, apesar de a corrupção ainda ser um problema.
A narrativa do romance aborda as conturbadas últimas décadas de um país africano, recordadas pelo seu presidente defunto, deitado num caixão forrado a cetim branco, num enorme salão cheio de flores, e que, apesar de morto, vê, ouve e pensa.
“Vê os que lhe foram prestar uma última homenagem (ou certificar-se de que morreu), ouve as suas conversas e sussurros, e pensa… Pensa muito, sobre tudo o que o rodeia, em como chegou àquela situação e no que se lhe seguirá. Assim estirado, aprisionado num corpo sem vida, mas na posse das suas faculdades intelectuais, só lhe resta entreter-se a recordar as peripécias vividas com muitos dos que lhe vieram dizer adeus, entre os quais se encontram diversos familiares, a primeira-dama (e as outras mulheres e namoradas), os numerosos filhos e as altas dignidades do Estado”, refere a editora portuguesa sobre a obra em comunicado.
“Ao relembrar a sua vida, o percurso que o levou a presidente e os muitos anos como chefe de Estado, vai-nos revelando os meandros do poder político, o nepotismo que o corrói e os vários abusos permitidos a quem o detém”, acrescentam as Publicações D. Quixote, na apresentação da obra.
Em Óbidos, Pepetela, nascido há 76 anos em Benguela, no sudoeste de Angola, afirmou que este foi, “de todos [os seus] livros, o mais difícil de escrever”, tendo demorado “seis anos” a fazê-lo.
As memórias da “excelência” são para o autor o pretexto para relatar os meandros do poder político, no que poderá ser “num local indeterminado de uma qualquer nação africana”.
Pepetela considerou que o livro é “uma realidade bastante geral”, em que nenhuma das personagens “corresponde realmente a qualquer pessoa”. É, no entanto, “capaz de ser uma ajuda para fechar aquele ciclo”, no país, na escrita do autor que prometeu dedicar-se a “livros mais pequenos, com mais ficção e menos personagens”.
Até porque, disse Pepetela, Angola “está diferente", desde que, “de há um ano para cá, a esperança renasceu e claramente há mudanças”.
Pepetela é o escritor homenageado este ano no festival literário Escritaria, em Penafiel, no âmbito do qual realiza várias visitas a escolas locais.
Na sexta-feira à noite, o professor da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e da Universidade Católica Portuguesa José Carlos Seabra Pereira vai apresentar “Sua Excelência, de Corpo Presente”.
Pepetela é o pseudónimo literário de Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos, que foi guerrilheiro do MPLA, político e governante.
Licenciado em Sociologia, pela Universidade de Argel, durante o seu exílio político, foi professor na Universidade Agostinho Neto, em Luanda, e dirigiu diversas associações culturais, designadamente, a União de Escritores Angolanos e a Associação Cultural Recreativa Chá de Caxinde.
Da obra de Pepetela destacam-se títulos como "Muana puó", "As aventuras de Ngunga", "A geração da utopia", "Parábola do cágado velho", "A gloriosa família", "Crónicas com fundo de guerra", "Yaka", "Se o passado não tivesse asas".
Em 1997, Pepetela foi distinguido com Prémio Camões.
Comentários