Para uma geração nascida na segunda metade dos anos 80 e que despertou para a música ainda com a MTV, os Red Hot Chili Peppers foram reis e senhores. Mais, até, do que para aqueles que ainda ouviram os norte-americanos nos seus primórdios (muito antes do seu pico de popularidade) e que, em plena explosão grunge, dançaram ao som de “Give It Away”, ou do que para os que só recentemente descobriram o rock segundo Kiedis, Flea, Smith ou Klinghoffer pela mão de "The Getaway", álbum editado o ano passado e o qual vieram apresentar na passada noite na MEO Arena, que esgotou para assistir de perto ao regresso do quarteto onze anos após a sua última presença em Portugal.
A culpa foi de “Californication”, o álbum onde os Red Hot Chili Peppers – ainda com John Frusciante a comandar os riffs, ele que será para sempre um dos grandes guitarristas da história do rock (quantas pessoas se podem gabar de ter construído a carreira de uma banda inteira com um simples lick?) - se mostra mais radiofónico, mais pop/rock sem ser sensaborão, mais propício a criar bandas sonoras para adolescentes alienados em época de liceu e exames, com temas como o tema-título, “Scar Tissue” ou “Otherside” a dar música aos primeiros beijos, às primeiras cervejas e até ao primeiro consumo de substâncias psicotrópicas. Reis, senhores. Extremamente importantes na formação de milhares, milhões de indivíduos por esse mundo fora.
Uma boa porção deles encheu esta noite o Parque das Nações, em Lisboa, já depois de terem sido revistados exaustivamente por parte das forças de segurança, e já depois de eles próprios terem revistado as suas memórias de um passado que parece estupidamente distante – e que o é: dezoito anos de “Californication” não são coisa pouca. E uma boa porção destes, se não mesmo todos, terão saído desiludidos e exaustos daquela hora e meia, pouco mais, de concerto.
“Exaustos” porque ninguém esperaria que o público estivesse estático. Não esteve; eram muitos os pulos, muitos mais os gritos e os braços no ar, erguendo telemóveis ou brindes da EDP mais aptos para raves que para um contexto rock. Mas “desiludidos” porque os Red Hot Chili Peppers, e que Deus abençoe os Red Hot Chili Peppers, não mereciam ter tocado numa MEO Arena que, tantos anos e tantos investimentos depois, continua a ser um abismo no que toca à qualidade de som em concertos. Do balcão 2, o volume extremamente elevado, quase nauseante, arruinava aquilo que deveria ter sido uma daquelas experiências para relembrar na (maior) velhice. Isto quando os demais instrumentos e voz não eram engolidos pela bateria.
Valeu, na medida dos possíveis, o espetáculo que dá pelo nome de Flea, legítimo herdeiro do funk negro e um dos seus maiores expoentes – ele que teria tido uma vida bastante diferente, tal como os RHCP a teriam sem ele, caso se tivesse, nos anos 80, juntado aos Public Image Ltd. de Johnny Rotten, onde chegou a fazer uma audição. É o groove que sai do seu baixo que marca o compasso, é o wah-wah que faz abanar os corpos de milhares de pessoas, e são as suas tiradas que mais fazem rir. Sem desprimor para os talentos vocais de Anthony Kiedis, para a concentração de Chad Smith e para o “eterno substituto” Josh Klinghoffer, a quem até foi dado um curto tempo de antena para, sozinho em palco, provar que não está na banda por acaso.
Depois de uma intro Stoogiana, com baixo, guitarra e bateria chocando e chocoalhando, foi “Can't Stop” a fazer as honras de abertura num concerto que, sobretudo, valeu pelos êxitos: "The Getaway" (ainda) não é um clássico e, por isso, há que voltar atenções para velhos amigos como “Snow ((Hey Oh))”, “Californication”, “Suck My Kiss” e “Give It Away”, já no encore. Batamos na mesma tecla: deveria ter sido muito mais do que isto e só não o foi porque estamos a falar na MEO Arena. Lastimável. E este é um adjetivo que também pode ser usado para descrever o concerto dos esforçados New Power Generation, com colaboração de Bilal, que mais não andam a fazer que ganhar dinheiro à custa de um Prince morto. Tenhamos alguma moral que nisto do rock não vale tudo.
“Isto do rock” também se adaptou a Salvador Sobral. O novo menino bonito da música made in Portugal subiu ao palco EDP com o projeto Alexander Search, banda inspirada pela poesia de Fernando Pessoa e que conta com o autor de “Amar Pelos Dois” na voz, ele que foi oscilando entre o crooner e a rockstar, com os gritos agudos da praxe. Ninguém ouviu o tema que venceu o festival da Eurovisão (e eram muitos os que o esperavam), mas ninguém poderá dizer que não foi um espetáculo divertido – e até houve poesia atirada ao público. Tal como os Boogarins atiraram o seu rock psicadélico ali para o meio, entre o ruído e a dança, e tal como os Orwells espalharam fuzz e teclados numa harmonia garage, eles que já podemos considerar de culto.
O mesmo culto que habita a música de Kevin Morby, que depois do concerto no último Vodafone Mexefest voltou a provar por que motivo é um dos grandes nomes do indie rock atual, referenciando os nobres Ramones, citando os Red Hot Chili Peppers e espalhando as suas canções rasgadas, mas também feitas de carícias folk (um pouco como os Pixies o faziam), por toda a cidade que parecia estar ali contida naquele momento bucólico e bonito (oh, that city music..., Cantou ele, como se quisesse tocar toda Lisboa naquelas seis cordas). E por falar em rock: foi de Legendary Tigerman toda a loucura que normalmente associamos ao género, ele que veio até ao festival para mostrar, em primeiríssima mão, os temas do seu próximo álbum ("Misfit", com data de edição marcada para janeiro do próximo ano), mas que não deixou de enveredar por outros terrenos, como aqueles de “21st Century Rock N' Roll”, a canção que melhor o define como o verdadeiro rocker português. Mesmo que, à mesma hora, os Capitão Fausto tenham levado muito do seu público para a MEO Arena.
Os Red Hot Chili Peppers não permitiram a captação de fotografias por parte da imprensa digital. A fotografia de destaque refere-se a um concerto da banda a 15 de fevereiro de 2017, em Nova Iorque, EUA. O artigo foi originalmente publicado com uma fotografia divulgada pelo Facebook do Super Bock Super Rock, entretanto apagada por uma questão de direitos de imagem.
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