A peça fala sobre as “vicissitudes da família enquanto pilar principal da sociedade e das relações sociais que estabelecemos – sem a situar no espaço, tempo ou definir a sua tipologia -, e esta incapacidade de nos aproximarmos de uma família perfeita”, disse à agência Lusa o ator Elmano Sancho, autor do texto e da encenação.

O ator transpõe para o palco pensamentos e sentimentos característicos do trabalho que tem vindo a desenvolver desde 2014, quando se estreou na encenação e foi de imediato premiado (“Misterman”, de Enda Walsh), e no qual reflete preocupações que lhe são “inerentes e muito ligadas à conhecida como crise existencialista”.

“Um tema que não é novo, mas que continua atual na sociedade individualista em que vivemos”, em que “cada vez mais somos remetidos para um simples número”. E em que, apesar de sabermos que somos finitos, “temos cada vez mais dificuldade de nos consciencializarmos de que vamos morrer”, frisou à Lusa.

A perda, a solidão, a dor, a velhice e a morte são, segundo o autor, temas constantes de “Maria, a Mãe”, na qual está também muito presente o pensamento do filósofo sul-coreano Byung-Chul Han.

Nascido em Seul, em 1959, e residente na Alemanha, onde estudou e leciona Filosofia e Estudos Culturais na Universidade de Berlim, Byung-Chul Han (editado em Portugal pela Relógio d’Água) é um dos pensadores contemporâneos que mais tem criticado o uso da Internet e a sociedade atual. A alienação, a dominação pela ‘sociedade do cansaço’ [título de um dos seus livros], a exploração que esta impõe ao ser humano, e a perda de rituais identitários são alguns dos temas caros a este autor e ao trabalho que Elmano Sancho tem vindo a desenvolver.

Para Elmano Sancho, estas questões são cada vez mais prementes com a pandemia de covid-19 que assola o mundo e “obriga” as pessoas a “afastarem-se para terem de sobreviver”. “Vivemos dias em que o toque carrega o cheiro de morte”, enfatizou.

“Maria, a Mãe” tem como objeto cénico a imagem da Sagrada Família, culto cristão que remonta ao século XV, com representação num pequeno oratório portátil, com as figuras de José, Maria e Jesus, sustentando rituais que persistem.

Estes rituais “acabam por ser inerentes à natureza gregária do ser humano, tal como o casamento ou o funeral”, que permanecem como elementos agregadores da comunidade, sobretudo nos meios mais rurais, mas que no tempo “voraz” das cidades atuais está cada vez mais em desuso, observou o autor.

A peça que agora vai estar em cena na sala Estúdio do Teatro da Trindade é o segundo texto da trilogia “A Sagrada Família”, que Elmano Sancho começou a escrever em 2017, para a qual venceu uma bolsa da Direção-Geral do Livro e das Bibliotecas (DGLB), e que nunca pensou “pôr em palco”.

“O ‘Pai’ foi o primeiro texto a ficar concluído, embora ‘Pai’ e ‘Mãe’ tenham sido terminados quase em simultâneo”, disse.

“A Mãe” chega agora ao Trindade, após um desafio lançado a Elmano Sancho pelo diretor artístico do teatro, Diogo Infante, “a primeira pessoa” a ler o texto.

Neste momento, o autor afirma querer continuar a escrever o último texto da trilogia — “O filho” – e não pensa pôr “O pai” em cena. “Pode ser outra pessoa a encená-lo, se estiver interessada”, disse.

A aposta é “conseguir dar continuidade a ‘Maria, a Mãe'”, o que “não é nada fácil” devido à pandemia e às limitações de horários, impostas pelo estado de emergência, em vigor em 121 concelhos.

“Ainda não estreámos e já estamos a sofrer limitações, pois não podemos fazer os quatro espetáculos previstos para os próximos dois fins de semana”, frisou.

Três destes espetáculos já se encontravam com lotação esgotada, segundo o Teatro da Trindade, onde a peça estará em cena até 20 de dezembro, com sessões de quarta-feira a domingo, às 19:00.

A interpretar “Maria, a Mãe”, com espaço cénico de Samantha Silva e figurinos de Ana Paula Rocha, vão estar Custódia Galego, João Gaspar e Lucília Raimundo.

Produção conjunta do Teatro da Trindade/INATEL, da companhia Loup Solitaire e da Casa das Artes de Vila Nova de Famalicão, “Maria, a Mãe” conta com o apoio da Fundação GDA, criada pela cooperativa Gestão e Direitos dos Artistas e da Câmara de Lisboa.

A peça tem digressão prevista para janeiro e fevereiro de 2021, com espetáculos em Vila Nova de Famalicão (22 e 23 de janeiro) e Faro (28). Para fevereiro, estão previstas apresentações no Funchal (dias 05 e 06), em Castelo Branco (11) e Ponte de Lima (19).