Com texto e conceção artística do tenor Mário João Alves, o espetáculo tem por base as 36 pequenas peças para piano, compostas por Francisco de Lacerda, com os seus comentários e indicações, a que o pianista e regente João Paulo Santos dará corpo.

Com a maioria das peças concluídas em 1922, as “Trente-six histoires pour amuser les enfants d’un artiste” enquadram-se nas principais tendências da música europeia do século XX, nomeadamente do impressionismo, e constituem uma das mais importantes obras da época e do compositor, segundo a crítica e a musicologia, e também uma das mais reveladoras da natureza de Lacerda, da sua criatividade e humor, como sublinhou o investigador Bettencourt da Câmara.

A obra é uma sucessão de “joias poéticas bem-humoradas, cujos protagonistas são animais: galos, cães, macacos, pássaros, lebres, polvos, pavões, focas, castores, pombos, rolas, patos, hipopótamos, ursos, lobos, bodes, cucos…”, que revelam “Lacerda como um modernista”, escreve o Teatro Nacional de S. Carlos (TNSC), na apresentação do espetáculo.

“Embora contendo momentos de extrema precisão descritiva”, toda a obra “é fundamentalmente” marcada “pela capacidade evocativa”, prossegue o teatro lírico, recordando comentários do próprio Lacerda às diferentes peças em que, a par das indicações de interpretação, deixa também “impressões” de ambiente.

É o caso da beleza da “lua sobre um lago” e do vento que “chora suavemente nos pinheiros”, logo na peça de abertura, “Os pássaros que se vão para sempre”, do sentimento “combativo” a injúrias e indignidades, que coloca em “O galo e a sua sombra”, ou do ambiente “presunçoso e arrogante, mas ainda assim com alguma nobreza e melancolia”, com que acompanha a história dos pavões.

Lacerda também ilustrou algumas destas 36 histórias, para a revista Contemporânea de dezembro de 1922, e os desenhos são igualmente evocados pelo TNSC.

Francisco de Lacerda (1869-1934) foi um pianista, maestro e compositor português, natural da Ilha de S. Jorge, que se fixou em Paris, no final do século XIX, onde estudou com Charles Widor e Vincent d’Indy – a quem sucedeu na classe de Orquestra do Conservatório de Paris, por indicação do mestre -, entre outros protagonistas da modernidade da época.

Nome da chamada escola francesa, a par de Gabriel Fauré, Francis Poulenc, Paul Dukas, Claude Debussy, com quem privou, Lacerda adquiriu notoriedade internacional sobretudo como maestro da Schola Cantorum, na viragem para o século XX, tendo trabalhado também com os regentes alemães Arthur Nikisch e Hans Richter.

Em vésperas da Grande Guerra de 1914-1918, Lacerda regressou aos Açores, onde se dedicou à investigação da música tradicional, de que viria a resultar um primeiro Cancioneiro Musical Português, com melodias harmonizadas para canto e piano.

Foi um dos fundadores da associação Pró-Arte, e criou o projeto “Uma Hora de Arte”, em Lisboa, dedicado aos operários.

Na década de 1920, de novo em Paris, retomou a regência dos “Grands Concerts Classiques”. Em 1928, porém, a carreira internacional como maestro, cada vez mais reconhecida, cedeu à tuberculose.

De regresso a Portugal, retomou a investigação da música de origem popular, que manteve até à morte.

Poemas sinfónicos, música para bailado, peças para órgão, piano, trios e quartetos de cordas, além das “Trente-six histoires pour amuser les enfants d’un artiste”, entre outras composições, estão entre as suas principais obras.

“O pequeno jardim do Sr. Lacerda” é apresentado na sala Experimental do Teatro Municipal Joaquim Benite, em Almada, no dia 08 de novembro, às 18:00, e destina-se a crianças a partir dos três anos.