"Uma combinação entre a comédia negra e o drama hilariante, que descreve a relação difícil, carinhosa e por vezes absurda entre uma jovem emigrada e o seu pai. Ilustra de maneira comovente como as relações familiares mudam e nos afectam, numa sociedade envelhecida e competitiva. Não oferece respostas fáceis, mas encoraja-nos a procurar aquilo que devemos proteger e estimar." Foi assim que o então presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, descreveu Toni Erdmann, o filme de Maren Ade (uma co-produção entre a Alemanha, Áustria e Roménia) que acabou nomeado para o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro – e que tinha (quase) tudo a seu favor.
Quase tudo a favor antes de Donald Trump tomar posse, antes de existir um decreto a banir imigrantes de sete países muçulmanos, antes de a cerimónia dos Óscares se ter tornado a mais política dos últimos anos. E, por isso, também antes de Toni Erdmann, o favorito na categoria Melhor Filme Estrangeiro, ter perdido para "The Salesman" de Asghar Farhadi, o realizador iraniano de não foi à cerimónia em protesto com o decreto da imigração de Donald Trump.
Custou cinco milhões, levou 56 dias a filmar e um ano e meio a ser editado. Já está traduzido e legendado em 24 línguas, todas as faladas nos países da União Europeia, e vai ter uma versão americana, com Jack Nicholson e Kristen Wiig nos papéis principais, no original desempenhados por Peter Simonischek e Sandra Hüller.
Trata-se da história de Winfried Conradi, um professor de música viúvo e reformado, pai de Ines, uma super-executiva solteira e viciada no trabalho, em Bucareste. Winfried faz tudo para chamar a atenção de Ines. E tudo significa usar cabeleiras e dentes postiços, identidades falsas e pregar todo o tipo de partidas inconvenientes. Quase três horas de filme. No final do ano passado, na entrega do Prémio Lux 2016, no Parlamento Europeu, o SAPO24 falou com o produtor Jonas Dornbach que já trabalhou com portugueses e que tem pena de ainda não falar português.
Fala português?
Não. Devia, mas não falo. Já fizemos três filmes com Miguel Gomes – "Tabu“ (2012), "Redemption” (2013) e "Arabian Nights" (2015) – éramos o co-produtor alemão.
Que palavras sabe dizer português?
Obrigado e galão. [risos]
Qual foi o último filme que viu num cinema?
Eu, Daniel Blake, de Ken Loach. [a entrevista realizou-se em dezembro ]
Quanto custa um bilhete de cinema na Alemanha?
Um bilhete de cinema custa em média entre oito e nove euros.
Como olha para o fenómeno Netflix e internet em geral onde podem ver-se filmes e séries imediatamente e muitas vezes a custo zero?
Penso que está a tornar-se uma realidade e, por isso, temos de a enfrentar. A Amazon, a Netflix são os grandes players e estão a apostar muito dinheiro para obter filmes e séries. Quando são os compradores, tudo bem. Mas a partir do momento em que se tornam produtores, aí é desafiador. Como produtor tenho alguns problemas com isso, porque de certa maneira passámos a ser apenas aquele que entregam os filmes e todos os direitos são deles, dos outros.
Qual a importância de ganhar o Prémio Lux de Cinema 2016, atribuído pelo Parlamento Europeu?
É fantástico, porque nos traz reconhecimento e dá a oportunidade de traduzir e legendar o filme em 24 línguas, todas as faladas na União Europeia, o que para os distribuidores nos vários países é uma grande ajuda.
Seria melhor um prémio em dinheiro?
O dinheiro faz sempre falta. Mas, na verdade, é como se fosse um prémio pecuniário, porque a legendagem custa qualquer coisa como 50 mil euros.
E o filme, quanto custou?
Custou cinco milhões de euros.
Cinco milhões? Como, em quê?
É uma boa pergunta. Na verdade, começámos com uma grande preparação, em 2010. A Maren [Ade] fez muita pesquisa, gosta de autenticidade e quis ter a certeza, por exemplo, de que a linguagem empresarial era a certa. Depois o processo de casting foi monstruoso, ela fez a escolha para cada papel pessoalmente, jamais o faria pela visualização de uma gravação. Isso demorou muito tempo e muito tempo significa sempre dinheiro. Tivemos muitos custos na preparação, mas depois fizemos as filmagens em apenas 56 dias. Editámos o filme durante um ano e meio, é muito longo e na pós-produção foi tudo muito mais caro do que pensámos inicialmente. Foi isto.
A escolha do tema, como aconteceu?
Penso que a Maren queria fazer alguma coisa sobre a família e o tipo de relações que os filhos têm com os pais. Todos têm família e todos têm um papel dentro da sua família: neta, filho, mãe, irmã, avô. E estamos, de certa forma, presos a esse papel, é impossível fugir-lhe e ver a pessoa noutro papel ou de outro ponto de vista, por assim dizer. Penso que isso fascinou Maren Ade. E, claro, o pai dela também é um gozão - talvez nessa parte seja um pouco autobiográfico. Ele vai estar no Parlamento Europeu e, vai ver, talvez pregue algumas partidas.
Cinema à parte, o que o preocupa nesta União Europeia?
Penso que estamos a atravessar tempos difíceis. Olhamos para a Turquia, que talvez devesse fazer parte da UE, vemos o Brexit, o Reino Unido a deixar a UE. São tempos radicais, já sem falar nos Estados Unidos da América e no que lá se passa. De certa maneira é assustador, mas penso que temos tanto em comum - valores, história, forma de viver, partilha – que acredito que é importante manter esta Europa diversificada mas unida nas suas diferenças. É importante manter as diferenças vivas para podermos ficar juntos.
Sente que os restantes países da UE pensam na Alemanha como salvador ou como carrasco?
É um papel muito difícil. Às vezes é preciso tomar as rédeas da situação, aceitar mais responsabilidade naquilo que está a passar-se. Mas a verdade é que a Alemanha está a beneficiar muito a UE, com a sua economia é forte. As pessoas têm alguma inveja e algum ressentimento, mas depende dos países. Portugal pode estar farto, porque teve a troika, mas a Bulgária talvez gostasse de ter Angela Merkel a governar o país. São perspectivas. Acredito que a Alemanha pode fazer mais e melhor para ajudar, mas também já vimos que o caminho que está a ser tomado não é o caminho certo. Todos têm de assumir responsabilidades.
A indústria precisa do apoio dos governos, de fundos, porque é importante contar histórias.
O cinema europeu pode competir com o cinema americano?
Não, não acredito nisso. Eles têm tanto dinheiro e o dinheiro que angariam para um filme, os orçamentos que têm, são dez vezes os nossos. Mas não é só isso que importa. Para mim o cinema, os filmes, são uma coisa cultural. A indústria precisa do apoio dos governos, de fundos, porque é importante contar histórias. Não necessariamente para ganhar dinheiro, mas porque são importantes e é importante que sejam contadas. Os filmes americanos também podem falar de assuntos importantes, mas são sempre motivados pelo lucro. Nunca poderemos competir em termos financeiros.
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