CAPÍTULO 1

A frágil mesa de jogo estava tão cheia de pratos e cotovelos que Tom Cummins quase tinha medo de levar o garfo à boca para comer, medo de que mesmo o seu mais leve movimento pudesse ameaçar destruir a cena cuidadosamente disposta. À sua direita, estava sentada a delicada figura da sua prima Julie Kerry, que devorava o seu prato fumegante de frango salteado sem um único pensamento acerca da robustez da mesa trémula. À sua esquerda, as suas duas irmãs mais novas, Tink e Kathy, partilhavam o banco de órgão do avô e davam repetidamente chutos uma à outra por baixo da mesa, numa luta pelo precioso espaço para os joelhos. Ao lado delas, Robin, irmã de Julie, parecia diminuída numa grande poltrona reclinável de veludo azul, e Jamie, a irmã mais nova delas, estava empoleirada como uma ave no braço da poltrona. As cinco raparigas atacavam os seus pratos com um vigor que ameaçava a pequena e instável mesa a cada garfada, mas apenas Tom parecia preocupado.

Havia espaço que chegasse na mesa da sala de jantar para um par deles ter comido ao pé dos adultos, mas ninguém queria per- der a diversão na mesa das crianças. Portanto, sacrificaram espaço de manobra e amontoaram-se juntos. Os seis primos estavam estranhamente calados, talvez por causa da boa comida que comiam, ou devido à presença inibidora de pais e avós na sala contígua. O mais provável, porém, era que as suas seis cabeças estivessem a partilhar uma leve e tácita melancolia com a ideia da sua iminente separação. Todos sabiam que dentro de doze horas, os irmãos Cummins estariam amontoados na carrinha dos pais e a viajar para leste, de regresso a Washington, D.C., deixando St. Louis e as primas Kerry para trás.

Jamie, de nove anos, tinha acabado de comer o frango todo do seu salteado e empurrava indolentemente de um lado para o outro ervilhas-de-quebrar e brócolos com o garfo. Olhava para o prato de Robin e esperava pacientemente. Quando Robin acabou de engolir sofregamente todos os seus legumes, trocou o seu prato cheio de frango pelos legumes de Jamie e as duas irmãs continuaram a comer. Tink e Kathy reprimiram uma risada perante este movimento. A troca de legumes e carne de Jamie e Robin ainda não perdera a novidade para elas. Era o género de comportamento que os seus rígidos pais nunca teriam permitido, e como tal, tinha aquela aura de proibição a que os adolescentes parecem achar tanta piada.

Robin, de dezanove anos, era uma vegetariana rigorosa; Jamie detestava legumes. Assim, as irmãs tinham criado este sistema infalível que nunca levantara qualquer desaprovação naquela casa inteiramente feminina – Ginna, a mãe delas, sempre encorajara as filhas a abraçarem os seus ideais individuais. Mas para Tink e Kathy, que foram criadas num lar onde o livre-pensamento e o questionamento da autoridade não eram hábitos ativamente cultivados, a troca de comida não podia ser mais estranha. De facto, Tink e Kathy achavam quase tudo o que dizia respeito às primas um pouco exótico. As irmãs Kerry eram o tipo de pessoas que os filhos dos Cummins gostariam de ser.

Tink, de dezasseis anos, idolatrava Julie, de vinte, pela sua poesia e a sua paixão. O facto de Julie ser uma brilhante jogadora de futebol só aumentava a devoção de Tink por ela; era atacante – a mesma posição em que Tink jogava. E Kathy, que tinha quase quinze anos, idolatrava da mesma forma Robin. Kathy até experimentara ser vegetariana durante cerca de um ano, mas Tink e Tom tinham-na gozado impiedosamente, e Kay, a sua mãe, tinha explicado que, pelo menos enquanto fosse ela a preparar o jantar, Kathy teria de comer o que ela cozinhasse – e ponto final. Então Kathy obedeceu com inquietude, mas admirava a prima mais velha pela sua independência e determinação.

Luísa Sobral vem ao É Desta Que Leio Isto. Quer ler "Apenas Miúdos", de Patti Smith? Junte-se à conversa

Luísa Sobral junta-se ao É Desta Que Leio Isto no próximo encontro, marcado para dia 14 de setembro, pelas 21h.

Habituada a recomendar leituras nas suas redes sociais, traz um livro para o clube É Desta Que Leio Isto — e não deixa a música de fora: "Apenas Miúdos", de Patti Smith.

"Apenas Miúdos", de Patti Smith

Este é o primeiro livro de Patti Smith em prosa. É um livro de memórias — que começa no Verão em que Coltrane morreu, do Verão do amor livre e de todos os motins, do Verão em que conheceu a figura central deste livro — o lendário fotógrafo americano Robert Mapplethorpe. Mas é também um retrato de época — dos dias do Chelsea Hotel e de Nova Iorque no fim dos anos 1960 — e uma comovente história de juventude e amizade.

Just Kids é uma fábula em que encontramos poesia, rock’n’roll, sexo e arte que começa numa história de amor e acaba numa elegia.

Sobre Luísa Sobral:

Luísa Sobral é considerada uma das cantoras-compositoras mais importantes da nova geração de músicos portugueses. Estreou-se em 2011 com ‘The Cherry on My Cake’. Seguem-se ‘There’s A Flower In My Bedroom’ (2013), com convidados como Jamie Cullum, António Zambujo e Mário Laginha, ‘Lu-Pu-I-Pi-Sa-Pa’ (2014), destinado ao público infantil, e ‘Luísa’ (2016), gravado em Los Angeles. ‘Rosa’, o quinto álbum de originais, chegou em 2018.

"A sua faceta de compositora vai-se destacando ao longo dos anos, chegando a compor para artistas como Ana Moura, António Zambujo, Gisela João, Sara Correia, Mayra Andrade, entre muitos outros. Em 2017, assina ‘Amar Pelos Dois’, que entrega ao irmão, Salvador Sobral, para interpretar. A parceria fraterna revela-se um estrondoso sucesso: Portugal conquista a sua primeira vitória de sempre na Eurovisão", pode ler-se na sua biografia.

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Tom era o único elemento masculino do grupinho, e Julie era a sua melhor amiga. Era um facto de que ele se orgulhava, porque Julie era fixe de uma forma que Tom sempre quisera ser. Ela fazia-o rir, alimentava a sua autoestima e inspirava-o. Tom era uma pessoa prática, quase pessimista por natureza. Julie ensinara-o a sonhar, a acalentar as suas ambições. Mas ele não sabia nada disto conscientemente; apenas gostava de como se sentia junto dela. Ela criava diversão aonde quer que fosse. Portanto, Tom e Julie eram confidentes com um laço tão forte que transbordava para as irmãs deles. Fazia com que os seis sentissem que faziam parte de uma sociedade clandestina e impenetrável. Era compreensível que o seu último jantar juntos fosse levemente sombrio e taciturno.

Depois de os seis pratos de frango salteado serem esvaziados, passados por água e arrumados no lava-louça, os seis primos retiraram-se para a sala de jogos na cave enquanto os adultos tomavam café e conversavam. Lá em baixo, na cave bafienta, Simon and Garfunkel era a música de eleição e gin rummy o jogo. A mesa de jogo, coberta de pano verde, estava tão cheia como a mesa de jantar deles estivera minutos antes. Mas, mais uma vez, ninguém parecia importar-se. Tink assumira o papel de croupier, incluindo uma viseira verde e um charuto de pretzel – e a parada era alta: fichas de plástico e a oportunidade de se gabarem. Finalmente, Ginna gritou do cimo das escadas dizendo que ia para casa e pediu a Julie que não deixasse Jamie ficar acordada até muito tarde. Os jogos continuaram, e Tink rabiscou o seu nome no braço de Tom em letras maiúsculas quando devia estar a contar os pontos. Normalmente, Tom ter-lhe-ia sacudido a esferográfica da mão por estar a riscá-lo, mas naquele momento isto parecia condizer, de certo modo, com a atmosfera da tarde. Ele riu-se dela e afastou-a com um encolher de ombros quando ela tentava acrescentar um floreado ao K. Volvida cerca de uma hora, Jamie começou a ficar aborrecida, Tom cansou-se de perder e Robin estava, de qualquer modo, a ressacar de nicotina, por isso o grupo tomou a decisão coletiva de passar a festa para o jardim da frente.

Era hora do crepúsculo em Fair Acres Road. Tink e Kathy chutavam descalças uma bola de futebol na relva orvalhada enquanto os outros lutavam entre si às cavalitas uns dos outros – Julie às cos- tas de Tom e Jamie às de Robin. A alguns metros dali, o Chevy Chevette de Julie, em tempos azul, estava estacionado no caminho de acesso, uma mancha ferrugenta na paisagem suburbana. Tinha a traseira completamente coberta de autocolantes, um dos quais proclamava: O RONALD REAGAN É UMA LÉSBICA. Gene, o pai dos Cummins, não o achara especialmente divertido.

Os seis companheiros riam e brincavam na penumbra com um abandono que os adolescentes raramente sentem à-vontade para exibir. Como acontecia muitas vezes, Jamie, de nove anos, parecia mais madura do que todos os outros elementos do grupo. O seu humor irónico e descontração faziam-na parecer estranha- mente sensata e crescida – tanto, de facto, que os seus raros momentos de infantilidade por vezes sobressaltavam os outros. Mas naquela noite, todos eles brincavam como crianças. Juntos, abandonavam o constrangimento e abraçavam os seus últimos vestígios de infância. Portanto, foi com o coração pesado que puseram fim à alegria quando Gene abriu a porta de rede com um rangido e apareceu no degrau da frente. Havia malas para fazer; havia duches para tomar; havia sono para dormir. Estava na altura das despedidas.

Robin lançou tragicamente os seus braços em volta de Tink e gritou:

– Não vás. POR FAVOR, não vás!

Isto desencadeou uma torrente de sarcasmo e, pouco depois, estavam os seis a soluçar nos pescoços uns dos outros: «Vou ter saudades tuas! Adoro-te! Vou escrever-te todos os dias!» enquanto Gene revirava os olhos e abanava a cabeça. Houve um momento ou dois de autêntica seriedade e algumas lágrimas genuínas (ainda que bem escondidas) no meio da vaga de sarcasmo. E enquanto todos se preparavam para a inevitável separação, Julie e Robin sugeriram que eles podiam fazer uma viagem de verão a Washington para os visitar. Toda a gente se animou com a ideia. E assim, acompanhadas por uma abundância de sorrisos e acenos, as três irmãs treparam para o pequeno carro de Julie e partiram.

Gene levou os seus três filhos para dentro de casa e atribuiu-lhes diferentes tarefas em preparação para a viagem do dia seguinte. Tom esperou até ficar convencido de que as suas duas irmãs estavam fora do alcance do ouvido e depois pediu ao pai permissão para sair naquela noite. Gene abanou a cabeça; tinham uma longa viagem pela frente no dia seguinte e ele queria toda a gente na cama cedo para estarem bem descansados de manhã. A última coisa com que queria lidar durante uma viagem de carro de dois dias era um adolescente cansado e rabugento.

Livro: "Um Golpe no Céu"

Autor: Jeanine Cummins

Editora: ASA

Data de Lançamento: 29 de agosto de 2023

Preço: € 18,90

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Tom resmungou amargamente durante alguns momentos e depois aceitou a derrota.

– Bem, tenho de telefonar à Julie de qualquer maneira para lhe dizer que não posso ir – disse, mirando o pai com uma insolência que só um rapaz de dezanove anos conseguia alcançar.

Gene encolheu os ombros, impassível.

– Acho que é melhor ires telefonar-lhe, então – respondeu.

O plano de Tom para se esgueirar de casa e se encontrar em segredo com Julie tomou forma quase por acaso. Ele já conseguira escapulir-se uma vez naquela semana, mas estava mesmo à espera de que o pai fosse razoável desta vez. Ainda assim, Tom não ia deixar que a recusa de Gene estragasse a noite. Por isso, após alguns minutos ao telefone, ele e Julie tinham traçado os seus planos secretos.

Tom dormira a maior parte da semana na cama articulada na parte de trás da carrinha. Depois de passar uma longa noite insone no sofá de veludo azul da avó, a ouvir o pai ressonar através da parede revestida de madeira, tinha convencido os pais de que o lugar mais lógico, mais confortável, para ele dormir seria a cama da carrinha. Afinal, de que servia ter uma cama na carrinha se ninguém dormia nela? Então, durante toda aquela semana, à hora de dormir, Tom pegara numa chave de casa e numa chave da carrinha, e retirara-se para o caminho de acesso. Esta noite iria, em vez disso, simplesmente até ao fim da rua para esperar por Julie na esquina.

Quando Tom voltou a pousar cuidadosamente o auscultador no descanso do velho telefone de disco e girou no banco de bar da cave do avô Art, ficou cara a cara com a sua irmã Tink e percebeu logo que os seus planos tinham sido descobertos. Depois de vários minutos de queixas e súplicas, Tink estava prestes a perder a esperança de ser convidada a ir com eles quando Kathy saiu tranquilamente do quarto de banho, com a toalha à volta da cabeça e a escova de dentes na boca, para ver o que estava a perder. Tink pô-la a par da excitação, na esperança de conquistar uma aliada para os seus argumentos, enquanto Tom olhava nervosamente para as escadas e lhe silvava para falar baixo. Kathy regressou ao quarto de banho para cuspir e, quando voltou, começou sistematicamente a apontar falhas ao plano. O problema mais óbvio e desencorajador era que Tink e Kathy estavam a partilhar o quarto de hóspedes, que ficava mesmo em frente ao dos avós, que tinham o sono leve. Seria quase impossível uma ou ambas saírem despercebidas. Para Tom, a tarefa seria infinitamente mais fácil. De facto, ele não teria de sair à socapa, só teria de se afastar à socapa. Por fim, a lógica irritante- mente sensata de Kathy convenceu a irmã, e Tink cedeu. Além disso, não queria colar-se a eles, fungou enquanto subia as escadas, queria que a convidassem a ir.

Esta cena era a representação perfeita das duas irmãs Cummins e dos seus temperamentos. Tink nunca pensava nos aspetos práticos.

Era a sonhadora, a comediante, a avançada-centro nas suas equi- pas de hóquei e futebol, alguém que procurava sempre a ribalta e normalmente a conseguia. Kathy tinha um carácter mais tímido e mais sarcástico, mas também mais corajoso. Jogava a guarda- -redes em ambas as equipas e era mais realista e sensata do que a sua irmã um pouco mais velha. Tink era a agressora; Kathy era a defensora.

Portanto, as irmãs desejaram sorte ao seu irmão e voltaram às tarefas que lhes tinham sido atribuídas. Tink mais relutante, claro, amuando durante algum tempo até começar a bocejar enquanto dobrava a roupa e fazia as malas. Por fim, até começou a pensar que talvez a cama não fosse um desfecho assim tão mau para a noite. Em breve, estava tudo pronto para a viagem da manhã seguinte e as luzes da casa aconchegante começavam a apagar-se, uma a uma, à medida que os seus ocupantes iam para a cama.

Entretanto, Tom empatava no quarto de banho da cave. Escovou os dentes duas vezes. Passou fio dental. Voltou a escovar os dentes e depois olhou para o relógio. Sentou-se, nervoso, na tampa fechada da sanita, completamente vestido e à espera de que os sons de vigília parassem por cima dele. Folheou indolentemente a Ladies’ Home Journal da mãe e tentou não fixar o olhar no relógio. Normalmente, era o último a deitar-se, portanto os pais não iriam desconfiar se o ouvissem sair para a carrinha depois de toda a gente ter ido para a cama. Ainda assim, tinha esperança de que todos estivessem a dormir antes de ser hora de sair. Quando finalmente se fartou de ler sobre «Como fazer o bolo bundt perfeito», fechou a revista, olhou-se uma última vez ao espelho e desligou a luz do quarto de banho.

Às onze horas, Tom fechou e trancou a porta da frente da casa de tijolo dos avós a sentir-se um bocado sorrateiro e parvo. No caminho de acesso, o forte projetor acendeu-se, iluminando todo o jardim e, pareceu a Tom, metade do bairro. Ele observou a janela do quarto onde os pais estavam a dormir. As cortinas e estores estavam bem fechados. Nada se mexia. Aproximou-se da carrinha e abriu-a, atirou a mochila lá para dentro, esperou um momento e depois bateu com a porta. Inconscientemente, susteve a respiração enquanto dobrava a esquina da carrinha e avançava, rápido e silencioso, em direção à rua. Ao chegar ao fim do caminho, levou a mão ao bolso do casaco e tirou um maço de tabaco. Parou alguns minutos e ficou ao fundo do caminho de acesso, a fumar e a observar a casa. Se alguém lá dentro estivesse desconfiado, sairia agora, dentro de um minuto ou dois. O cigarro era um bom álibi – preferia ser apanhado a fumar do que a sair à socapa. Mas nem um pio vinha de dentro de casa, por isso, a meio do cigarro, deu meia-volta e começou a andar na noite fria, a pensar em como era ridículo que tivesse dezanove anos e ainda se sentisse tão matreiro a desobedecer ao pai.

Quando Tom pedira autorização ao pai para sair naquela noite, a sua intenção era ir ao Denny’s – só tomar um café e conversar um bocado com Julie e Robin. Mas agora que estava na rua, percebeu que não tinha restrições de tempo. Quando Julie e Robin chegaram no carro que Tom apelidara de «Abelhão» graças ao som agudo, estilo lambreta, do motor, os três primos fizeram uma rápida conferência. A gritar por cima do zumbido sonoro do pequeno carro, tomaram a decisão coletiva de completar o único item que tinham falhado na lista de coisas a fazer daquela semana: iriam ver o poema que Julie e Robin tinham pintado a spray no tabuleiro da velha ponte Chain of Rocks. Iam até lá, davam um passeio ao luar, davam uma olhada rápida ao poema e depois iam ao Denny’s tomar o tal café.

Foi relativamente fácil para Tom livrar-se da sua habitual apreensão quanto a uma ideia destas. Disse a si mesmo que a sua ansiedade era injustificada, que o Midwest era diferente da Costa Leste, que estariam perfeitamente seguros. Afinal, ele era de Washington, D.C., e St. Louis, Missouri, não estava propriamente a competir como a capital do homicídio de lugar nenhum. O equívoco de Tom era relativamente comum: St. Louis tinha de algum modo escapado à reputação que merecia. Em 1991, as pessoas ainda viam a cidade como a «porta de entrada do Oeste», uma cidade segura e acolhedora junto ao rio Mississípi. Por algum motivo, o facto de St. Louis ter a terceira taxa metropolitana de homicídio mais alta do país passara largamente despercebido na esfera da opinião pública. Decerto não era uma estatística da qual Tom, ou mesmo Julie ou Robin, tivessem qualquer conhecimento.

Portanto, a atmosfera no Abelhão era de entusiasmo e conversa viva. Julie e Robin estavam eufóricas com a perspetiva de mostrar o seu trabalho ao primo. Tom estava aliviado e algo animado com a sua segunda fuga de casa da semana. A conversa, como de costume, saltava de política para religião para sexo e para música. Os três amigos mudavam de tema com tanta frequência e facilidade como Julie mudava de faixa na I-70.