Se Portugal tem vários símbolos, o Galo de Barcelos é um deles. Esta figura — cujas representações variam no tamanho e na cor — é hoje sinónimo de portugalidade. Maria José Vilas Boas é a responsável pelo projeto “Galo pelo Mundo” e faz a conhecida figura ‘voar’ além fronteiras, numa aventura registada e partilhada, fotografia a fotografia, no Instagram.
Maria José estudou Ciências da Comunicação com o objetivo de ser jornalista. Contudo, viu-se em situações diferentes das que havia pensado. “Quando acabei o curso não era fácil encontrar emprego em jornalismo — que era o que eu pensava fazer — e ao mesmo tempo também me apercebi que não tinha assim tanta aptidão para esse trabalho”, começa por contar ao SAPO24.
“Acabei por trabalhar em revisão de texto e investigação no CLEPUL, um grupo da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, mas ao fim de algum tempo estava a ficar desmotivada e diria mesmo que talvez me sentisse um bocadinho sufocada em Lisboa”, continua.
E foi neste momento que tudo mudou. “Alguém sugeriu que tentasse entrar para uma companhia aérea, como hospedeira… e muito rapidamente a ideia começou a fazer sentido! Não era um sonho que eu tinha, mas pareceu-me um desafio e uma oportunidade interessante”, conta Maria José.
Numa altura em que as companhias do Médio Oriente estavam recrutar em Portugal, Maria José não hesitou. “Dizia-se que era mais fácil entrar nessas, além de os salários serem mais altos, ofereciam casa e voavam para mais continentes. Consegui entrar para a Etihad Airways, a companhia nacional dos Emirados Árabes Unidos, que tem sede em Abu Dhabi”.
Oriunda de Barcelos, Maria José pensou em levar a sua terra além-fronteiras. Para isso, o conhecido Galo foi a peça chave. “A ideia surgiu em 2015, com uma sugestão do então Vereador do Turismo e Artesanato de Barcelos, Carlos Brito: eu [podia] oferecer uns Galinhos em miniatura a estrangeiros durante as minhas viagens. Os Galos vêm acompanhados pela lenda do Galo de Barcelos, traduzida em várias línguas”, explica.
Mas que lenda é esta? Ninguém a conta melhor que gente da terra, e Maria José faz um resumo ao SAPO24. “A história do Galo de Barcelos está ligada a uma lenda antiga sobre um peregrino que, a caminho de Santiago de Compostela, parou por Barcelos e acabou sendo condenado à forca por uma série de crimes que tinham acontecido naquela região. Ele clamou estar inocente e, no dia em que ia ser enforcado, pediu que o levassem à presença do juiz que o tinha condenado. O juiz estava a meio de um grande banquete com os amigos e tinha um galo (ou frango) assado em cima da mesa.”, começa por contar.
“O peregrino lá insistiu na sua inocência e disse ‘É tão certo eu estar inocente como esse galo cantar quando eu for enforcado!’. Diz a lenda que nesse momento o galo assado efetivamente se levantou e cantou!”.
E engane-se quem pensa que o homem não se salvou da forca. “As pessoas do banquete correram para salvar o peregrino, mas chegando lá descobriram que a corda se tinha soltado durando o enforcamento e o milagre foi atribuído a Santiago de Compostela”, refere.
Barcelos é, também, terra de oleiros. E são estes que representam o Galo, embora a figura como a conhecemos tenha “mudado ao longo dos anos e os artesãos [arranjem] sempre novos modelos”. Contudo, é sempre uma forma de representar a lenda.
Mas como é que o Galo chega a símbolo nacional? Maria José tem uma teoria. “Talvez tenha sido porque a figura é muito curiosa e foi fazendo sucesso entre estrangeiros. Quem sabe?”.
E foi para dar rumo a esta ideia que Maria José começou a mostrar as figuras da sua terra nas redes sociais. “Sendo que o Galo é um símbolo regional mas também um símbolo nacional, fez bastante sentido que eu tentasse divulgá-lo, bem como o país e até a cidade [de Barcelos]. Depois desta ideia, ocorreu-me também que seria engraçado tirar fotografias com o Galo pelas cidades por onde passasse e partilhá-las nas redes sociais”.
A inspiração, conta, veio do filme O Fabuloso Destino de Amelie. “Há um gnomo que é levado pelo mundo e tiram-lhe fotografias em locais emblemáticos. Comecei por partilhar no meu Instagram e Facebook pessoais, mas ao fim de algum tempo achei que o Galo que andava pelo Mundo já merecia um sítio seu — daí o nome que dei ao perfil no Instagram onde agora publico essas imagens: Galo pelo Mundo”.
“Com os Galinhos em miniatura nem sempre é fácil para mim oferecê-los assim a desconhecidos, mas com esta ideia do Instagram arranjei outra maneira de o divulgar. Com o meu emprego tenho oportunidade de levar o galo a pontos do globo bastante distintos. Não são tantos como gostaria e estou dependente da escala de trabalho que me dão, mas vou tirando as fotos onde e quando vejo que é mais giro e faz sentido”, revela.
Olhando para o Instagram, percebe-se que a figura do Galo foi mudando com o tempo. “Quando comecei usei um dos Galos em miniatura para as fotos, depois arranjei outro um bocadinho maior e mais resistente para as viagens e as quedas que acontecem enquanto tiro as fotos”, conta Maria José. “Esse é o que uso agora em quase todas as fotos, mas quando volto a Barcelos sirvo-me dos Galos que estão espalhados pela cidade. No fundo tenho um Galo que anda sempre comigo, mas qualquer imagem dele serve o meu objetivo de divulgar o símbolo”.
A ideia de viajar com o Galo foi bem recebida por todos. E trouxe consigo algumas surpresas. “Apesar do objetivo com a partilha na Internet ter começado por ser mostrar o Galo a estrangeiros, há muitos portugueses, emigrantes ou lusodescendentes a verem as fotos e a adorarem. Por comentários ou mensagens alguns mostram-se mesmo orgulhosos por verem um símbolo português espalhado pelo mundo”, diz. E também os colegas de trabalho querem perceber que Galo é este. “Veem-me a tirar fotos e também ficam curiosos. Aí surge mais uma oportunidade de lhes explicar o que é”.
Quanto aos barcelenses, as reações também são positivas. “A mim parece-me que o sentimento é acima de tudo de orgulho por verem o Galo, que é da terra, a passear por esse mundo fora e a marcar a presença portuguesa”, diz Maria José.
Entre viagens, o Galo de Barcelos já visitou 35 países, tendo estado em 52 cidades. E já existem planos para o futuro. “Já o levei a todos os continentes (exceto os Pólos), agora gostava de o levar, um dia, a todas as ex-colónias portuguesas, só pelo simbolismo que teria. Já o levei ao Brasil e a Macau. Ainda falta! Mas nem todas as ex-colónias são destinos que estejam no meu top de sítios a visitar, além de também não fazerem parte dos destinos da companhia aérea em que trabalho, por isso é um objetivo a longo prazo. De resto, quero levá-lo ao máximo de sítios possíveis”, remata.
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