Orelha Negra, o supergrupo hip-hop, subiu na noite de sexta-feira ao palco do Coliseu para apresentar o seu novo trabalho (homónimo, à semelhança dos dois álbuns anteriores), e encheu a emblemática sala lisboeta não só de público mas também de música que, construída a partir de samples, muito fez mexer um festival onde é esse o objetivo primeiro.
Com recurso a novos novos temas mas sem esquecer clássicos, como “Throwback” ou a bonita “M.I.R.I.A.M.”, os Orelha Negra deram uma verdadeira lição de união, com todos os membros a trabalharem, sem falhas, em prol de um bem comum: a dança.
Sobre o palco, um pano os separa do público e à lembrança chega-nos, imediatamente, a capa do seu primeiro disco, na qual se apresentavam praticamente anónimos, com outros trabalhos e influências cobrindo-lhes o rosto (“sleeveface”, chamam-lhe). Hoje em dia, os Orelha Negra já não se escondem no anonimato, preferem fazê-lo nos ritmos e nas melodias, e facto é que fecharam em grande o primeiro dia de concertos do festival.
Alguns poderão vê-los como o expoente máximo da armada lusitana que invadiu, este ano como em tantos outros, o Vodafone Mexefest. Mas é possível que tal seja injusto para com os Ermo, dupla de Braga que, essa sim, passou a refugiar-se no anonimato da eletrónica e de uma voz processada até ao limite. “Lo-Fi Moda”, chamam-lhe, título esse que é também o do seu novo disco, e que muita tinta tem feito correr ao longo de 2017. Para trás ficaram os rostos de António e Bernardo, os nomes civis que compõem os Ermo, para ficar apenas a máquina e seu registo pulsante, num concerto bem composto que teve lugar na garagem da EPAL.
Garagem essa onde, horas antes, Manuel Lourenço – ou Primeira Dama – apresentou os temas do seu segundo trabalho de estúdio, ele que também tem sabido quebrar os corações certos. Disse que estar ali era quase como “tocar no Coliseu, que está a uns 20 metros”. Entre a garagem em questão e a emblemática sala distam talvez bem mais do que 20 metros, mas entre a ambição de Lourenço e o céu não parece existir qualquer limite.
Numa safra acima (gerações diferentes, mas o mesmo modo de pensar) está Samuel Úria, homem contratado à última hora para substituir a britânica Jessie Ware, cujos compromissos não lhe permitiram marcar presença no festival. Acompanhado por Ana Bacalhau e Gisela João, Úria deparou-se com uma sala a rebentar pelas costuras no Cinema São Jorge, e devolveu esse carinho não só com os seus próprios temas mas também com versões de reis como Elvis Presley, entre outros – ele que é, grosso modo, o nosso Elvis de Tondela.
O “Capitão Romance”, Manel Cruz, ainda apaixona. Há novo álbum na calha, trabalho esse que esteve na base do alinhamento desta noite, no Tivoli, mas cujas canções ainda não caíram suficientemente no goto dos fãs do portuense. Falta, talvez, escutá-las mais um par de vezes – quem sabe recorrendo ao ouvido gigante que o próprio dispõe sobre o palco. O que não significa que o público lisboeta não sentisse já a sua falta, e ele a deste, tendo exclamado um sentido “saudades!” durante o espetáculo.
Surma, que tem estado em grande nos últimos tempos — não só pelas boas críticas que o seu disco de estreia recebeu nacional e internacionalmente, como pelo facto de já estar confirmada nos festivais Eurosonic e South By Southwest —, apresentou-se na Sala 2 do São Jorge, levando consigo canções pop com o mesmo fino recorte de uma Bjork. A sala foi pequena para "one woman band" de Leira que confessou que Lisboa é já a sua segunda casa; do palco vinha uma sonoridade gélida e trabalhada por Débora Umbelino, do público um amor imenso de quem também se sentia ali em casa.
Do outro lado do Atlântico, mas a viver em Alfama, o brasileiro Momo trouxe uma música de sabor tropical, ele que se insere na chamada “nova vaga” de artistas do país irmão (como Wado ou Cícero), tendo inclusivamente convidado Camané para dois temas. O fadista é para Momo “alguém importante nesta (sua) trajetória em Portugal”. Um elogio retribuído por Camané: “ainda bem que ele está em Portugal”.
A noite pede referência também aos Fogo Fogo, que fizeram a Casa do Alentejo estremecer com o seu funaná caloroso, e aos Killimanjaro, que abriram o festival com a eletricidade que se exige ao rock n’ roll. Uma noite de nomes que, sem excepção, nos fazem crer num presente (e num futuro) risonho para a música portuguesa.
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