Os 44,40 metros do Tomaz do Douro navegam em direção à Foz do Porto; todavia, o objetivo do Wine & Music Valley é precisamente o oposto: levar as pessoas a subir o rio até Lamego. Na apresentação do cartaz do segundo dia do novo festival, esta terça-feira a bordo de um cruzeiro no Porto, a organização promoveu uma festa que não quer ser apenas de música, mas também de vinhos, gastronomia e paisagem.

Luís Pedro Martins, presidente da Turismo do Porto e Norte de Portugal (TPNP), defende a necessidade de "conteúdos para apresentar aos turistas". Em entrevista ao SAPO24, a bordo de um grande navio, afirma que “não chega a paisagem — que é magnífica —, os vinhos, os produtos e até as pessoas que de facto marcam a diferença na nossa região”.

"No meio de tudo isto, é preciso que haja festa", sublinha: "muita festa! Os turistas vêm à região para se divertirem e por vezes aquilo que nos diferencia de outros destinos turísticos é isso: precisamos de mais festa”.

Para Luís Pedro Martins, este festival consegue mesmo "a receita perfeita para ter sucesso".

Isto porque "tem a vantagem de ter o vinho como tema e de estar a ser realizado num lugar mágico como é o Douro, rodeado de vinhas, com uma vista deslumbrante, em época de vindimas, e vai proporcionar, ainda dentro do próprio festival, a experiência da pisa do vinho, da degustação e da harmonização." Reúnem-se, assim, "várias experiências em torno do vinho", explica o presidente da TPNP.

"Numa primeira fase será um festival que vai atrair o público nacional e acredito que já desde a primeira edição vai ter muita gente de Espanha, o nosso primeiro mercado emissor", antevê Luís Pedro Martins. O presidente da TPNP acredita ainda que este festival pode ser "uma marca muito interessante", capaz de ganhar um lugar no contexto europeu dos festivais de música e vinho.

“Faltam festas”

À volta do dia 15 de agosto, a Régua mobiliza-se. As ruas da pequena cidade duriense enchem-se de turistas e romeiros à espera da grande procissão — e do fogo de artifício que ilumina o vale e estoura, ecoando nos montes e socalcos que dali se avistam. Uma enchente de almas formiga as ruas todas daquele lugar. Alinham-se nos caminhos, deixando espaços ao meio, para que passem as santidades e as eminências locais. E, mal passe o Cristo, desfazem os carreiros apartados e viram-se ao rio. Montam os farnéis, tomam posição — e aguardam, descomprometidamente. A água, que da relva parece correr plácida, despede ondas a espaços picadas a quem a olhe com a atenção devida.

Marginal do rio Douro em Peso da Régua, distrito de Vila Real, 21 de abril de 2017. créditos: PEDRO SARMENTO COSTA / LUSA

Dali a horas, o estardalhaço assusta os pássaros que se alojam no Porto de Combres, fazendo dele o pouso do sono. O céu ganha luz e a música, que segue os fogos em harmonia, aconchega o espetáculo. As gentes aplaudem, berram o entusiasmo que guardaram embrulhado no pasmado rosto apontado ao ar. É assim a festa da Régua.

Semanas depois, nos primeiros dias de setembro, na outra margem, mais romaria. As festas da Nossa Senhora dos Remédios levam milhares de pessoas a Lamego, para ver as tradições desta cidade. Os morteiros rebentam no ar. Os cavalos em procissões triunfais, e as luzes a alumiar a avenida do Alfredo Sousa.

Aqui a festa é longa. E o povo vem de todo o lado para a ver. A Batalha de Flores, com os seus carros alegóricos a fingir um carnaval outonal, mexe com as ruas apertadas, duvidando sempre o espetador da possibilidade física de atravessarem estas construções o caminho.

Não se vá ao engano: Lamego já tem festivais de verão — o ZigurFest, que este ano decorre de 21 a 24 de agosto, traz à cidade nomes como Glockenwise, Adolfo Luxúria Canibal ou Filipe Sambado, entre outros. E mais, este ZigurFest é completamente gratuito, quer para assistir aos concertos quer para utilizar o parque de campismo providenciado pela câmara municipal de Lamego.

Assim, apesar de uma e outra cidades estarem separadas pelo rio e serem de distritos diferentes, estão irremediavelmente unidas quer pelo apego à devoção, como pelo metal e betão das pontes que as ligam. São grandes, mas na grandiosidade da escala que lhes cabe.

Talvez por isso, para o presidente da TPNP, falte fazer mais. Luís Pedro Martins diz que estas festas são "excelentes", no entanto, defende que "tem de haver mais festa — e, acima de tudo, tem de ser mais distribuída pelo ano".

"Não podemos concentrar as festas todas nos meses de julho e agosto. Nesses meses já temos de facto uma grande oferta, que é importante", diz, sublinhando a importância do turismo religioso para a região. "É preciso concentrar também, e aí sim podia haver alguma concentração e alguma animação, na altura das vindimas", acrescenta.

Luís Pedro Martins, na apresentação do cartaz para o segundo dia do festival Wine & Music Valley, no Porto. créditos: Jorge Padeiro

Chegar mais longe

A estradinha de curvas e ganchos apertados que contorna a serra das Meadas, com o Douro a faiscar no fundo do vale, corta a Penajóia de ponta a ponta. A vista destas serranias, as serras que Eça arrumou nesse ‘A Cidade e as Serras’, é um dos maiores patrimónios destes lugares.

Um deles é Resende. Uma vila de que o mundo se esqueceu, ali encaixada entre o Montemuro e o rio. Eça conhece-a bem, apesar de lhe ter dado nomes vários. Conhece Tormes (Aregos) e Carquede (Cárquere), nessa Vila Clara que não raras vezes aparece descrita em vários livros do autor.

Foram estas imagens que enguiçaram o Zé e o Jacinto, as personagens de Eça que abandonam Paris e a metrópole para viver de pé no Douro. O objetivo com o apoio a esta iniciativa é fazer o mesmo: mas às moles de turistas que enchem o Porto sem de lá sair.

A organização do Wine & Music Valley não cabe à TPNP, mas também ela está a mover esforços para divulgar a iniciativa em feiras internacionais e nas lojas que tem um pouco por todo o lado — incluindo à beira da catedral de Santiago de Compostela, na Galiza.

O entusiasmo com a festa, organizada em parceria com o Rock in Rio, surge já com os dados do turismo no Porto e no Norte na mão: dos 4,3 milhões de turistas que chegaram à região no ano passado, 75% não saiu sequer da área metropolitana do Porto.

Santuário de Nossa Senhora dos Remédios, em Lamego. créditos: Octávio Passos / Lusa

Para contrariar a tendência, o festival realiza-se em Lamego, a cerca de hora e meia do Porto. A cidade, cujo núcleo histórico se desenvolve no interior dos montes a sul do Douro, é o palco, mas a festa será feita com vista para a zona ribeirinha de Peso da Régua. E é da Régua que haverá travessias fluviais para chegar ao Porto Comercial de Cambres, o recinto do Wine & Valley.

Com seis hectares, o Porto de Cambres terá três palcos, uma área com as quintas do Douro, roda gigante, zona VIP, cozinha ao vivo, alimentação gourmet e artistas nacionais e internacionais.

O primeiro dia do cartaz, 14 de setembro, está a cargo de Bryan Ferry, Mariza, António Zambujo e Salvador Sobral. O DJ Vibe e Rui Vargas completam o alinhamento deste inauguração.

O segundo dia, 15 de setembro, fica nas mãos de Carolina Deslandes, Wet Bed Gang, Seu Jorge e Xutos e Pontapés.

Inspirado no Bottle Rock de Napa Valley, no Coachela ou no Guadalupe Valley, este novo festival quer apelar a públicos mais jovens, convidando-os a subir o Douro para uma experiência diferente dos recintos urbanos.

Para isso, a aposta está também nas campanhas 'online', porque "cada vez mais é aí que os consumidores procuram e compram as suas experiências", diz Luís Pedro Martins. Mais: o presidente da TPNP acredita que a recomendação e a fidelização podem ser ferramentas de marketing com sucesso neste projeto. "Quem vier uma vez a este festival e se divertir como eu imagino que se vá divertir — e naquela região — tenho quase a certeza absoluta de que vai querer repetir a experiência."

E, "mais do que isso", acrescenta Luís Pedro Martins, as pessoas vão sair "satisfeitas para recomendar [o festival]". E "a recomendação é uma arma brutal", diz ao SAPO24.

O desafio está em chegar

Quem chega ao fundo do escadório, que toma o monte no centro da cidade em cujo topo se ergue imponente a igreja, tem uma visão tremenda. As escadas levam os corpos (e eventualmente as almas deles) terra acima. No fim do verão, ali às portas do outono, daqueles patamares no centro histórico de Lamego sai o fogo estalando no alto. No vale do Douro os foguetes sempre rebentam com mais imponência, com uma força de brado, de berro ao resto do mundo: estamos aqui.

Mas chegar aqui não é tarefa simples. Sobretudo sem carro, tal como conta Luís Pedro Martins. Perguntamos se já é fácil ir para aquela região, mas ele é taxativo: "não". Para o líder da TPNP, "aqui sim está o grande desafio: valorizarmos e melhoramos alguns meios de transporte”.

Comboio histórico na Linha do Douro em Peso da Régua, distrito de Vila Real, 21 de abril de 2017. créditos: PEDRO SARMENTO COSTA / LUSA

Concretamente, a resposta está na margem norte do rio — e arranca em São Bento. Luís Pedro Martins afirma que é preciso olhar para a linha ferroviária do Douro. "Claro que o comboio e a linha do Douro terão de merecer uma aposta muito forte por parte das entidades governamentais, porque é um meio de transporte por excelência para poder levar turistas das portas de entrada da região para esses destinos, que, não sendo muito longe da cidade do Porto, tornam-se longe pela dificuldade de lá chegar".

Essas dificuldades surgem quer porque a alternativa é o autocarro "e em viagens organizadas, de que nem toda a gente gosta”, ou, então, porque “obriga os turistas a ter de alugar um carro, algo de que também nem toda a gente gosta", explica.

"Quando nos encontramos fora do país, um dos meios de transporte que utilizamos muito para nos deslocar é o comboio — porque é fácil, geralmente é barato, seguro." A caminho de Lamego, "estamos com essa pequena dificuldade", reconhece o presidente da TPNP, que, no entanto, espera "que vá merecer o apoio do governo". Até porque "o Douro e Trás-os-Montes e o Minho têm tudo para dar certo, se disponibilizarmos os transportes para os turistas", defende.

"É uma região que tem muita coisa para oferecer, há zonas que felizmente já estão muito bem e onde é fácil chegar — como Braga, Guimarães, Viana do Castelo ou Vila Real —, mas depois há outras onde ainda há alguma dificuldade", afirma. "O facto de haver estradas não resolve, porque obriga a que os turistas aluguem um carro".

O presidente da entidade regional que promove o turismo no norte de Portugal diz que se vai bater pela linha duriense — o tampão que pode ajudar explicar o fraco fluxo de turistas do litoral para o interior da região. Mas está confiante de que este Wine & Music Valley pode ser um passo para rasgar os muros que faltam.

"Temos ainda alguns desafios — mas ainda bem: se estivesse já tudo feito, não havia nada para fazer."