O jogo e apostas online estão regulados e legalizados em Portugal há menos de dois anos, o que trouxe vários benefícios, como a existência de empresas com rosto e a sua consequente fiscalização.

Em entrevista à agência Lusa, João Goulão considera que o estabelecimento de regras para autorizar os operadores de jogo é outra das vantagens da legalização, possibilitando por exemplo que um utilizador peça a autoexclusão de um determinado site de jogos.

O diretor-geral do SICAD admite que nos 10 mil pedidos de barramento possa haver uma pequena percentagem de casos feitos de forma inadvertida, carregando sem querer no botão que permite essa opção. Mas a maioria será de pessoas que temem a dependência ou já tiveram problemas de adição.

Contudo, João Goulão confessa que o número é surpreendente, estando muitíssimo acima dos casos mais isolados de pessoas que pedem para que não as deixem entrar em casinos ou outros locais de jogo mais tradicionais.

Quanto a casos de dependência de jogo, o responsável refere que há poucos pedidos de ajuda especificamente ligados a essa adição, que se desvenda ou surge geralmente associada a outras dependências ou consumos.

“Como alguém que pede ajuda para um problema de alcoolismo, mas quando se começa a esgravatar um pouco as condicionantes e condições de vida percebe-se que ali também há um problema relacionado com o jogo, que normalmente é mantido escondido da família”, exemplificou.

Lembrando que a área do jogo foi a última a entrar na alçada do SICAD, João Goulão diz que é necessário estudar a realidade, ouvir os especialistas internacionais e os parceiros da área: “É um mundo novo para nós e temos participado e aprofundado quanto possível a parte do conhecimento, dos meandros deste mundo”.

Inicialmente o SICAD – então Instituto da Droga e da Toxicodependência - dedicava-se apenas às substâncias ilícitas, nas quais, do lado da oferta, não havia faces visíveis com os quais dialogar.

Depois, juntou-se o álcool às competências deste organismo público e passou a haver interlocutores – produtores e distribuidores de bebidas - com os quais construir um caminho para o consumo responsável.

No álcool, pode haver por vezes interesses divergentes, mas João Goulão frisa que se tem conseguido acordo quanto às mensagens a passar, o que permite reduzir danos.

“Em relação ao jogo estamos ainda numa fase incipiente, mas que nos remete para isso. O apelo ao jogo responsável é uma atitude que podemos comparar a um ‘beba com moderação’”, exemplificou.

O diretor do SICAD considera que é evidente que as empresas de jogos querem que as pessoas joguem, mas acredita que são também sensíveis à necessidade de desenvolver formas de jogo que não induzam adição e sofrimento à população.

Lei fechou 'smartshops' mas ainda se vende nas ruas e na net 

A legislação que há quatro anos veio proibir novas substâncias psicoativas teve como consequência o encerramento das lojas conhecidas como ‘smartshops’, mas estas drogas continuam a ser vendidas ilegalmente nas ruas e na internet, embora de forma residual.

“É evidente que essas substâncias continuam a circular, em parte nos circuitos ilícitos a par das cocaínas ou heroínas, e também através do mercado se faz na internet, em ‘sites’ específicos”, admitiu o diretor-geral do organismo responsável pelas dependências, sublinhando contudo que é um mercado relativamente residual em Portugal.

O efeito prático e imediato da legislação que em 2013 proibiu a venda destas novas substâncias psicoativas foi o encerramento das ‘smartshops’, mas houve outros impactos positivos, como uma diminuição dos casos que chegavam às urgências hospitalares decorrentes do consumo daquelas drogas.

João Goulão recorda que a comercialização daquelas substâncias em lojas de porta aberta transmitia uma certa sensação de segurança que estava a disseminar-se e a ter impactos “muito significativos”.

O encerramento dessas lojas trouxe assim uma redução do consumo das substâncias psicoativas, que em Portugal têm um mercado que “não é muito grande” mas que tem vindo a crescer noutros países europeus.

“Temos de continuar a acompanhar e monitorizar, estar atentos, porque de um momento para o outro [o fenómeno] pode explodir”, afirmou o diretor-geral do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD).

No mercado destas drogas reina a confusão, sendo complicado perceber o que se está a vender ou a comprar, com muitas das substâncias a ser comercializadas como se fossem ecstasy ou anfetaminas.

“Eu diria que há uma espécie de indústria parafarmacêutica que todos os dias lança no mercado novas substâncias”, disse João Goulão.

As novas substâncias psicoativas são uns parentes próximos de outras substâncias que, mercê de uma alteração molecular, se tornam novas e não constas das listas de substâncias sujeitas a controlo.

“Isto acontece a um ritmo avassalador”, reconhece o diretor do SICAD.

Portugal está incluído num sistema de alerta rápido onde estão ligados todos os estados da União Europeia. Quando é detetada uma nova substância nalgum país, todos os outros ficam alerta.

“No nosso país, destas substâncias identificadas, têm aparecido relativamente poucas e os impactos têm diminuído”, segundo Goulão, referindo-se novamente ao decréscimo de casos de situações de urgência ou emergência, como surtos psicóticos ou ataques de pânico.

Segundo o responsável, não é do conhecimento das autoridades que haja produção destas novas substâncias psicoativas em Portugal.

Quando a lei surgiu, em 2013, passou a ser proibida a venda, produção e publicidade a mais de 150 substâncias psicoativas. Mas o ritmo de produção destas substâncias obrigou a acautelar atualizações periódicas à tabela das substâncias proibidas.

Assim, sempre que exista suspeita de grave risco para a saúde num produto que possa ser considerado nova substância psicoativa, as autoridades devem analisá-lo e proibir a sua venda até se concluir se é ou não incluída nesta lista de produtos proibidos.

Toxicodependentes que recaíram com a crise vão precisar de cuidados continuados 

As autoridades estão a analisar a integração nos cuidados continuados de toxicodependentes recuperados que recaíram nos consumos, sobretudo devido à crise, para os ajudar a envelhecer com dignidade.

“Estamos a falar de pessoas de 50 e 60 anos”, João Goulão, referindo-se a uma população de toxicodependentes envelhecidos e que vai precisar de cuidados continuados.

Houve recentemente um ressurgimento de uma realidade que os especialistas julgavam extinta, com a recaída por parte de antigos consumidores que, com o período de crise económica e o aumento do desemprego, viram as suas vidas a desmoronar.

Regressaram então aos consumos em contextos de desorganização, à semelhança dos tempos do Casal Ventoso nas décadas de 80 e 90 do século passado.

“A realidade do nosso imaginário do Casal Ventoso e de outros casais ventosos deste país está agora a deflagrar de novo, muito à custa desta população mais velha que não aceita a aproximação pelas equipas de rua, por acharem que já falharam uma vez”, tendo em conta que voltaram ao consumo, afirmou o diretor-geral do SICAD.

O especialista lembra que uma das caraterísticas da adição é a fraca resiliência perante a frustração, procurando o alívio do sofrimento com o uso de substâncias.

Foi o desemprego, sobretudo, com o consequente desmoronamento de vidas, o motor para as recaídas, numa população que tinha anteriormente conseguido sobreviver e ter empregos graças à intervenção dos serviços.

Para João Goulão, o grande desafio agora é acompanhar as pessoas que recaíram “prestando cuidados de saúde, ajudando-as a envelhecer”.

A resposta deve passar pela possibilidade de permitir o acesso destes toxicodependentes aos cuidados continuados, para que seja assegurada a prestação de cuidados de saúde, quer físicos, quer mentais.

Segundo João Goulão, no Ministério da Saúde há abertura para se discutir o assunto e encontrar formas de operacionalizar esta pretensão.