Empossado como terceiro Presidente da República de Angola a 26 de setembro, sucedendo a José Eduardo dos Santos e à sua liderança de 38 anos, João Lourenço admitiu em novembro as dificuldades que tem pela frente, desde logo ao colocar a tónica no combate à corrupção.
"Sei que existem inúmeros obstáculos no caminho que pretendemos percorrer, mas temos de reagir e mobilizar todas as energias para que esse cumprimento se efetive nos prazos definidos", apontou.
Seguiram-se dezenas de exonerações que terminaram com o legado do ex-chefe de Estado, incluindo a própria filha, Isabel dos Santos, que José Eduardo dos Santos colocou, 17 meses antes, na presidência do conselho de administração da petrolífera estatal, a estratégica Sonangol.
A decisão, juntamente a outras sempre associadas a uma rutura com o legado governativo do anterior Presidente, deu a João Lourenço uma popularidade que não tinha antes de ir a votos. Contudo, a legitimidade das urnas aparenta chocar com a liderança do partido que venceu essas mesmas eleições e que, por exemplo, já teve antes de aprovar a formação do novo Governo.
Em março de 2016, José Eduardo dos Santos, Presidente angolano e líder do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), anunciou que se retirava da vida política em 2018, mas sem nunca esclarecer em que moldes. Antes, entre março de 2016 e fevereiro de 2017, alimentou o tabu sobre a sua recandidatura ao cargo de Presidente da República.
Já com João Lourenço - que é também vice-presidente do partido -, como chefe de Estado, José Eduardo dos Santos viu o ‘bureau’ político do MPLA homenageá-lo, recordando-o como "arquiteto da paz" e "de quem os angolanos herdaram um país unido".
Antes, no final de outubro, foi a vez do comité central proferir uma declaração de apoio a José Eduardo dos Santos: "Exorta os militantes, os simpatizantes e os amigos do MPLA a cerrarem fileiras em torno do MPLA e do seu líder, o camarada presidente José Eduardo dos Santos", pode ler-se no comunicado final da primeira reunião ordinária do comité central realizada após as eleições gerais.
É neste cenário, entre aparentes e constantes ameaças aos interesses da família de José Eduardo dos Santos e de um regime de quase quatro décadas, e a indefinição sobre a sua saída da liderança do partido, apesar de ter um mandato válido até 2021, que Angola entra em 2018.
Uma bicefalia que, mesmo sendo uma questão de partido, como admitiu à Lusa Manuel Vicente Inglês Pinto, comentador político e ex-bastonário da Ordem dos Advogados de Angola, deve ser rapidamente esclarecida.
"É um problema que afeta, e de que maneira, a sociedade. Não podemos ser ingénuos", afirma Inglês Pinto, embora sublinhando que a continuidade de ambos nos respetivos cargos não afeta a governação, pela separação entre partido e Governo, matéria em que a "Constituição é clara".
A convocatória, por José de Eduardo dos Santos, de um congresso extraordinário do MPLA para novas eleições para o partido é, para o jurista, de 60 anos, um dos mistérios de 2018.
Para Inglês Pinto, a abertura que se vê hoje em Angola não era possível "ainda há poucos meses", e que as críticas às mudanças, que deverão continuar em 2018, partem de "jovens inexperientes na vida".
João Lourenço “está a fazer o que está previsto na Constituição. Estamos no bom caminho, mas é preciso um trabalho de equipa", avisou.
"Sem medo algum de errar, digo que se o MPLA não levasse o discurso de combate à impunidade, à corrupção, de certeza absoluta que os resultados eleitorais não seriam estes. Não está a fazer mais do que cumprir as palavras da campanha eleitoral”, disse
“Em última análise”, sustentou Inglês Pinto, João Lourenço está a “cumprir com o programa do MPLA dos anos 50: o bem-estar da população, o desenvolvimento do país, a consolidação da expressão de uma independência total e completa".
No plano económico, com um crescimento insignificante em 2016 e pouco melhor em 2017, à volta de 1%, João Lourenço já fez saber que 2018 não será de facilidades.
Com um Orçamento Geral do Estado que só deverá entrar em vigor em março, atrasado devido às eleições gerais de agosto, o Governo liderado por João Lourenço aprovou um plano intercalar com medidas que o próprio documento, sem rodeios, descreve como "impopulares", a implementar até ao final do primeiro trimestre.
Já este ano será preparada a introdução em Angola do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), a vigorar a partir do ano seguinte, e cortes em vários níveis da receita pública, além de privatizações e outras "medidas de política necessárias e inadiáveis", que serão "politicamente sensíveis", como a desvalorização, prevista, do kwanza.
Dificuldades a que se juntam as da Sonangol, já com Carlos Saturnino no lugar de Isabel dos Santos, com a petrolífera mergulhada numa dívida superior a 7.000 milhões de dólares e quase sem dinheiro para investir na prospeção de petróleo.
No plano político, a forte popularidade que João Lourenço garantiu ao romper com a estrutura que recebeu de José Eduardo dos Santos, será ainda um teste à oposição. A UNITA, maior partido da oposição, ainda terá de clarificar em 2018 a liderança, depois de Isaías Samakuva, presidente desde 2003, ter anunciado a saída, enquanto na CASA-CE, Abel Chivukuvu tenta, de novo, encontrar uma base para a adiada transformação da coligação em partido político.
Ainda no capítulo da impunidade e luta anticorrupção, o novo Procurador-Geral da República sucederá a 10 anos polémicos no cargo pelo general João Maria de Sousa, nomeadamente com críticas por não investigar denúncias que foi recebendo e a forma como conduziu outras.
Ao novo procurador caberá ainda gerir o processo em torno do julgamento que os tribunais portugueses querem realizar ao caso envolvendo o ex-vice-Presidente da República angolano, Manuel Vicente.
Depois de o Presidente João Lourenço já ter excluído Portugal, em setembro, da lista de países prioritários para Angola em termos de cooperação, o caso em torno deste julgamento promete ser o maior teste à diplomacia angolana.
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